“Tu lembra de 1974?”, comenta um idoso em um grupo que se reúne para conversar em meio à rua alagada no bairro Santo André, em Tubarão, nesta quinta-feira (5). Foi naquele ano que o município viveu sua pior enchente com ao menos 199 mortos.
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Tubarão, mais uma vez, é uma das cidades mais afetadas pela chuva que atinge Santa Catarina desde segunda-feira (2), efeito de um ciclone extratropical. A rua principal foi tomada por galhos e barro — cenário que se espalha por todo o município. Com os estragos, vem a apreensão de quem já passou por outras situações semelhantes.
— Se o rio subir, nós vamos todos morrer — diz Marlene Nunes Gonçalves, 78 anos, moradora do bairro Passagem.

Ela aproveitou a trégua da chuva para ir à farmácia. Era a primeira vez que saia desde segunda-feira. Andou pelo bairro na bicicleta enferrujada até que uma poça impediu sua passagem. Teve que se equilibrar no canteiro do meio da via para atravessar.
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Os olhos se enchem de lágrimas quando fala das chuvas. A água lembra a enchente, sinônimo de perdas. Marlene era criança e estava com caxumba quando Tubarão viveu sua maior tragédia, há 48 anos, quando a cidade foi destruída e 60 mil dos 70 mil moradores do município ficaram fora de casa.
No meio da inundação, ela foi socorrida por soldados do quartel. Sobreviveu, mas a família perdeu tudo. Não sobrou uma boneca, nem panelas da cozinha. O temor de viver aquilo mais uma vez tirou o sono Marlene por três noites:
— Não conseguia nem cochilar.
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Família faz vigília no rio
Os moradores da Rua Padre Nóbrega, em Tubarão, viveram uma madrugada de medo e tensão. O barulho da chuva intermitente deu lugar ao som de sirenes de alerta. “Deixem as casas e procurem abrigo”, dizia o carro de som. Quase todos obedeceram ao pedido da Defesa Civil. Mas Regiane Amaral Da Silva, 48 anos, decidiu ficar. Junto do marido passou a noite olhando o rio – cujas margens estão a cem passos da casa onde moram. A proximidade apavora a catarinense que nasceu no dia da enchente de 1974.
— A gente ficou aqui, mas ninguém dormiu. Acordei hoje e a primeira coisa que fiz foi ver se o rio tinha subido — conta.
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A vigília no rio seguiu durante toda a manhã. Se juntaram a Regiane uma dezena de moradores que esperou o sol nascer para ver se sua história armazenada em paredes de madeira ou alvenaria ainda estava de pé.
No grupo uma figura se destacava. Era Vanderlei Da Silva, pai de Regiane e sobrevivente de 1974. O aposentado tentava tranquilizar os vizinhos assustados contando o que viveu na enchente histórica.
— A água batia aqui — disse apontando para o próprio abdômen.
Ao mesmo tempo que amenizava os danos da enchente desta semana, ele também relatava a noite de medo que viveu. Botou tudo que tinha em seu motorhome e partiu em direção à Catedral. Sem espaço até mesmo para estacionar, mudou o trajeto e pegou a BR-101. Passou a madrugada em claro estacionado na casa de uma filha em Capivari de Baixo. Quando amanheceu, correu para ver o rio.
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Igreja virou abrigo

Na madrugada de terça-feira, mais de 600 pessoas procuraram abrigo na Catedral. Colchões foram espalhados por toda a parte, inclusive no altar. A comida era servida em três refeições, e galões de água estavam disponíveis nas quatro entradas do templo religioso.
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Quem estava ali tinha medo de não ter para onde voltar. Mas alguns lutavam para saber onde estavam seus parentes.
Rosana de Oliveira, 54 anos, olhava para todos os lados da Catedral. Parecia procurar algo em meio à multidão. A inquietude vinha da falta de notícias sobre o marido. Desde que deixou a casa alagada e foi para o abrigo improvisado, não sabia onde e como ele estava.
Enquanto lidava com a angústia, acolhia o filho Carlos, 35 anos. O homem tem paralisia decorrente de uma meningite adquirida na infância. Para viver, precisa de remédios – foram os medicamentos que Rosane salvou da casa inundada.
No abrigo, ela e Carlos ganharam um par de tênis cada, roupas secas e dois cobertores – isso é tudo o que têm depois da chuva. Sem saber do marido, Rosane temia ter perdido ainda mais.
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