Com transparência frágil, emendas Pix favorecem cidades pequenas e têm divisão desigual em SC

Cerca de R$ 260 milhões do orçamento da União deste ano foram reservados para cidades de Santa Catarina por meio das emendas Pix, uma transferência especial feita pelo governo federal após ter o destino definido por deputados e senadores. O volume deve chegar sob contestações de transparência e a partir de uma divisão desigual, que favorecerá localidades pequenas e deixará 56 municípios sem um real sequer, incluindo três dos mais populosos do Estado (veja abaixo quanto cada um vai receber).

Receba notícias do NSC Total no WhatsApp

As emendas devem dividir R$ 142 milhões, ou seja, mais da metade do valor total (54,5%), entre 179 municípios catarinenses com menos de 20 mil habitantes cada. A população somada deles equivale, no entanto, a apenas 17,5% dos moradores de Santa Catarina (cerca de 1,3 milhão de pessoas).

Se levado em conta o repasse por habitante, o maior beneficiado será Praia Grande, pequeno município do Sul do Estado, que receberá R$ 5,3 milhões para financiar políticas políticas diversas para 8.270 moradores (uma média de R$ 640,87 para cada um).

Em comparação a isso, Itajaí, com população quase 32 vezes maior, tem garantidos apenas R$ 250 mil, o equivalente a R$ 0,95 para cada um de seus 264.054 moradores.

Já para Joinville, a cidade mais populosa do Estado, estão reservados cerca R$ 13,6 milhões, ou seja, um valor per capita de R$ 22,09. Por esse critério, é a 191ª melhor atendida.

No top-20 dos municípios catarinenses com mais moradores, ficarão sem repasses Palhoça, Brusque e Biguaçu. Ao todo, 239 das 295 cidades do Estado serão atendidas.

Os dados são do Portal da Transparência e foram tabulados com exclusividade ao NSC Total pelo Transparência Brasil, uma entidade civil de controle de gastos públicos e combate à corrupção. Em outros estados brasileiros, esse padrão de favorecimento a cidades menores se repete.

O que são as emendas Pix

O modelo de emenda Pix é de 2019. Ele surgiu a partir de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) de autoria da então senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), teve o texto final relatado na Câmara pelo deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) e contou com amplo apoio no Congresso Nacional.

Com essa transferência especial, o parlamentar fica autorizado a definir o município que receberá o repasse sem precisar especificar o projeto que receberá o dinheiro na origem do pedido.

Nos últimos três anos somados, foram aplicados R$ 6 bilhões no país via emendas Pix. Em 2023, o valor empenhado (ou seja, reservado no orçamento) já é de cerca de R$ 6,4 bilhões.

As emendas Pix atingiram patamar recorde com o governo Lula (PT) nas negociações em busca de apoio com o Congresso, que ganha poder sobre o orçamento em troca de votações importantes ao Executivo.

Da verba reservada para Santa Catarina em 2023, 91,8% (cerca de R$ 239 milhões) foram empenhados pelo governo entre 5 e 6 de julho, às vésperas de quando a Câmara aprovaria a reforma tributária e o voto de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), projetos decisivos para a gestão Lula. Isso se repetiu também com as transferências para outros estados, com valores até maiores.

A adoção da emenda Pix teve franca ascensão também após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter entendido em dezembro de 2022 ser inconstitucional o orçamento secreto, outro mecanismo de influência dos parlamentares sobre o dinheiro da União a partir de emendas, que ganhou projeção nas negociações do governo Jair Bolsonaro (PL) com o Congresso.

Controle e transparência frágil

Ainda que seja legal, a emenda Pix desperta preocupação devido aos frágeis mecanismos de transparência e controle aos quais está submetida, segundo defende o Transparência Brasil.

Apesar de transferir o valor, o governo federal não precisa obrigatoriamente receber uma prestação de contas do uso do dinheiro de estados e municípios favorecidos.

O parlamentar pode realizar o pedido com uma descrição genérica do destino do recurso e especificar ao governo federal o projeto que será financiado apenas na altura da execução, ou seja, do pagamento. Os poucos dados disponíveis ficam públicos no portal oficial Transferegov.br.

Diferentemente do orçamento secreto, em que existia a dificuldade de se definir o autor da emenda, registrada em nome do relator do orçamento, agora o desafio está em reconhecer a finalidade da verba.

Em março, o Tribunal de Contas da União (TCU) definiu ainda que a fiscalização disso ficará a cargo dos órgãos de controle locais, que, no caso das cidades menores, seriam menos robustos, também segundo defende o Transparência Brasil. O Tribunal de Contas catarinense (TCE-SC) afirma, no entanto, fazer um levantamento desses repasses para orientar uma posterior fiscalização (entenda melhor abaixo).

“Ainda que se argumente que a distribuição de mais recursos para municípios menores tenha como objetivo a redução de desigualdades, não é possível demonstrar isso, devido justamente à forma como as informações sobre a aplicação do dinheiro são (ou não) disponibilizadas. É humanamente impossível levantar, junto a cada ente público, com o quê o recurso foi gasto e se essa ação estava vinculada a um plano de política pública específico”, escreveu o Transparência Brasil em relatório do mês passado.

“Há casos de cidades que, mesmo tendo recebido milhões em emendas Pix, não apresentam melhorias em aspectos como saneamento básico ou acesso à água. Há outras em que o recurso é investido em pavimentação asfáltica, enquanto há outras prioridades”, completou a entidade.

O documento cita como exemplo um caso de São Luiz, município recordista em emendas Pix em Roraima, que contratou no ano passado um show do cantor Gusttavo Lima a R$ 800 mil.

A cidade de 8 mil habitantes enfrenta diversos problemas estruturais, como de saneamento básico, conforme mostrou reportagem à época do jornal O Estado de S.Paulo. A apresentação sertaneja acabou cancelada pela Justiça estadual a pedido do Ministério Público de Roraima (MPRR).

TCE-SC vai fiscalizar transferências especiais

Em contato com o NSC Total posterior à publicação desta reportagem, o TCE-SC comunicou fazer desde abril um levantamento de transferências especiais oriundas da União e do Estado, atendendo a decisão do TCU e a uma recomendação da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon).

O trabalho é conduzido pela Diretoria de Contas de Gestão (DGE), que, após esse mapeamento, irá definir critérios de risco e materialidade para selecionar transferências especiais que serão fiscalizadas, “especialmente as que têm relação com obras e com aquisições e as direcionadas a entidades privadas”.

A DGE entende, também de acordo com o tribunal, ser necessário um olhar mais apurado do controle externo sobre a aplicação de recursos em situações em que o ente recebedor não precisa prestar contas para quem repassou o dinheiro, como é o caso da relação de municípios favorecidos com emendas Pix.

Leia a íntegra do que diz o TCE-SC sobre a fiscalização do uso dos recursos

“O Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC) está fazendo um levantamento (LEV 23/80036041) para mapear os repasses feitos pela União e pelo Estado, em 2023, por meio de transferências especiais, aos municípios catarinenses. O procedimento, que está em fase de identificação das finalidades (objeto) dos repasses da União, está sendo realizado pela Diretoria de Contas de Gestão (DGE).

De acordo com o DGE, após o mapeamento, serão definidos critérios de risco e de materialidade para orientar a seleção das transferências especiais, oriundas dos Executivos Federal e Estadual e de emendas de parlamentares, a serem objeto de fiscalização do TCE/SC, especialmente as que têm relação com obras e com aquisições e as direcionadas a entidades privadas.

Para a Diretoria do TCE/SC, o fato de o ente recebedor não precisar prestar contas ao ente repassador, como ocorre em transferências de outros tipos, “sinaliza a necessidade de um olhar mais apurado do controle externo sobre a aplicação desses recursos”.

A realização do levantamento, que iniciou em abril, atende à recomendação da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e decisão do Tribunal de Contas da União.”

Quanto cada cidade de SC tem de emendas Pix empenhadas em 2023

Leia mais

Lula, Bolsonaro e Temer têm algo em comum em SC

Políticos tiktokers andam de skate, conversam com bichinhos e viram memes em SC