A suspensão do cronograma de implementação do novo ensino médio, confirmada pelo Ministério da Educação nesta terça-feira (4), não causará impacto em Santa Catarina. Isso porque todas as escolas do Estado já funcionam dentro do novo currículo, e, conforme a Secretaria do Estado da Educação, não haverá mudanças práticas nas rotinas das instituições, já que apenas a continuidade da aplicação deve ser pausada.
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Como Santa Catarina já terminou a implementação da nova grade em todas as mais de 700 unidades escolares estaduais no ano passado, o cronograma deve ser mantido até a finalização do ensino médio dos alunos que entraram para o novo currículo. Ou seja, os estudantes que já fazem parte da reforma não voltam para o modelo antigo. Os futuros estudantes do ensino médio, porém, devem ficar de fora da reforma.
O ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que vai assinar a portaria de suspensão nos próximos dias, o que causa também a paralisação da necessidade de adaptação do Enem ao novo modelo, previsto para 2024.
Aprovada em 2017, a lei que alterou as diretrizes e bases da educação no país propôs uma nova regra para o ensino médio. Apesar de ter sido aprovada ainda no governo de Michel Temer, a nova reforma começou a dar os primeiros passos no Brasil em 2022, acontecendo de forma progressiva nos estados.
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Em Santa Catarina, porém, 120 escolas foram pilotos do novo cronograma — que ampliou o tempo mínimo para os estudantes nas escolas e flexibilizou a grade curricular — ainda em 2020. Na época, a aplicação foi feita para os primeiros anos, que, atualmente, estão em fase de conclusão da escola. Portanto, 120 unidades escolares do Estado vão formar, este ano, turmas de ensino médio que passaram os três anos da última fase colegial dentro da grade curricular nova.
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Desde o mês passado, entidades e especialistas ligados à educação pressionavam o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela revogação da reforma do ensino médio, afirmando que o modelo foi aprovado “de forma autoritária e sem diálogo com os profissionais” e questionando a formação dos professores diante da diferença de currículo entre o antigo e o novo modelo. O MEC abriu, ainda em março, uma consulta pública para avaliação e reestruturação da política nacional do ensino médio, que segue em aberto.
O que dizem especialistas
Conforme o professor titular da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Lourival José Martins Filho, a classe propunha o diálogo e a análise cautelosa das pessoas envolvidas no sistema educacional, e do próprio ensino aplicado. Para ele, a reforma ocasionou dificuldades aos docentes em compreenderem a estrutura e materialização do currículo proposto — as disciplinas que antes eram trabalhadas de forma individual foram agrupadas em área de conhecimento.
— São jovens que têm, sim, o direito de sonhar com a Universidade. A retirada de conteúdos e apenas o pragmatismo de alguns deles não contribuem para prosseguir nos estudos, nem para ingressar no mundo do trabalho. O papel da escola, da educação infantil à pós-graduação, é ensinar a pensar. Não basta aprender a apertar um parafuso. Tem que saber por que tal atividade é importante e como os humanos desenvolveram tecnologias para esta ação. Não se faz isso, desconsiderando as ciências humanas — diz.
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Conforme complementa o professor doutor do Departamento de Estudos Especializados em Educação do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Jéferson Silveira Dantas, não houve discussão ampla no processo, principalmente porque a reforma causa desigualdade escolar e deixa a educação em um estado ainda mais precário, elitizando o conhecimento para aqueles que possuem condição de pagar uma escola particular.
— Essa dualidade estrutural educacional no país se torna nefasta e desigual e cria uma fragmentação curricular, colocando uma carga horária focada no empreendedorismo por exemplo, estranhada pelos próprios professores que não tiveram essa formação na licenciatura. Se torna uma formação simples para algo simples, sem nenhuma preparação para a universidade ou questionamento. Não acho isso positivo — afirma.
Cientes dos pedidos de coordenadores e gestores da educação em Santa Catarina, a Secretaria do Estado da Educação afirmou, em nota, que entende os empecilhos do novo ensino médio e que, ao ouvir os docentes de diversas escolas sobre as dificuldades de infraestrutura das instituições e efetivação da nova carga horária proposta pela reforma, está realizando estudos para a revisão do novo currículo já implementado em todo o ensino médio do Estado.
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Segundo Silveira Dantas, a precarização das escolas públicas em todo o país não acompanha a reforma, o que implica no não cumprimento da oferta de tudo o que estava, até então, previsto no novo ensino médio. A suspensão e possível revogação, conforme explica, devem ocasionar nova mudança sem impacto para os alunos.
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— Dificilmente as escolas vão conseguir ofertar uma dimensão curricular que seja atraente para o estudante, tem escolas que não tem laboratório, por exemplo. Os alunos estão sendo jogados ao mercado de trabalho com formação básica de baixa complexidade, muito distante também do que os próprios institutos federais oferecem.
— Muitos professores catarinenses também estão insatisfeitos com a reforma, mas aqui somos mais rápidos em adequações decorrentes da legislação nacional. Neste sentido, mesmo que as escolas já estejam aplicando a reforma, temos expertise de sobra para repensar as práticas e decisões, e recomeçar. Uma suspensão, ou positivamente uma revogação não faz dos educadores catarinenses reféns — complementa o professor titular da Faculdade de Educação da Udesc, Lourival José Martins Filho.
A suspensão, segundo ambos os especialistas, não prejudica nenhum estudante do Estado ou país. Mas, conforme dizem, os professores desmotivados com o currículo e a falta de material adequado para aplicar a proposta, além de escolas sem condições estruturais para ofertar conteúdos, causam grande impacto para toda a classe educadora, principalmente estudantes.
O que diz a reforma do novo ensino médio
- Carga horária anual aumentada de 800 horas para 1 mil
- Do total de horas, mais da metade (60%) é reservada para currículo comum a todos, como matemática e português, e as outras são eletivas. Ou seja, o aluno pode escolher o que estudar
- A implementação total foi definida para começar em 2022, após portaria assinada por Jair Bolsonaro. Em 2022, conforme o cronograma, os estados começaram obrigatoriamente a implantação no 1º ano do ensino médio. Em 2023, seria implantado no 2º ano, e em 2024 finalizariam as primeiras turmas com 100% do ensino médio brasileiro na nova grade reformada — como foi o caso de Santa Catarina, que vai formar este ano as 120 escolas pilotos que iniciaram novo currículo do ensino médio ainda em 2020.
- As matérias foram agrupadas em Matemática e suas tecnologias, Linguagens e suas tecnologias, Ciências da natureza e suas tecnologias, Ciências humanas e sociais aplicadas e Formação técnica e profissional. Essas poderiam ser combinadas com as obrigatórias em comum a todos.
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