O grande esquecido das principais categorias do Oscar, em 2013, é um típico exemplar de filme aclamado pela crítica e incompreendido pelo público.
Continua depois da publicidade
O Mestre vem sendo exibido diariamente em sessões de pré-estreia desde o fim de semana e tem estreia no Brasil confirmada para esta sexta-feira (25/1).
Premiado no Festival de Veneza com os troféus da crítica, de direção (para Paul Thomas Anderson) e de melhor ator (dividido entre Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman), O Mestre só foi lembrado pela Academia de Hollywood nas categorias de atuação: além de Phoenix (que concorre a melhor ator) e Hoffman (coadjuvante), Amy Adams está indicada ao Oscar de atriz coadjuvante.
Não é apenas isso, mas se trata, também, de um filme de ator. No projeto que marca sua volta ao cinema (leia abaixo), Joaquin Phoenix tem uma performance espetacular, que transcende o registro naturalista de maneira ainda mais radical do que fizera Daniel Day-Lewis em Sangue Negro (2007), o longa anterior de Paul Thomas Anderson – também conhecido por Boogie Nights: Prazer sem Limites (1997) e Magnólia (1999).
Phoenix interpreta Freddie Quell, um soldado da marinha norte-americana que acabou de voltar da II Guerra Mundial. Alcoolista, deslocado, ele encontra guarida na família do líder de uma seita que se apresenta como escritor, médico, filósofo e físico nuclear (Hoffman). No filme, esse líder se chama Lancaster Dodd, mas sua compleição física, os princípios que defende e o contexto de sua atuação lembram L. Ron Hubbard (1911 – 1986) e sua Cientologia. Em O Mestre, Dodd e seu séquito (que inclui sua mulher, papel de Amy Adams) frequentam as casas dos endinheirados da Califórnia para realizar sessões que misturam autoajuda e regressão a vidas passadas – algo próximo do que os seguidores de Hubbard seguem fazendo em Los Angeles (com Tom Cruise entre seus mais célebres divulgadores).
Continua depois da publicidade
Paul Thomas Anderson não deixa de se posicionar sobre a seita, evidenciando suas contradições de discurso em sequências como a da visita à mansão da personagem de Laura Dern. Interessa ao cineasta refletir sobre as origens desse tipo de culto. Mas seu foco principal é Freddie Quell – o que faz do longa, além de tudo, um ensaio sobre o trauma do pós-guerra a partir da vulnerabilidade emocional de um ex-combatente.
Certas quebras da narrativa e mesmo alguns ruídos da trilha sonora (assinada por seu parceiro Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead) tiram o chão do espectador, o que pode confundir parte das plateias. Trata-se, no entanto, de um filme maduro, formalmente sofisticado, que desafia o público a desvendar todas as suas camadas de compreensão – além de presenteá-lo com trechos leves, simplesmente belos, a exemplo daqueles demarcados pelo jazz de Ella Fitzgerald, Helen Forrest e Jo Stafford, entre outras referências aos EUA dos anos 1950.
Difícil, intrigante, recompensador – O Mestre aceita vários adjetivos distintos. Simultaneamente.
Joaquin Phoenix
Daniel Day-Lewis (de Lincoln) que nos desculpe, mas é do protagonista de O Mestre a atuação do ano. Depois de grandes performances em Johnny & June (2005), Os Donos da Noite (2007) e, sobretudo, Amantes (2008), Joaquin Phoenix disse que abandonaria a carreira de ator. Era um truque, como se suspeitava, para compor o rapper retratado em um falso documentário (I?m Still Here, dirigido por Casey Affleck e lançado em 2011). O Mestre é o filme de sua volta – e que volta. Com intensidade assombrosa, ele incorpora em trejeitos físicos as fissuras psicológicas de Freddie Quell, um marinheiro que retornou da II Guerra estropiado, pronto para sucumbir a apelos como o da seita de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman).
Continua depois da publicidade
Philip Seymour Hoffman
Ele não é o protagonista de O Mestre – mas é ao seu personagem que o título faz referência. Além de compor um Lancaster Dodd bem próximo (física e psicologicamente) a L. Ron Hubbard, o “mestre” da Cientologia, Hoffman duela de igual para igual com Joaquin Phoenix, mesmo nas sequências em que a intensidade de seu parceiro de cena é tamanha que assusta o espectador – entre outras, preste atenção na sessão de terapia dentro do iate e no trecho em que eles acabam presos (foto acima). Vencedor do Oscar por Capote, de 2005 (este assumidamente um personagem real), Hoffman incorpora, com grande eficiência, o talento retórico do “mestre”, mesmo que ele se estruture sobre uma confusão de referências e preceitos religiosos e espirituais.