Os serviços básicos de saúde e educação estão entre os setores mais atingidos pela crise econômica nacional que vem se agravando desde o ano passado. Além da queda no repasse de recursos federais, a rede pública de Joinville está sobrecarregada e no limite de atendimento.
Continua depois da publicidade
Dados do Ministério do Trabalho apontam um saldo negativo de 10,3 mil vagas fechadas (entre admissões e demissões). Sem emprego ou recolocação no mercado com salários mais baixos, os joinvilenses precisaram readequar o orçamento familiar e optar por serviços mais baratos ou gratuitos.
Leia mais notícias de Joinville e região
Nos pronto-atendimentos Norte, Sul e Leste, por exemplo, a demanda aumentou 30% no primeiro trimestre deste ano se comparada ao mesmo período de 2015. Nas unidades básicas, o aumento foi de 15% a 25%.
– O que a gente nota mais são os atendimentos de urgência e emergência (que aumentaram na rede pública). Nos dois hospitais particulares, a demanda de atendimento diminuiu em torno de 25% no primeiro bimestre – revelou a diretora-técnica da Secretaria de Saúde, Luana Ferrabone.
Continua depois da publicidade
Na educação não é muito diferente. Segundo o secretário Roque Mattei, a rede pública conseguiu absorver as transferências de alunos da rede privada, mas está no limite de capacidade. Na educação infantil o aumento foi de 62% e no ensino fundamental de 4%.
– Se não mudar o cenário, nossa crise vai se agravar, porque nós também estamos no limite. Tivemos um salto na procura no início do ano.
O transporte público é outro setor atingido pela crise em Joinville. Houve uma queda de passageiros na ordem de 6,5% no último trimestre de 2015. Nos dois primeiros meses de 2016, o setor perdeu mais 5,3% de passageiros.
A inadimplência de contas básicas, como a água e a energia elétrica, é outra realidade. A falta de pagamento da conta de água aumentou 17% no período de agosto de 2015 a janeiro de 2016. A inadimplência na conta de luz aumentou 11% no primeiro trimestre do ano. Segundo o chefe regional da Celesc, pelo menos dez empresas atrasaram o pagamento e tiveram a energia cortada. Até a semana passada, nove já tinham regularizado a situação.
Continua depois da publicidade
Na avaliação da economista Anemarie Dalschau Muller, não é que o joinvilense não quis pagar a conta, mas se apertou pelo endividamento.
– São pessoas que estavam acostumadas a ganhar de R$ 3 a 5 mil reais, e que estão voltando hoje por R$ 1 mil.
Triagem mais rígida na saúde
O atendimento por protocolo de Manchester, que prioriza os casos graves, ficou mais rigoroso em Joinville. De acordo com a diretora-técnica da Secretaria Municipal de Saúde, Luana Garcia Ferrabone, a meta é identificar por meio da triagem os pacientes em situação de emergência.
A decisão de restringir o atendimento ajuda os PAs a não fecharem as portas. Casos menos graves devem procurar as unidades básicas de saúde.
Continua depois da publicidade
– A gente se preocupa em perder o foco do paciente de urgência e emergência, vocação do PA.
Mesmo com a capacidade de gastos no limite, a Secretaria de Saúde garante que suprirá a falta de médicos nos PAs por meio de novas contratações. A previsão é de que o atendimento se normalize até o dia 11 de abril.
Cresce procura pela rede pública
A rede de educação básica (infantil e fundamental) começou a sentir os efeitos da crise a partir de maio do ano passado. De acordo com o secretário Roque Mattei, prevendo a crise, alguns pais já fizeram a transferência dos filhos da rede privada para a municipal antes mesmo de sofrerem as consequências. O crescimento maior foi na rede infantil, que também ampliou a capacidade de atendimento e absorveu a fila de espera.
– Estamos fazendo uma ginástica para dar conta porque também temos dificuldades financeiras. A crise nos afeta diretamente.
Os convênios com a rede de educação privada e as parcerias com o Estado ajudam a dar conta da demanda. Pelo menos 62 mil vagas são compradas pelo município em CEIs particulares para ofertar às famílias de baixa renda.
Continua depois da publicidade
ENTREVISTA | Anemarie Dalschau Muller, economista e professora
Joinville se compara ao cenário nacional
Joinville não foge ao que está acontecendo no resto do País. A economia está paralisada. O desemprego já representa quase 10% da população brasileira ativa. Em Joinville perdemos muitos postos de trabalho, principalmente na indústria. O comércio, que era uma possibilidade de empregos até por conta do Natal, não correspondeu à expectativa que se tinha.
Reflexo nos salários
Houve uma queda na própria renda das pessoas. O salário mínimo teve um aumento de 10% em média, então essas pessoas que ganham o salário mínimo tiveram um ganho real. No entanto, as pessoas que ganham acima de dois salários perderam renda. Pessoas que perderam emprego e ganhavam por exemplo R$ 2 mil, foram recontratadas com salários menores. No Brasil como um todo representa uma queda de mais de 2% na renda.
A classe C foi a mais atingida. Houve uma reposição da inflação. Porque a nossa inflação foi 10,6% (2015). Eu sempre digo que a inflação dói diferentemente em cada bolso. Vai depender do perfil de gastos.
Endividamento inesperado
Vamos imaginar o cidadão que ganhava R$ 3 mil e comprou há três anos um carro que ele paga uma parcela de R$ 500, aproveitou pra comprar mais uma TV de R$ 2 mil e está pagando R$ 250 na parcela. Com o crédito imobiliário comprou a casa próprio e adquiriu mais uma prestação de R$ 800. Já são mais de R$ 1,5 mil comprometidos. Digamos que esse cidadão perdeu o emprego e vai se recolocar no mercado com R$ 1,5 mil de salário. Como vai pagar a casa, o carro e a TV? Este é o problema do próprio aumento na inadimplência.
Continua depois da publicidade
Corte de gastos
Empresários também estão tendo dificuldade em manter os lucros que eles tinham. Principalmente em setores básicos. Repassar a inflação, o aumento de custo, significa onerar o cidadão que está comprando. As pessoas começam a fazer cortes. A Fecomércio publicou que está sendo o pior momento do comércio. As pessoas estão comprando estritamente o necessário. A renda já está comprometida porque o brasileiro não tem o hábito de poupar. É preciso abrir mão dos desejos que elevam a autoestima pra sobreviver, esse é o resultado dessa crise. As pessoas estão sobrevivendo, o nível de renda é para sobrevivência.
Previsão para 2016 e 2017
A inflação continua pressionada neste ano. A expectativa é de que a inflação fique em torno de 6,5%, parece pouco mas não é. Significa deixar de comprar R$ 6 a cada R$ 100. Não é pouco e não podemos desprezar nenhum centavo. Brasileiro também não acostumou com isso, despreza centavos. O sistema tributário é um dos grandes problemas que precisa urgentemente de reforma. A política fiscal tem de um lado a política tributária (arrecadação) e do outro os gastos públicos. Há uma questão contraditória. Como o governo está gastando esse dinheiro? A roda da economia é equilíbrio entre consumo, investimento, pagamento de salário e impostos. A expectativa de crescimento paro o ano que vem é tão pequena que a linha é muito tênue entre o zero e o negativo. O problema do Brasil hoje é político que reflete na economia de uma forma muito perversa.
Consequências
Há uma possibilidade de convulsão salarial. O que é isso? Desemprego e salários mais baixos. O Brasil, na minha percepção, já está indo para uma convulsão social. É o aumento da inadimplência, o aumento da criminalidade, o aumento da violência doméstica, do alcoolismo. Não é justificar, mas que a questão econômica interfere (nas questões sociais), não tenho dúvida disso.
Dicas pra quem está empregado e não tem grande endividamento
As palavras são “planejar” e “poupar”. Não é deixar de consumir, porque o consumo é importante para a economia. Mas é importante reavaliar. Cada um tem que saber a sua situação. Comprar o necessário e, principalmente guardar uma parte do dinheiro. Será um ano difícil e tem tudo pra 2017 também ser. Um exemplo é analisar muito bem antes de comprar a casa própria. Se esse financiamento custa mais caro do que o aluguel, quem sabe espera e fica no aluguel. Guarda a diferença (entre o aluguel o que seria a parcela do financiamento) e mais a frente terá dinheiro para ampliar a entrada no imóvel e aí sim sair do aluguel. Tem que observar o custo-benefício.
Continua depois da publicidade
Dicas para quem já está endividado
Vai ter que avaliar e negociar cada situação. Não existe outra maneira. Talvez, neste momento, a opção seja se desfazer de algum bem. Depende da característica de cada família, mas vale tudo pra não cair naquela convulsão social (marido e mulher que se separam por causa de dívidas). Acabar infeliz só para dizer que está morando dentro do seu apartamento? (Casais) tentem juntos achar uma solução. Tirar o filho da escola particular e colocar na pública talvez não seja a solução porque a rede pública está com sua capacidade no limite. Quem sabe negociar com a escola e buscar bolsas. Os prestadores de serviço estão abertos às negociações, até porque se não estiverem sabem que o prejuízo será maior. A palavra de ordem é buscar a negociação com cada credor que você tem e se estiver no rotativo do cartão de crédito saia urgente.
Expectativa
O retorno demorará, mas vai acontecer. Esse País é maravilhoso, lindo. Nós temos gente muito capacitada. A nossa região aqui demonstra bem isso. São pessoas que lutam. É deprimente ver o que está acontecendo. Mas economicamente acho que neste momento as dificuldades resultarão em momentos melhoras mais a frente.