A rotina diária de Jaine Oliveira da Costa, de 23 anos, terminava com a volta para casa depois de mais um dia de trabalho. Como de costume, ela andava pela rua onde cresceu em Ponte Serrada, no Oeste de Santa Catarina. Durante o trajeto, do outro lado da rua, o pai a via de longe, na janela, com a cuia na mão, assim como a avó que a esperava com o chimarrão pronto na casa que as duas dividiam.
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Porém, em apenas quatro meses, a Covid-19 interrompeu essa cena tão familiar. Eva de Lima da Costa, de 64 anos, e o filho, João Carlos da Costa, de 40, – respectivamente, avó e pai de Jaine – morreram após complicações da doença. Ela no dia 4 de março. Ele no dia 5 de julho. Quatro meses de diferença, que deixaram saudades e lembranças na mente da família.
Foi Dona Eva quem criou Jaine e os três irmãos. Enquanto a mulher era referência dentro de casa, João andava Brasil a fora com seu caminhão, companheiro que o acompanhou até os últimos meses de vida.
— Ela [Eva] foi um exemplo de mãe e mulher, que fazia tudo pelos filhos e netos. Acredito que assim como nós, meu pai também pegou esse exemplo [da mãe] de ser uma pessoa corajosa. Além disso, mesmo viajando, meu pai estava sempre perguntando se [ela e os irmãos] precisavam de alguma coisa — conta Jaine.
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Eva morava com a neta quando, em fevereiro, foi diagnosticada com Covid-19. Jaine conta que, nos primeiros dias, a vó apresentava sintomas leves, mas “de repente ficou ruim”.
Com a piora, ela precisou ser internada na enfermaria de um hospital em Xanxerê, também no Oeste de SC, enquanto aguardava por uma vaga de UTI. Essa vaga, porém, nunca chegou: Eva morreu no dia 4 de março, após 14 dias de espera.
— Se ela estivesse conseguido, quem sabe ela poderia estar com a gente — lamenta a jovem.
Como estava viajando, João não chegou a tempo para se despedir da mãe.

Quatro meses depois, a morte do pai
A família ainda tentava se recuperar da morte de Eva quando, em abril, João foi diagnosticado com Covid-19. Segundo Jaine, ele teria começado a sentir os sintomas ainda em Minas Gerais, durante uma de suas viagens de trabalho.
— Ele chegou a fazer o exame lá [em Minas Gerais], mas deu negativo. Ele voltou de viagem, mas disse que no caminho se sentiu muito mal e não sabe como conseguiu chegar. Foi então que ele fez o exame aqui [em Santa Catarina] e deu positivo — relembra.
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Devido ao agravamento da doença, ele foi internado na UTI, em Chapecó, onde ficou 14 dias e recebeu alta. Porém, por conta de complicações, voltou a ser intubado em 26 de junho, com a traqueia fechada. João ficou na UTI até a última segunda-feira (5), quando não resistiu e morreu.
— Ele estava bem, mas no sábado passou mal e foi para o hospital. Depois disso, não voltou mais — fala Jaine.

“Cuida bem da nenê”
Agora, a família tenta se recuperar da saudade diária que seu João e dona Eva deixaram. As risadas e brincadeiras, antes tão comuns na casa de Jaine, agora dão lugar às lembranças de anos de convivência. Na memória, ela ainda guarda a última vez que conversou com os dois.
— A última vez que eu vi a minha vó foi quando eu fui levá-la para a casa do meu tio, em Xanxerê, para ela ficar com eles enquanto se recuperava da Covid. Eu lembro que ela dizia para a gente cuidar da “negrinha”, que é a filha da minha irmã e era tudo para ela. Já o meu pai foi na sexta-feira, antes de ele ser internado. Ele estava no sol e disse para a gente cuidar da “nenê” — diz Jaine, enquanto segura as lágrimas.
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Jaine acredita, ainda, que os dois devem ter se reencontrado e, lá de cima, olham para a família que deixaram após perder uma luta que já matou milhares de pessoas.
— Eu chegava do serviço e ela estava me esperando com o chimarrão, de repente não tenho mais isso. Eu passava pela casa do meu pai e ele sempre estava na janela, com a cuia na mão, agora não tem mais aquela imagem. Com quem vou tomar chimarrão?— indaga.
Até esta quinta-feira (8), além de Eva e João, outras 43 pessoas haviam morrido por Covid-19 em Ponte Serrada. Em Santa Catarina, o total de vítimas é de 17.222 desde o início da pandemia.
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