Numa época em que Biguaçu não tinha biblioteca, um menino com “fome” de leitura, mas sem dinheiro para comprar livros, passava horas lendo na livraria da cidade. Assim iniciava a vida dedicada à literatura do escritor e jornalista Salim Miguel, premiado pela Academia Brasileira de Letras e União Brasileira de Escritores, entre outros.

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Salim Miguel se intitulava como um líbano-biguaçuense. Nasceu em 1924 e tinha três anos quando os pais saíram do Líbano para tentar vida melhor nos Estados Unidos, mas desembarcaram no Rio de Janeiro e se juntaram a familiares que já moravam na cidade. Após um ano, mudaram-se para Florianópolis e o pai professor tentou trabalhar com comércio em municípios da região, até conseguir manter uma loja em Biguaçu, onde viviam conterrâneos.

As lembranças do que os pais contavam sobre o Líbano e a adaptação no Brasil resultaram no premiado romance “Nur na escuridão”, misto de biografia, ficção e registro histórico. Ainda menino, ajudava o pai no comércio, mas gostava mesmo de ler. Por volta dos 10 anos, teve a ideia de pedir livros emprestados na livraria da cidade. Recebeu uma contraproposta: que lesse para ele, porque também gostava muito de literatura, mas era cego. Ao aceitar a troca, passou horas por dia, durante anos, na livraria, conhecendo desde cedo muitos autores brasileiros e estrangeiros.

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O primeiro livro publicado foi “Velhice e outros contos”, em 1951. Nessa época, integrava o Grupo Sul, junto a escritores e artistas, como Eglê Malheiros, com quem se casou. A Semana de Arte Moderna, que havia ocorrido em 1922, em São Paulo, e não chegou a Santa Catarina, era reavaliada pela Geração de 45, o que repercutiu em diversos estados. Na capital catarinense, em 1947, Salim Miguel e outros jovens formaram o Círculo de Arte Moderna, depois chamado de Grupo Sul.

Eles “sacudiram” Florianópolis com novas propostas para a literatura, artes plásticas, teatro, cinema e música. Pretendiam democratizar e renovar a vida cultural catarinense. Publicaram a revista “Sul”, que revelou novos nomes e promoveu intercâmbio com autores de outros estados e países. Mobilizaram-se para apoiar a Exposição de Arte Contemporânea de 1948, que levou à criação do Museu de Arte de Santa Catarina. Editaram livros, fundaram cineclube e produziram o primeiro longa-metragem do Estado, “O Preço da Ilusão”, em 1958, ano que o grupo se dissolveu.

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Em 1947, Salim Miguel e outros jovens formaram o Círculo de Arte Moderna, depois chamado de Grupo Sul (Foto: Academia Catarinense de Letras, Reprodução, Douglas Santos)

Em 1964, início da ditadura, o escritor ficou 48 dias detido para “averiguações”. Num diário, registrou as reações e dos demais presos. Trinta anos depois, lançou “Primeiro de abril: narrativas da cadeia”. Ao sair da prisão, mudou-se para o Rio de Janeiro e trabalhou como jornalista, crítico literário e roteirista de cinema. Ao retornar a Florianópolis, assumiu a direção da Editora da UFSC e da Fundação Cultural.

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Por problemas de saúde, Salim Miguel ficou quase cego. Para escrever e ler seus últimos livros, precisou contar com auxílio, como fez para o poeta na livraria durante a juventude. Morreu em 2016, aos 92 anos.

*Texto de Gisele Kakuta Monteiro

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