*Por Ceylan Yeginsu
Londres – Depois de nove meses de espera por uma cirurgia, os músculos do joelho de Ruth Fawcett definharam, fazendo com que a junta se soltasse da órbita, deixando-a incapacitada de caminhar sem ajuda.
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“Simplesmente, pararam de realizar as cirurgias que consideram ‘não vitais’, e quando retomarem é muito provável que deem prioridade aos casos mais urgentes”, explica, com um suspiro profundo.
Fawcett, uma designer de joias de 82 anos do noroeste da Cúmbria, está entre os mais de quatro milhões de ingleses na lista de espera do Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) para tratamentos rotineiros, suspensos há meses, desde que os hospitais foram forçados a interrompê-los para priorizar os casos de Covid-19.
Acontece que, como a idosa, vários pacientes estão sofrendo uma deterioração significativa no estado de saúde, cada vez mais ansiosos e frustrados com a falta de informações sobre seu posicionamento na listagem e/ou sobre quanto tempo terão de esperar até receber tratamento.
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Muitos inclusive temem perder o lugar e ser forçados a esperar ainda mais se os hospitais retomarem os serviços na base da triagem.
“Não me dizem que lugar ocupo na relação, nem o nível de urgência com que veem meu caso. Mal posso andar. O joelho não tem sustentação nenhuma e, se não usar muletas, caio. É muito assustador”, prossegue Fawcett.
Mesmo antes da pandemia, o serviço já tinha problemas para manter os padrões de tempo de espera, com mais de 16 por cento dos pacientes tendo de aguardar mais do que o limite de quatro meses e meio para tratamento de rotina em janeiro.

O volume de pessoas em lista de espera para tratamentos eletivos caiu de 3,94 milhões em abril para 3,84 milhões em maio, segundo os números do NHS publicados em julho. Porém a queda é atribuída ao número menor de pacientes realizando exames e tratamento durante a pandemia; os valores devem começar a subir novamente com a retomada dos serviços.
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Com os centros médicos operando com capacidade reduzida para acomodar os pacientes que sofrem de Covid-19, a relação pode chegar a dez milhões de pessoas até o fim do ano, segundo a Confederação do NHS, que representa hospitais e outras unidades de atendimento médico.
“A determinação de encarar o desafio é genuína, mas para isso serão necessárias verba extra e capacidade, inclusive nos serviços de reabilitação e recuperação da comunidade, nos quais a maior parte da demanda futura será sentida”, explica o diretor executivo da confederação, Niall Dickson.
O NHS rejeita esses cálculos, afirmando que as listas de espera tanto para exames de diagnóstico como para procedimentos eletivos vêm caindo desde fevereiro.
“Em geral, a redução foi de mais de 500 mil pessoas desde o início da pandemia, mas, conforme os pacientes vão sendo atendidos, os serviços de saúde locais continuam a expandir o atendimento com segurança. Apesar da ação rápida contra a pandemia e da necessidade de garantir que mais de cem mil pacientes recebessem atendimento, o pessoal do NHS também realizou mais de cinco milhões de exames rápidos, verificações e tratamentos de forma segura durante o pico da doença”, afirmou o porta-voz do NHS.
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Os especialistas dizem que há uma crise crescente na realização de exames diagnósticos, incluindo o de ressonância magnética e o de tomografia computadorizada.

“O número total de pacientes aguardando pelo menos um mês e meio a partir do encaminhamento para um dos quinze exames vitais chega a quase 571.500, o que equivale a 58 por cento dos pacientes na lista; é chocante, principalmente quando se pensa que a meta é um por cento”, diz o dr. Nick Scriven, ex-presidente da Sociedade de Medicina de Cuidados Críticos.
Os pacientes com câncer foram particularmente afetados.
Cerca de 2,4 milhões de pessoas estavam aguardando tratamento ou exames em junho, de acordo com a instituição de caridade Cancer Research UK, e milhares ficaram de fora do encaminhamento dos hospitais para os exames de diagnóstico, essenciais na detecção precoce e no tratamento bem-sucedido da doença.
Mesmo depois que o paciente é encaminhado a um especialista, o tempo médio de espera para tratamento em abril era de 12,2 semanas, o mais longo em mais de uma década. Mais de um milhão de pacientes aguardaram mais de quatro meses e meio, como mostram os números do NHS inglês.
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Sylvia Traynor tem câncer cervical e estava no meio de um tratamento de químio e radioterapia de seis meses quando o médico ligou, no fim de abril, para lhe dizer que o procedimento ficaria suspenso durante quase dois meses por causa dos riscos impostos pelo coronavírus.
“Assim, do nada, me disseram que eu não fosse mais. Não acreditei que tivessem coragem de interromper tão bruscamente. Tudo bem, sei que há casos mais prioritários, mas o tratamento estava funcionando… A única coisa em que consegui pensar foi: ‘E se o negócio se arrastar pelo resto do ano e eu regredir? E se tudo o que fiz até agora for em vão?'”
A incerteza e a ansiedade causadas pela espera e pelo atraso já estão afetando a saúde mental.
Muitos pacientes à espera de cirurgia reclamam de ter de lidar com a dor insuportável diariamente, e diversos relutam em tomar os analgésicos mais fortes, à base de opioides, receitados pelos médicos por causa dos efeitos colaterais e do risco de dependência.
“Posso não ser jovem, mas meu cérebro continua muito ativo, e às vezes fico muito deprimida por causa da dor e por não poder fazer nada. Eu me sinto presa”, desabafa Fawcett.
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Na Inglaterra, algumas pessoas recorreram a clínicas particulares para obter diagnóstico, mas a maioria afirma não ter condições de arcar com a cirurgia ou com o tratamento assim que obtém o resultado.
Emma Shearer, uma corretora imobiliária de 36 anos, tem endometriose, doença hormonal debilitadora que muitas vezes lhe causa uma dor tão grande na região pélvica que ela não consegue se levantar da cama. Depois de esperar três meses pelo encaminhamento, Shearer resolveu ir a um hospital particular para fazer os exames.
“Primeiro você paga 200 libras (cerca de US$ 250) por uma consulta de meia hora; depois desembolsa uma fortuna para fazer os exames, para, no fim, descobrir que não tem condições de realizar a cirurgia e precisa voltar ao NHS e esperar. O coronavírus deixou muita gente sem opção a não ser negligenciar a saúde. É assustador e certamente não pode terminar bem”, lamenta ela.
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