A primeira sessão da Comissão de Anistia do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi agendada para a manhã desta quinta-feira (30), às vésperas do aniversário do golpe militar de 1964. Na pauta do colegiado está a revisão de julgamentos realizados na gestão de Damares Alves no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

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Está prevista a análise de casos tidos como simbólicos por terem sido indeferidos, com diferentes justificativas, durante os governos Jair Bolsonaro (PL) e Michel Temer (MDB).

Além disso, a comissão também inicia seus trabalhos sob um novo regimento, que passa a prever a possibilidade de anistia para coletivos, além de aumentar as possibilidades de recurso.

Segundo a presidente da comissão, Eneá de Stutz e Almeida, a anistia a coletivos abre um novo leque de possibilidades para a atuação da comissão. Ela cita hipoteticamente casos como comunidades quilombolas ou povos indígenas que tenham sido perseguidos pelo regime militar.

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Segundo Eneá, a revisão dos requerimentos de anistia julgados durante o governo Bolsonaro ainda está no início de um total que pode chegar a 8.000 processos -durante os últimos quatro anos, 95% dos pedidos foram negados.

Ela afirma que escolheu os casos que estão na pauta por sua importância simbólica.

— Foram julgamentos feitos em desacordo com a lei — afirma.

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Um deles é o do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que foi militante da resistência à ditadura militar, dirigente do Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP) e fundador do PT.

Valente foi perseguido pelo regime militar, preso duas vezes, passou pelos centros de detenção do DOI-Codi e do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e foi torturado. Por isso, ele protocolou um pedido de indenização, que no ano passado foi negado pela Comissão de Anistia -ainda subordinada ao ministério de Damares.

No voto que indeferiu a anistia, a justificativa da gestão bolsonarista foi que o deputado teria sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional, que não era exclusiva da ditadura; e que, portanto, o Estado não lhe devia nenhum pedido de desculpas pelo que houve durante o regime.

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A comissão afirmou que era “exigível” que Valente fosse investigado e condenado para fornecer “informações necessárias ao Estado, responsável por garantir a lei e a ordem e impedir a implantação de uma guerra revolucionária para tomar o poder e implantar um regime totalitário de linha soviética, cubana ou chinesa”.

Outro caso que será reavaliado pela comissão é o de Cláudia Arruda Campos, militante do grupo Ação Popular — do qual também fizeram partes nomes como o senador José Serra (PSDB-SP) — que foi presa pelo Dops.

Em 2019, o relator do caso chegou a opinar a favor da concessão de anistia, mas o general Rocha Paiva, então membro da comissão, pediu indeferimento.

— Apesar de existirem provas de monitoramento do requerente, não foi possível identificar nos autos qualquer ação do Estado em desfavor do requerente [Cláudia Campos] que pudesse ensejar os direitos atinentes à anistia política — afirmou Paiva.

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Sua opinião foi seguida pelos demais membros da comissão, nomeados por Damares, e o pedido de indenização foi negado.

O terceiro caso é o de José Pedro da Silva, que integrou a Frente Nacional do Trabalho e o Sindicato dos Metalúrgicos na década de 1970, e chegou a ser preso quando organizava um protesto em frente a indústrias. Segundo o seu relato, ele foi demitido da companhia onde trabalhava em 1978 em razão de sua atuação.

Pediu indenização, como prevê a Lei da Anistia, por ter tido sua carreira comprometida pela perseguição política. Ainda em 2018, a comissão concedeu-lhe a anistia e um pagamento de R$ 2.000 mensais.
No entanto, o então ministro substituto da Justiça do governo Michel Temer, Gilson Libório, atropelou o entendimento do colegiado e, por meio de uma portaria, afirmou que não houve vínculo entre sua detenção e sua demissão. Dessa forma, indeferiu o pedido.

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A prática foi posteriormente incorporada pela gestão Damares para negar indenização mesmo em casos avaliados como válidos pelo colegiado.

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Finalmente, Romário Schettino consta nos relatórios de inteligência da ditadura como um ex-integrante de um grupo de estudos em Caratinga (MG), do qual também participou a jornalista Miriam Leitão.
Schettino era funcionário do Banco Central na década de 1970 quando foi sequestrado e preso pelas forças de segurança por suposta “infiltração subversiva” no movimento estudantil de Brasília, onde cursava história. Pediu dispensa do emprego e se exilou na Europa.

Seu pedido de anistia foi inicialmente negado ainda em 2008, mas, após recurso, foi deferido em 2018. No entanto, a portaria de sua anistia nunca foi publicada, seja pelo governo Temer ou pelo Bolsonaro. Portanto a indenização nunca começou a ser paga.

*Reportagem por João Gabriel

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