A pandemia do coronavírus forçou a contenção de cerca de 17 mil índios em Santa Catarina. Por serem especialmente vulneráveis às doenças respiratórias, os Guarani, Kaingang e Xokleng foram alertados sobre a importância de seguir o isolamento social. Realidade mais agravada se levada em conta a informação do Ministério de Saúde, a qual coloca gripes e pneumonias como doenças que mais matam os índios brasileiros. Um alerta chegou via podcast às aldeias e coube aos mais jovens repassar a informação para as lideranças:
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— O vírus passa muito rápido de uma pessoa para outra. Além disso, a pessoa que pega o coronavírus nem sempre tem sinal de gripe, por isso, é importante que vocês não saiam da aldeia —, alertou o médico e pesquisador Andrey Moreira Cardoso, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz e do Grupo de Trabalho em Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
VÍDEO: índios de SC relatam preocupações com o coronavírus
Como medida de proteção as lideranças decidiram fechar as aldeias. Isso significa que os índios podem andar por dentro do território e fazer atividades, mas não podem receber visitas. A realidade em que vivem torna este período mais desafiador.
A professora Evelyn Marina Schuler Zea, do Departamento de Antropologia da UFSC, cita três situações que tornam os índios do Sul do Brasil especialmente vulneráveis:
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— A localização das aldeias e acampamentos próximos das áreas urbanas, a forma de convívio social das famílias constituídas por muitas crianças e idosos na mesma moradia e o fato da comercialização do artesanato ser um dos meios de sobrevivência das famílias — aponta Evelyn.
O que a professora cita já é vivenciado. A restrição de acesso às cidades provoca a falta de alimentos. Além disso, muitas famílias são usuárias do Bolsa Família e precisam se deslocar até bancos e lotéricas. Sem transporte público a situação complica. Neste caso dependem de carona, mas como se as aldeias estão fechadas?
Ainda que consigam ir até o centro da cidade o retorno à aldeia é sempre temerário. Ocorre que métodos usados em áreas urbanas como higienizar as mãos e usar álcool em gel são impraticáveis na maioria das reservas. Os riscos são maiores se levado em conta o modo de vida dos povos indígenas, que se faz pelo compartilhamento de utensílios. Além disso, as habitações costumam ter muitas pessoas, o que pode ampliar o contágio do novo vírus.
— A gente está muito preocupada com o coronavírus. Além disso, a chegada do frio faz com que nossas crianças e idosos tenham outras doenças e vamos ter que buscar socorro — diz Elisete Antunes, cacique na terra indígena Morro dos Cavalos, em Palhoça, na Grande Florianópolis.
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A cacique lembra que neste período que antecede a Páscoa é quando as famílias costumam sair para vender artesanato e macela, planta muito usada para fazer chás. Elisete tem um raciocínio objetivo: sem vendas não há renda, sem dinheiro não há comida e com isso a segurança alimentar fica comprometida.
"Nenhum governante citou preocupação com os indígenas"
Para a liderança Eunice Antunes, a guarani Kerexu Yxapyry, o coronavírus serve para demonstrar a indiferença com que os governantes tratam os índios.
— Desde que se começou a se falar na pandemia no Brasil, nenhum governante citou a preocupação com os povos indígenas. Estou preocupada, pois se alguém na aldeia pegar, todos nesse coletivo irão contaminar-se — afirma a líder indígena.
Para o guarani Augustinho Wera Tukumbu, da aldeia Águas Cristalinas, em Biguaçu, na Grande Florianópolis, o coronavírus é um grande perigo para todos, índios e não índios. Mas que pode ajudar a todos os povos e nações. Ao ser questionado como, ele responde:
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— Tem que olhar para a natureza, tem que não maltratar a água e a mata. Se não, a natureza se revolta e vem o vírus.
A kaingang Joziléia Daniza Jagso, antropóloga pela UFSC e moradora em Chapecó, no Oeste do Estado, também respeita a quarentena imposta pelo governo do Estado. Ela diz que o isolamento social faz todo sentido para os povos indígenas, mas também reclama da ausência dos agentes públicos em um momento tão crucial.
— Sabemos que precisamos respeitar a decisão e que historicamente parte dos nossos povos foi devastada por epidemias. Mas se não tivermos apoio do governo e da sociedade catarinense não sabemos o que irá acontecer.
Para tentar minimizar o impacto das medidas sociais e econômicas, indigenistas e lideranças das aldeias do Sul do país fizeram um encontro pela internet. Foi montada a Frente Indígena e Indigenista de Prevenção e Combate ao Covid-19, com reforço das regras de prevenção, e alternativa para garantir a segurança alimentar nas aldeias. Cada uma estruturou a equipe e forma de atuação. Ficou acertado que polos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) estão aptos a receber cestas básicas e produtos de higiene. Caberá ao pessoal destes órgãos fazer a higienização para evitar contágio e a distribuição do material.
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LOCAIS DE ARRECADAÇÃO
SESAI
l São José: Rua Capitão Pedro Leite, 530, Barreiros
l Chapecó: Rua Curitiba, 465 D, Santa Maria
l Ipuaçu: Rua Pagnocelli, 358, Centro
FUNAI
l São José: Rua Joaquim Vaz, 1322, Campinas
l Chapecó: Rua Mal. Mascarenhas de Moraes, Parque das Palmeiras
l José Boiteux: Rua 1º de Maio, 51
O que diz o governo?
Um decreto de 17 março da Fundação Nacional do Índio (Funai) suspendeu, por 30 dias, as autorizações de entrada em terras indígenas devido à pandemia do novo coronavírus. De acordo com a Funai, cabe aos agentes de saúde indígena zelar das aldeias pelo cumprimento.
No site do Ministério da Saúde existe uma página criada com o objetivo de apresentar dados atualizados atendidos pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. As informações são obtidas junto a cada um dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) e, após validados pelo Departamento de Atenção à Saúde Indígena (DASI), disponibilizadas.
Até a manhã da última quarta-feira, dia 1ºl, o DSEI Interior Sul, com sede em São José, na Grande Florianópolis, apontava cinco casos suspeitos, zero confirmados, um descartado e nenhum óbito entre os índios de Santa Catarina.