*Por Niraj Chokshi

Molly Choma, comissária de bordo da Alaska Airlines, tinha trabalhado quase todos os dias desde meados de março, mesmo quando o surto de coronavírus devastou sua indústria. Mas, recentemente, ela acordou sozinha em um quarto de um hotel quase vazio e se perguntou se era hora de parar.

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Enquanto se preparava para o voo 1002, que a levaria para casa na Área da Baía de San Francisco, saindo de Washington, D.C., Choma, de 33 anos, começou a ouvir o noticiário e mandou uma mensagem para seus colegas. Eles planejavam continuar voando? Ela deveria continuar?

"Estou pensando na minha família, nos meus amigos, no que isso significaria até o fim do mês. Não sei como essa coisa vai moldar minha vida, o mundo, a aviação ou a história de praticamente tudo", disse ela.

As companhias aéreas cancelaram um número impressionante de voos, mas milhares ainda decolam todos os dias, e muitas das pessoas necessárias para mantê-los funcionando avaliam se devem continuar trabalhando e como se manter seguras se o fizerem.

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Para Choma, esses últimos voos seriam uma garantia financeira. Depois que a pandemia interrompeu o funcionamento de uma empresa de fotografia que ela tocava paralelamente, a comissária aceitou trabalhar nos voos de colegas que não podiam, ou não queriam, tripulá-los.

Alguns funcionários de companhias aéreas continuaram trabalhando com relutância porque precisam do dinheiro ou porque temem perder o emprego quando a crise passar. Outros, que antes contavam com a renda de turnos extras, agora têm de se virar com os poucos voos disponíveis. Dezenas de milhares de pessoas tiraram licença não remunerada, ficando em casa por necessidade ou preocupação, ou para liberar vagas para colegas que podem precisar mais da renda.

Muitas companhias aéreas provavelmente sairão da crise com menos funcionários, e uma recuperação completa não é esperada tão cedo. Foram necessários vários anos para que o volume de passageiros se recuperasse após os ataques terroristas de 2001, um choque menos grave do que a crise atual, que é vista por muitos como a pior da história da aviação.

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(Foto: Anastasiia Sapon / The New York Times )

A devastação chegou abruptamente no fim de fevereiro, quando o número de novas reservas começou a despencar e os cancelamentos, a aumentar. Menos de dois meses depois, as viagens aéreas caíram para novos patamares. Em sete de abril, pela primeira vez desde que a Administração de Segurança dos Transportes foi formada após os ataques de 11 de setembro, a agência monitorou menos de cem mil viajantes, pilotos, comissários de bordo e trabalhadores de aeroportos e companhias aéreas em seus postos. No mesmo dia do ano passado, eram mais de dois milhões de pessoas.

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As companhias aéreas reduziram drasticamente seus serviços, mas ainda fazem milhares de voos diários. Em sete de abril, por exemplo, havia quase oito mil voos nos EUA, em comparação com quase 35 mil há um ano, de acordo com o provedor de dados de aviação OAG. A indústria está cortando mais, mas deve manter o serviço mínimo para muitos destinos sob as condições impostas pelo Congresso dos EUA para garantir os subsídios destinados aos funcionários dessas empresas.

O futuro incerto da indústria contribuiu para a opinião de Choma. Quando cruzou o desolado lobby do hotel naquela tarde, ela reforçou sua determinação – continuaria a fazer o que faz desde que se tornou comissária de bordo há 11 anos, logo após concluir a faculdade.

"Não sei se é burrice ou loucura, mas sinto que devo estar aqui fazendo esse trabalho, levando essas cinco ou dez pessoas para onde elas precisam ir. É como uma reação instintiva – é isso que eu devo estar fazendo agora."

Comissários de bordo de grandes companhias aéreas têm normalmente garantida uma quantidade mínima de trabalho, que podem então negociar entre si para ganhar mais dinheiro ou para tirar mais tempo de folga. Alguns rotineiramente fazem horas extras, embora essa opção tenha basicamente desaparecido. Em 2018, mais de 119 mil comissários de bordo estavam trabalhando nos EUA, ganhando um salário médio anual de US$ 56 mil, de acordo com o Escritório de Estatísticas Trabalhistas. No mesmo ano, havia mais de 124 mil pilotos, com um salário médio de mais de US$ 115 mil.

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(Foto: Anastasiia Sapon / The New York Times )

Choma, cujo negócio de fotografia de eventos e retratos sofreu com cancelamentos, disse que voar lhe dá um senso de propósito durante este tempo inquietante e permite que mantenha uma renda estável, ao mesmo tempo que colabora com os colegas que não podem ou não querem trabalhar.

Não é que não se preocupe com o contágio, mas ela é jovem, saudável e não tem filhos. Sua mãe foi comissária de bordo por quase duas décadas, por isso ela conhece e aceita há muito tempo os riscos da função.

"Isso parece sombrio, mas a preocupação de que algo ruim possa acontecer no trabalho nunca me saiu da cabeça. Ela só foi amplificada agora, mas acho que já desenvolvi um conjunto de habilidades para me consolar e enfrentar esses medos."

Choma disse que seu empregador geralmente fornecia luvas e máscaras aos tripulantes, mas os comissários de bordo e pilotos de várias companhias aéreas, muitos dos quais pediram anonimato por medo de perder o emprego, contaram que tiveram de levar seus próprios suprimentos para o trabalho. Mesmo com o compromisso das empresas de fornecer equipamentos de proteção, muitas têm se deparado com os problemas de abastecimento que atormentam hospitais em todos os EUA.

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"Há esse verdadeiro conflito entre nossas fileiras de querer fazer o trabalho, querer fazer o que é necessário para nossa nação, e ainda dizer: 'O que você está fazendo para ter certeza de que estamos realmente seguros no trabalho e que o risco de exposição é minimizado?'", disse Sara Nelson, presidente do sindicato da Associação de Comissários de Bordo.

Era mais difícil se manter seguro no início da crise, quando os aviões estavam muitas vezes relativamente cheios e as tensões eram muitas. Mas as poucas pessoas que ainda viajam estão com receio de interagir.

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(Foto: Anastasiia Sapon / The New York Times )

Muitos dos que continuam a voar o fazem por necessidade, observou Choma. Ela contou que um homem em um voo em que trabalhou estava voltando para casa em San Francisco, tendo saído de Chicago, onde foi visitar seu pai, que estava morrendo de câncer. Em outro voo, uma mulher estava deixando seu marido abusivo.

Em um dia recente, Choma saiu da casa que divide com colegas de quarto, entrou em seu carro e parou em um local perto do Terminal 2 no Aeroporto Internacional de San Francisco. Lá, retocou o batom e passou pelo posto de controle de segurança. O silêncio do aeroporto amplificou o som do salto de seus sapatos e o barulho das rodas de sua valise, sons que normalmente seriam abafados pela multidão.

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"É como se você só estivesse esperando algo acontecer ou seu tapete ser puxado. Até onde isso vai chegar? Onde vamos parar? Como as companhias aéreas vão ficar depois disso?", questionou ela.

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