Noite de Natal em Jaraguá do Sul, no Norte do Estado. Às 23h36min, Thalia Ferraz recebe uma mensagem dizendo que irá receber uma “surpresa inesquecível”. Minutos depois, o excompanheiro da jovem de 23 anos invade a casa onde ela estava, atira e a mata na frente de familiares que passavam o Natal juntos. O motivo: ele não concordava com o término do namoro, que tinha ocorrido dois dias antes por causa de ciúmes excessivos.

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O caso de Thalia exemplifica com precisão o crime de feminicídio, motivado por um sentimento de posse em relação à mulher. Um assassinato que a delegada Patrícia Zimmermann D’Ávila, coordenadora das Delegacias de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (Dpcamis) de Santa Catarina, classifica como um crime de ódio, e não um crime passional.

Ódio, como o que levou o ex-namorado de Daiana dos Santos Silva, 27 anos, até o estacionamento do salão de beleza onde ela trabalhava, em Blumenau. Eram 9h e ela chegava para trabalhar, mas encontrou o ex-companheiro armado com uma faca. Daiana morreu ali, com facadas no pescoço e no peito.

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Em 2020, outras 55 mulheres tiveram um destino parecido ao de Thalia e Daiana em Santa Catarina. Conforme o balanço oficial da Secretaria de Segurança Pública (SSP), foram 57 feminicídios no Estado, um caso a menos do que em 2019 – ano com o maior número de registros até hoje. Em um ano tão atípico, em que as ocorrências de violência doméstica causaram uma preocupação acima do normal por causa do isolamento motivado pela pandemia, as autoridades de segurança consideram uma vitória a estatística não ter aumentado.

– É um desafio que estamos enfrentando dia a dia. Em um período de exceção como a gente viveu, não ter um aumento é algo importante. Agora, enquanto tiver uma mulher vítima de feminicídio em Santa Catarina, a polícia não pode parar – aponta a delegada Patrícia Zimmermann D’Ávila. 

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Impactos da pandemia

As dificuldades criadas pela pandemia em 2020 também forçaram a criação de novas formas de combate à violência contra a mulher em Santa Catarina. Com as vítimas muitas vezes em casa com os agressores, sem a chance de saírem, a criação da delegacia virtual é apontada como uma das grandes novidades da Polícia Civil no ano. Assim, os registros de violência são feitos pela internet, e podem ajudar que os órgãos de segurança façam uma intervenção no caso antes do feminicídio se concretizar.

– A Polícia Civil se desdobrou para manter esse atendimento, a situação de 2020 trouxe um aprendizado. A ideia é usar a experiência do isolamento para aprimorar o atendimento da mulher em casa. A gente sabe que esse é um crime em que a vítima tem muita vergonha, tem medo de fazer um boletim de ocorrência. O número de feminicídios que tinham uma denúncia antes ainda é muito baixo – explica a delegada.

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Para 2021, Patrícia projeta um foco ainda maior em melhorias tecnológicas no setor policial para atender as mulheres em casa, além de continuar a capacitação dos policiais para atender a esse tipo de ocorrência. Em parceria com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o projeto de grupos de conversa com os agressores também deve ser expandido para mais cidades catarinenses quando a pandemia permitir reuniões desse tipo.

Além de punir, é necessário o trabalho educativo com os agressores, assim como as atividades de conscientização desde cedo nas escolas.

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100% dos casos resolvidos

Diferentemente de outros crimes, a impunidade não pode ser apontada como um dos motivadores para os feminicídios em Santa Catarina. Todos os casos registrados no ano passado foram resolvidos, segundo a Polícia Civil. Ou o autor foi preso, ou cometeu suicídio após o crime – um desfecho cada vez mais comum para essas situações. 

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É por isso que o trabalho contra o feminicídio passa, em muito, pela educação e conscientização. A delegada Patrícia Zimmermann destaca que a legislação brasileira de violência contra a mulher está entre as melhores do mundo, e não mora ali o problema. Hoje em dia não há mais justificativa para os feminicídios, como a falaciosa “defesa da honra” que era citada em tribunais décadas atrás.

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– As polícias, a segurança pública, estão fazendo a sua parte, mas precisamos que toda a sociedade se engaje numa verdadeira guerra contra o feminicídio. Precisamos criar uma cultura de respeito à mulher. A mulher não é propriedade de ninguém, o lugar dela é onde ela quiser, e essa cultura não é só a polícia que vai conseguir criar – aponta o delegado-geral da Polícia Civil de SC, Paulo Koerich.

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Como denunciar

Assim como outros canais de denúncia, ampliados logo no início da pandemia para facilitar a comunicação das ações de violência contra mulheres, a Polícia Civil lançou a Delegacia de Polícia Virtual da Mulher, que permite o registro de qualquer ocorrência amparada pela Lei Maria da Penha.

Além disso, o canal traz informações às 29 vítimas que ainda têm dúvidas sobre todo o procedimento que envolveu a denúncia. A iniciativa é do projeto PC por elas da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI).

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Como denunciar violência contra a mulher
Veja como denunciar (Foto: Arte DC)

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