Com uma frota de 5,4 milhões de carros, São Paulo conseguiu reduzir as mortes de ciclistas. O diferencial não está na extensão das ciclovias e ciclofaixas da maior cidade brasileira, mas sim no respeito aos ciclistas.
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No ano passado, São Paulo teve o menor número de mortes de ciclistas desde 2005, quando o Programa de Proteção ao Ciclista foi implementado: foram 35 vítimas. Nos oito anos de análise, o número de vítimas no trânsito em geral teve queda de 23,5%. A maior redução foi entre ciclistas: 62,4%.
Embora a capital paulista tenha investido na estruturação de vias para ciclistas – conta com 242 quilômetros de uma meta de 400 para a atual gestão – o que fez diferença foi a educação para a convivência entre carros e bicicletas. Desde 2000, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) oferece cursos gratuitos para ciclistas. Em 2013, foram atendidos 239 alunos. Em 2009, 30 mil motoristas de ônibus ligados ao sistema da SPTrans passaram por um treinamento voltado à proteção do ciclista.
A iniciativa de treinar motoristas de ônibus partiu do consultor de mobilidade urbana André Pasqualini, 39 anos. Dono de uma quilometragem respeitável sobre duas rodas, passando por mais de 200 cidades de Norte a Sul, entre elas, Porto Alegre, ele constatou que a grande parte dos acidentes com morte de ciclista envolviam ônibus (29 em 87 casos, em 2006). No ano seguinte ao treinamento, esse índice caiu a menos da metade: de 22 em 2009, para nove em 2010. Segundo Pasqualini, São Paulo é a cidade mais segura para quem pedala.
Em Porto Alegre, dos oito ciclistas que morreram em 2013, só um dos acidentes envolveu ônibus. Mas a repercussão da morte de duas ciclistas atingidas por ônibus na quinta-feira passada acendeu o alerta. Proporcionalmente, com uma frota quase sete vezes menor do que São Paulo, o número de ciclistas mortos na Capital é elevado.
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PARA MELHORAR A CONVIVÊNCIA NO TRÂNSITO
Treinar motoristas de ônibus
– Sabendo que ônibus estavam envolvidos em grande parte dos acidentes fatais com ciclistas em São Paulo, foram realizados treinamentos específicos para esse público, em parceria com a SPTrans. Em 2009, 30 mil motoristas foram capacitados. O projeto é ampliar o treinamento, incluindo ônibus interurbanos que circulam pela capital paulista.
– Os bons resultados levaram André Pasqualini a replicar treinamentos em outras capitais. A base do trabalho é explicar aos motoristas por que o ciclista toma certas atitudes no trânsito – e fazê-los entender que a razão, quase sempre, é a insegurança ao dividir a rua com outros veículos, principalmente os de grande porte, como os coletivos.
– Uma segunda etapa do treinamento enfatiza normas previstas no Código de Trânsito Brasileiro, como o artigo 220 (reduzir a velocidade do veículo ao ultrapassar ciclista) e 201 (guardar a distância lateral de 1m50cm ao ultrapassar bicicleta).
– A terceira parte é dedicada a orientações práticas ao motorista, como trocar de faixa ao ultrapassar um ciclista para conseguir manter a distância segura e dar preferência à bicicleta nas conversões, evitando fechar a frente do ciclista.
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Autuar para educar
– Um dos principais problemas apontados por adeptos da bicicleta em comparar iniciativas de sucesso em outros países com a realidade brasileira é a diferença na legislação. O CTB é considerado brando para homicídios de trânsito e infrações em geral.
– Nesse ponto, destaca-se outro aspecto de conscientização que fez os motoristas paulistanos mudarem de postura em relação ao ciclista. Em 2012, a CET anunciou tolerância zero a quem colocasse ciclistas em risco e passou a aplicar multas de R$ 53,20 a R$ 127,69 e até cinco pontos na carteira de habilitação, conforme o grau da infração.
– No ano passado, foram aplicadas 10,6 mil multas e, só em janeiro e fevereiro deste ano, já foram 3,6 mil autuações. A fiscalização enquadra os motoristas em três artigos do CTB: 197 (deixar de deslocar, com antecedência, o veículo para a faixa mais à direita, dentro da respectiva mão de direção, quando for manobrar), 169 (dirigir sem atenção ou sem os cuidados indispensáveis à segurança) e 220 (deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito ao ultrapassar ciclista).
– Na avaliação de Pasqualini, o rigor na fiscalização exerce um papel educativo importante, pois leva o motorista a rever sua postura no trânsito.
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Reduzir a velocidade
– Uma terceira medida, ainda em análise pela Secretaria Municipal de Transporte de São Paulo, é delimitar as chamadas “zonas 30”, que são áreas onde a velocidade máxima permitida é de 30 km/h. A criação dessas zonas permite que ciclistas e motoristas trafeguem com maior compatibilidade, especialmente em áreas residenciais, fora das grandes avenidas, onde não há ciclofaixas ou ciclovias.
– É claro que ciclovias e ciclofaixas são importantes, mas diminuir a velocidade de veículos motorizados em áreas urbanas é uma discussão que está acontecendo em várias partes do mundo – comenta o jornalista Thiago Benicchio, diretor da Ciclocidade, associação de cicloativistas urbanos de São Paulo.
– Segundo Benicchio, Nova York tem se destacado recentemente nessa discussão. De 2006 para cá, a metrópole americana ampliou a malha cicloviária em mais de 400 quilômetros – hoje é a segunda maior do mundo, atrás apenas de Berlim.