De cidadão são-bentense à cidadão “são-bentech”. Parece utopia criar essa cultura em uma cidade em que o setor moveleiro até pouco tempo era o único a despontar na economia local, mas é justamente essa a ideia que está ganhando corpo em São Bento do Sul. O município do Planalto Norte encontrou nas empresas voltadas à tecnologia o seu caminho para o futuro e já provou ser possível a transformação social através de um novo modelo econômico.
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Tendência essa expressa nos números: a incubadora tecnológica da cidade conta com 32 empresas, que geram mais de 200 empregos e faturam juntas cerca de R$ 30 milhões ao ano. Fato que faz com que a cidade de pouco mais de 80 mil habitantes seja uma das evidências de que as médias e pequenas cidades catarinenses também estão comprometidas com o desenvolvimento dos polos tecnológicos no Estado.
Um olhar inovador que começou a despertar em 2005 em meio à crise cambial que atingiu a indústria moveleira e resultou no fechamento de empresas e oportunidades na região. Foi nesse contexto que os investimentos na área de tecnologia se colocaram como alternativa para mudar o cenário local e gerar emprego e renda à população.
O objetivo foi posto em prática através de uma iniciativa lançada na Associação Empresarial (Acisbs), então presidida por Osmar Muhlbauer, e se fortaleceu com a reativação da Fundação de Ensino, Tecnologia e Pesquisa (Fetep). A entidade criada em 1975 para atender demandas específicas da indústria de pinus estava adormecida na história do município, mas ressurgiu com o propósito de agregar novas áreas e ajudar a tornar real às novas metas municipais.
— Quando houve essa quebra refletimos de que não podemos depender de um só setor, porque ‘se o negócio fizer água, sumimos do mapa’. Sabemos disso, mas não dá simplesmente para baixar um decreto e dizer que a partir de amanhã vai ser assim. Então pensamos numa incubadora para aguçar as ideias inovadoras e esse espírito empreendedor voltado para empresas diferentes das que temos aqui. Está claro que com a mudança digital, a indústria tradicional se ela não repensar a forma de agir, de fato é uma espécie em extinção — explica Osmar, hoje liderança da Fetep.
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Os idealizadores da mudança lançaram a Incubadora Tecnológica de São Bento do Sul (Itfetep), principal alicerce para a inserção da cidade no mapa do setor tecnológico de Santa Catarina junto a efetivação do parque tecnológico do município. As implementações geraram um ambiente colaborativo que vai além das empresas incubadas e engloba o Centro de Inovação Tecnológica (CIT) do governo estadual (a ser inaugurado em 2019) e quatro instituições de ensino superior.
— Para que toda essa transformação fosse consolidada, primeiro nós resgatamos a autoestima da comunidade e criamos um trabalho de empreendedorismo e de capacitação. Também conseguimos unir o poder público, as universidades e as empresas e um dos principais ganhos está sendo o de parar o “êxodo de cérebros”, aqueles que se formam e vão embora. Conseguimos empregar o caminho reverso e quem vem para São Bento buscar conhecimento encontra oportunidades e quer ficar aqui — destaca Osvalmir Tschoeke, gerente da Itfetep.
Rumo a consolidação, o Parque Tecnológico de São Bento do Sul visa ser o agente indutor da nova vocação empreendedora do município ao médio e longo prazo, que tem como meta ter o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) catarinense em até 20 anos – atualmente de 0,782 e 25º no Estado. Para isso, as lideranças locais consideram não só o potencial das startups, mas a participação da indústria tradicional em torno do projeto “A São Bento do Sul que queremos em 2037”, constituído sob o modelo de cidade inteligente e humana.
— Queremos através da diversificação da nossa economia e do investimento em tecnologia influenciar todo o Planalto Norte, em especial os municípios vizinhos como Rio Negrinho e Campo Alegre. Mas já servimos de inspiração também para municípios de outras regiões com realidades parecidas com a nossa, como Iporã do Oeste, Mafra, Frei Rogério e Fraiburgo. Isso mostra que estamos no caminho certo para superar o nosso grande desafio de melhorar o nível médio de renda na cidade e esse sonho já está virando realidade — analisa Osvalmir Tschoeke.
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A “Vila do Centenário” que virou “Vila do Silício”
O desafio de ser destaque em desenvolvimento humano até 2037 traça um novo destino para a catarinense que figura na lista das 50 pequenas cidades mais desenvolvidas do Brasil, e começa a revelar os primeiros resultados da ação. O principal exemplo foi construído em pouco mais de dez anos e possibilitou a revitalização de uma comunidade inteira em São Bento do Sul: a extinta “cracolândia” do bairro Centenário dá lugar ao exemplo positivo de reconstrução econômica e social, guiado justamente pela implantação do Parque Tecnológico.
De vila pouco desenvolvida no passado, composta inclusive de palafitas no entorno das primeiras indústrias moveleiras, o lugar passou por uma revitalização completa e começou a ser reconhecido como abrigo do principal parque científico e tecnológico do Planalto Norte.
Uma reviravolta que ajudou a melhorar a vida da população local, como a da auxiliar de limpeza Zilda Leal Matins, 51, e seus filhos. Ela mora no Centenário há mais de 30 anos e acompanhou de perto a evolução do bairro desde a chegada do Itfetep.
— Isso aqui (infraestrutura) não existia, era tudo mato. Então, por exemplo, naquele ponto onde é a Fetep, ali era um ponto de drogas e até no início da construção os usuários quebravam e coibiam o serviço. Era bem perigoso e isso mudou bastante, nós que moramos aqui sentimos a diferença. Antigamente não se tinha essa liberdade de você sair como se tem hoje e, além disso, as pessoas de fora que agora vem pra cá, antes não vinham. O bairro ficou mais bem visto — celebra a moradora.
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A renovação também é visível para o gerente comercial Joari Vepech. Em 1996 ele frequentava o curso de Tecnólogo Moveleiro na Fetep – atualmente ministrado no Senai – instalado no parque tecnológico, e conta que naquele tempo ao chegar às proximidades do local para estudar precisava pagar uma espécie de “pedágio” para usuários de drogas. Isso virou passado.
A redução no índice de criminalidade aumentou significativamente a sensação de segurança para os moradores dos bairros vizinhos, como confirma o jovem Rauni Nóbrega, 26. Na adolescência o rapaz evitava passar pela região e agora frequenta diariamente a comunidade, onde desenvolve um protótipo de veículo autônomo no laboratório de Automação e Robótica da incubadora são-bentense.
— Existia um estigma de passar no Centenário e de como as comunidades vizinhas viam o bairro antes. Moro perto e tinha medo de passar a pé por aqui para estudar, preferia pagar o ônibus porque os estudantes eram muito parados por quem ocupava essa área para usar drogas e pedir dinheiro. Só que depois que esse parque tecnológico começou a ganhar forma, a buscar as pessoas daqui para capacitar e qualificar, o bairro começou a mudar e o medo zerou — relata ele.
Uma visão do futuro
Injeção de ânimo que começou a render frutos para os novos empreendedores que decidem apostar no município para montar um negócio. Foi essa visão de futuro que mexeu com a carreira do casal Serinaldo Portella, 29, e Vanessa Hoffmann, 25, e o sócio deles Marlon Marschal, 30. Os três eram universitários de cursos diferentes na Universidade da Região de Joinville (Univille), campus São Bento do Sul, que se aproximaram e encontraram na incubadora da cidade uma oportunidade de tirar do papel a ideia de criar uma startup.
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O ano era 2016 e de lá para cá eles receberam consultoria e a estrutura necessária para desenvolver as primeiras máquinas produzidas pela Smartmaq, que produz soluções em esquadrejadeiras. De acordo com Vanessa, o ambiente favorável acelerou os resultados da empresa. Passados quase dois anos eles passaram de três para 17 funcionários e conseguiram partir para um endereço próprio, saindo dos 25 metros quadrados de área inicial em uma sala na incubadora para uma sede de 400 metros quadrados.
— Ainda é muito difícil mensurar o quanto ainda podemos crescer, porque desde o início da incubação tudo ocorreu de forma muito intensa e já atuamos a nível nacional e estamos ingressando no ramo da exportação. É perceptível que a região como um todo está se inovando, nós temos fornecedores locais que inclusive iniciaram com a gente e também já estão bem alocados no mercado — comemora e empresária.
O mesmo trilho é buscado por quem se inscreve no ‘Desafio Itfetep’, em que empresas apresentam propostas de novos negócios, principalmente voltados à inovação tecnológica e que podem receber recursos de investidores-anjo. Essa iniciativa é propulsora para atrair talentos como Leonardo Schifler, que em 2018, aos 26 anos, abriu sua startup e trabalha na construção da “Druker Box”, a qual considera ser a segunda maior impressora 3D do Brasil.
Outro fator que denota a estratégia de futuro é a interação direta com a academia. Um dos exemplos vem do apoio prestado ao estudante de engenharia de produção da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Gustavo Wehle, 22, que utiliza o laboratório da Itfetep para desenvolver pesquisa para a produção de grafeno em larga escala – o material promete revolucionar a indústria de eletrônicos por ser ultrafino, ultraresistente e conduzir energia com mais velocidade do que o silício, componente usado nos computadores atuais.
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