Aos 26 anos, Ticiana Telles já soma oito sem consumir carnes e cinco anos sem ingerir qualquer produto de origem animal. Paulista radicada em Florianópolis, ela se formou em Comunicação Social pela ESPM em São Paulo, mas sempre teve uma paixão por assuntos ligados à alimentação e sustentabilidade. Por isso passou pelos departamentos de marketing da Mãe Terra e da Nestlé até que decidiu seguir inteiramente em busca do sonho.
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– Larguei tudo em busca de viver meu sonho de ver as pessoas ao meu redor se alimentando de maneira mais saudável – conta, relembrando a decisão de estudar nos Estados Unidos, onde formou-se chef crudivegana e trabalhou com sous-chef e personal chef.
De volta ao Brasil, Ticiana tem colocado a decisão de ajudar as pessoas a se alimentarem melhor em prática: em Floripa, ela montou uma fábrica de queijos gourmet sem lactose feitos com leite de castanha do caju germinadas (@novah_natural). Com a coluna ela conversou sobre o que acredita ser apenas o início de uma revolução na forma de ser alimentar.
Confira duas receitas indicadas pela chef
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Como começou seu interesse por estudar alimentação?
Desde pequena sempre comi de tudo, mas tinha um carinho especial por aquilo que vinha da horta do sítio. Sempre gostei mais do sabor daquilo que fosse fresco, recém- colhido da horta, e meus pais sempre incentivaram um prato bem colorido. Na faculdade comecei a ler mais sobre vegetarianismo e assisti documentários que me ajudaram a ver o mundo e os meus hábitos alimentares de outra maneira. Lembro-me que foi durante um Carnaval que lendo o livro Comer Animais do Jonathan Safran Foer, decidi virar vegana (já era vegetariana há três anos). Depois li The China Study do T. Collin Campbell e a partir daí o caminho não tinha mais volta. Comecei a cozinhar, já que infelizmente ainda não existem muitas opções saudáveis no mercado, e foi assim que percebi que além de gostar de comer bem eu também gostava de fazer alquimia com os ingredientes e aprender técnicas novas. Como no Brasil não existe uma faculdade de gastronomia vegana (existem cursos como o Terrapia no Rio de Janeiro) fui morar no Arizona, EUA para estudar no Tree of Life Center US do Dr. Gabriel Cousens. Lá me formei como chef crudivegana – que é alimentação vegana com exclusivamente alimentos crus. Aprendi a cruzinhar como brincamos de chamar o método de preparar os alimentos sem aquecê-los a uma temperatura superior a 45ºC.
Que tipo de experiência profissional e técnica teve nos Estados Unidos? Como é a alimentação do americano comparada à nossa?
Depois de formada fui trabalhar em um restaurante em La Jolla, California, chamado Trilogy Sanctuary. Fui contratada justamente com o intuito de introduzir mais opções crudiveganas no cardápio do restaurante que já era 100% vegano, orgânico, sem soja e sem alimentos transgênicos. Introduzi a pizza crudivegana cuja massa era feita com farinha de linhaça e a polpa dos sucos (que antes de eu chegar era jogada no lixo). Além disso, trabalhava como personal chef para pessoas interessadas em fazer transição de uma dieta padrão para uma dieta vegana ou crudivegana. Nos EUA as pessoas já são mais conscientes sobre os benefícios de uma alimentação orgânica, livre de soja e transgênicos, rica em probióticos e alimentos crudiveganos como smoothies e sucos prensados a frio e a oferta desses produtos nos mercados é maior pois a demanda por lá também é muito maior. É comum conhecer pessoas que não são veganas, mas que incluem produtos veganos e locais em suas dietas pois sabem dos benefícios que eles trazem para a saúde e para o meio ambiente. Sinto que no Brasil estamos no início de uma revolução nesse sentido. Acredito que a Bela Gil teve um papel fundamental em expandir o horizonte de muitos para o fato de que a alimentação não precisa ser restrita para ser saudável (ela mesma não é vegana e nem vegetariana). O equilíbrio e a preocupação com a fonte dos alimentos que ingerimos é o principal.
Qual é a diferença entre alimentação vegetariana, vegana e crudivegana?
A principal diferença está no impacto socioambiental e na qualidade de vida relacionado às escolhas de cada dieta. Na alimentação vegetariana são cortados todos os tipos de carne, na dieta vegana são excluídas além das carnes qualquer alimento de origem animal (eu diria que o veganismo também vai além da dieta pois é um estilo de vida, visto que os veganos não usam couro e produtos testados em animais por exemplo) já a alimentação crudivegana tem como fundamento além de excluir todas as carnes e produtos de origem animal o uso exclusivo de alimentos crus e além disso o uso de muitos brotos, sementes, castanhas germinadas e PANCS (plantas alimentícias não convencionais). Basta assistirmos a documentários como Cowspiracy para vermos que as diferenças entre os tipos de alimentação vão muito além do que está no prato pois englobam o impacto socio-ambiental de toda uma cadeia produtiva que gira em torno da produção e distribuição desses alimentos.
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De que forma a alimentação pode influenciar na nossa qualidade de vida?
A alimentação pode prevenir ou curar doenças como diabetes, câncer, doenças cardíacas, osteoporose, artrite e doenças emocionais como a depressão. Além disso, ao adotarmos uma dieta mais saudável e rica em alimentos crus, livres de sofrimento animal, é natural que sejamos tomados por um sentimento de harmonia e paz interior e com o mundo ao nosso redor. Tudo aquilo que ingerimos possui energia e a dieta crudivegana é a mais eficaz ao ajudar nosso corpo, mente e espirito a receber esta energia vinda da natureza e a utilizá-la da melhor maneira em nosso benefício.
A alimentação crudivegana ainda é pouco difundida no Brasil, quais são os benefícios que ela traz? Qualquer um pode segui-la?
Comer alimentos crus traz inúmeros benefícios: é uma maneira de aumentar a nossa vitalidade, ter mais energia, melhorar a digestão e a nossa saúde física e espiritual. Isso ocorre porque ao ingerirmos alimentos crus como frutas, folhas, raízes, brotos, sementes e castanhas germinadas estamos ingerindo enzimas vivas. As enzimas são a força vital de um alimento, ajudando-nos a digerir o alimento e absorver mais nutrientes. Ao aquecermos os alimentos causamos a destruição das enzimas e também nutrientes e vitaminas e forçamos o nosso corpo a trabalhar mais para produzir mais enzimas que serão utilizadas na digestão, ou seja, gastamos muita energia no processo de digestão. Com o tempo a falta de enzimas dos alimentos cozidos pode gerar desde problemas digestivos até envelhecimento acelerado pois a nossa reserva de enzimas diminui com o passar dos anos. Um dos principais benefícios que senti quando passei a me alimentar majoritariamente de alimentos crus foi a melhoria na qualidade do meu sono e a diminuição de horas que eu precisava dormir para me sentir descansada. Além disso, é incrível notar que nos últimos cinco anos não fiquei doente, nem ao menos uma gripe sequer, não fiz uso de nenhum remédio ou antibiótico e cerca de seis meses após me tornar crudivegana nunca mais sofri dores de cólica menstrual. Tive apenas benefícios como emagrecimento, melhora no humor e na prática de exercícios tendo melhor rendimento e recuperação muscular mais rápida.
No Brasil ainda custa caro se alimentar bem. Produtos orgânicos, por exemplo, custam mais. Dá pra se alimentar bem sem gastar tanto?
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Hoje em dia existem muitas cooperativas onde é possível comprar mais barato ao adquirir em grupo e comprar os alimentos da estação. Conforme a demanda por produtos orgânicos aumenta o custo diminui, por isso, temos que incentivar a oferta e a maneira de fazer isso é consumindo. Além disso, vale olhar para o preço dos orgânicos de uma maneira mais ampla, analisando a relação de custo-benefício. No meu caso, por exemplo, não gastei nenhum centavo com remédios em cinco anos, e se tivesse gastado seria muito provavelmente mais do que o quanto gastei consumindo orgânicos em detrimento de convencionais.
Mesmo quem não tenha intolerância deve evitar glúten e lactose? Por que?
No caso da lactose acredito que sim. A lactose é encontrada no leite e já foi comprovado que nós seres humanos não deveríamos consumir leite após a fase de amamentação, isso porque nós somos a única espécie do planeta que bebe leite na fase adulta e para piorar bebemos leite de outras espécies. Já o glúten diferentemente da lactose é encontrado em alimentos menos prejudiciais à saúde do que os laticínios e que não necessitam ser cortados da dieta, mas que por serem, na imensa maioria dos casos, alimentos extremamente refinados devem ser consumidos com moderação.