O Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC) espera concluir até o fim do mês um estudo sobre a eficiência de gestão na saúde pública de Santa Catarina. Conforme o presidente do TCE Dado Cherem declarou à NSC TV, um dos principais objetivos é analisar a viabilidade do modelo de Organizações Sociais (OSs), adotado em algumas unidades desde 2012. O levantamento começou ainda antes da situação crítica das contas da saúde vir à tona e discutirá um tema controverso, com governo, sindicato e especialistas divergindo sobre os resultados dessas parcerias.

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— O Tribunal de Contas decidiu fazer um estudo, principalmente no modelo de gestão atual da saúde no Estado. Eu espero ter o resultado até o dia 30 de setembro. O estudo vai apontar principalmente se a gestão dos hospitais próprios tem que ser feita pelo governo estadual ou pode ser feito pelas OS, (ver) qual modelo melhora o atendimento com custo relativamente bom — declarou Cherem em entrevista no início do mês.

Hoje as OSs são responsáveis pela gestão de quatro hospitais, do Cepon, do Hemosc e do Samu, somando gastos mensais de R$ 38,4 milhões. A Secretaria da Saúde defende que as unidades administrados por organizações sociais elevam a qualidade dos serviços, por afirmar que o modelo garante agilidade na tomada de decisão, inverso do que ocorre na gestão pública que enfrenta processos burocráticos e demorados para contratar produtos e serviços. “A eficiência na gestão de custos e resultados no faturamento e a desburocratização nas formas de aquisição de medicamentos e materiais nas OSs demonstra barganhas alcançadas com relação a preços e agilidade na entrega, e além disso na diminuição do índice de absenteísmo dos colaboradores”, disse a secretaria via assessoria de imprensa.

Atualmente o governo do Estado deve mais de R$ 140 milhões às OSs. A maior dívida — R$ 47 milhões — é com o Cepon, que atende pacientes com câncer e já teve impacto nos atendimentos nos últimos meses. Um dos casos mais criticados é o do Samu, que hoje cobra R$ 27 milhões em repasses atrasados.

Desde o começo da terceirização do serviço, o contrato foi criticado em auditorias do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e em ação do Ministério Público Estadual (MPSC), após denúncia da então presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa (Alesc), Ana Paula Lima (PT). No questionamento, em junho de 2015, a deputada criticou o aumento de gastos com o serviço, que seriam de R$ 36 milhões em 2011, quando era por gestão pública, e passou a R$ 112 milhões em 2014, já com a administração da SPDM. Hoje, são cerca de R$ 114 milhões, e a gestão deve ficar com o Corpo de Bombeiros a partir de dezembro justamente para reduzir custos, segundo o que já foi anunciado pelo governador Raimundo Colombo.

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— A gente tem acompanhado esses contratos e essa política de terceirização. E a gente vê que as OSs são muito mais caras, então numa conjuntura de corte de verbas, se torna insustentável. E não é só o custo. Tem a questão da qualidade. O Samu, por exemplo, na época que o Estado fazia, mesmo sendo bem difíceis as condições, tinha mais ambulâncias rodando. E menos baixa de ambulâncias. É muito questionável a gestão dessas entidades, também porque o mecanismo de gestão é muito frágil. É uma comissão onde representantes do governo e das OSs são maioria e aprovam relatórios, metas, contratos — argumenta a presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimento de Saúde Pública Estadual e Privado de Florianópolis e Região (SindSaúde/SC), Simone Bihain Hagemann.

Questionada pela reportagem, a Secretaria da Saúde não se manifestou sobre quanto era o gasto com as unidades atualmente administradas por OSs quando a gestão era do governo estadual. Em relação à possibilidade de aumentar ou diminuir a presença das organizações no Estado, a pasta informou que o Estado tem realizado estudos para avaliar os diversos modelos de gestão do SUS e que, após a conclusão deles, discutirá essas questões.

 

Especialistas fazem ressalvas ao modelo

Mestre em Saúde Pública pela University of Minnesota (EUA), o doutor Walter Ferreira de Oliveira considera que o uso das Organizações Sociais na saúde é uma boa alternativa, desde que bem aplicada. Ele defende que a gestão totalmente pública e a terceirização da administração de serviços ou unidades podem coexistir e ajudar a melhorar o setor. Mas cobra fiscalização rígida.

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— É que nem o Congresso, a ideia é boa, desde que cumpra suas funções. E no Brasil me parece que tem sido má utilizada. Por que foram criadas as OSs? São derivadas das ONGS, que eram coisas muito boas mas começaram a ser usadas para lavar dinheiro, empregar gente indevidamente. O que está errado que começo a perceber é usar as OSs para precarizar o trabalho. Não pode ser usada pra isso e os mecanismos de fiscalização têm que estar bem atentos — destaca.

O doutor em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Fabrício Augusto Menegon, é ainda mais incisivo nas ressalvas. Ele afirma que a gestão do Estado é muito frágil em alguns aspectos e que não fica claro se esse modelo traz resultados que sejam factíveis e que produzam uma mudança no acesso e na prestação de serviços de saúde.

— A OS é sem fim lucrativo, mas não é bem desse jeito. Deveria reverter todo o lucro para a própria função que exerce, mas nesse processo de fiscalização não sabemos o que está acontecendo, não sabe a receita gerada, quanto efetivamente foi aplicado. Aí o governo tem o ônus de construir um hospital com recurso público e depois entrega para a iniciativa privada, que fica só com o bônus da gestão e tem ainda a prerrogativa de culpar o Estado se não ocorre o repasse adequado — pondera.