*Por Seth Schiesel
Marco Blume, diretor comercial do site de apostas esportivas Pinnacle, se lembra de uma época em que apostar em competições de videogame, conhecidas como eSports, ou esportes eletrônicos, era um conceito exótico.
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“Quando começamos com os eSports em 2010, recebemos US$ 100 em apostas em uma semana e ficamos empolgados com os resultados. Olhávamos a tela e comemorávamos sempre que alguém fazia uma nova aposta. Quando ofereci pela primeira vez a possibilidade dos eSports para o conselho diretivo da empresa, eles nem sabiam do que se tratava e riram de mim”, contou Blume durante uma videoconferência diretamente de Londres.
Agora, no auge da pandemia do coronavírus, com esportes tradicionais moribundos e cassinos vazios, ninguém mais ri dos esportes eletrônicos no setor internacional de jogos de azar, avaliado em meio trilhão de dólares. Em vez disso, as ofertas são cada vez maiores.
Ainda que o número total de apostas tenha caído, as empresas de apostas foram salvas por algo que sempre foi dito nos cassinos: os apostadores sempre encontram formas de continuar apostando. Desde março, estes começaram a se dedicar aos jogos virtuais, especialmente às versões virtuais de esportes facilmente compreensíveis, como futebol, basquete e futebol americano.
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Muitas editoras de videogames não sabem como lidar com essa mudança. Relatórios do setor na Europa, onde as apostas esportivas são muito comuns, indicam que metade das apostas feitas desde o início de março tem relação com esportes eletrônicos. Algumas casas de aposta viram um aumento de mais de 40 vezes no número de apostas em eSports durante esse período.
“Os eSports são os líderes no momento. Desde março, eles se tornaram nossa principal categoria no mundo todo em faturamento e número de apostas. Todas as casas de aposta agora oferecem eSports, mesmo as que não faziam isso antes”, disse Blume. (Casas de aposta internacionais, como a Pinnacle, com sede em Curaçao, são ilegais nos EUA, mas geralmente são legais e populares em boa parte do mundo. O trabalho de Blume como diretor comercial é similar ao dos avaliadores de risco de empresas de médio porte em Wall Street.)
No geral, o faturamento global das apostas em eSports deve dobrar este ano e chegar a cerca de US$ 14 bilhões. Além disso, as apostas em esportes eletrônicos se tornaram mais comuns nos EUA depois da decisão da Suprema Corte, em 2018, e estados como o Colorado, Nevada e Nova Jersey competem para se antecipar aos outros na oferta de eSports. Em Nevada, as apostas esportivas são regulamentadas desde 1949. O estado aprovou as primeiras apostas legais em esportes eletrônicos em 2016 e aprovou mais dois campeonatos em 2017, mas nenhum outro até o início da pandemia. Porém, desde março deste ano, os órgãos reguladores de Nevada aprovaram apostas em 13 ligas e campeonatos de eSports.
“As pessoas querem poder apostar em alguma coisa e nossos licenciados querem oferecer oportunidades de apostas para seus clientes. Por causa da forma como os esportes eletrônicos funcionam, os jogadores podem competir mesmo sem sair de casa”, explicou James Taylor, chefe da divisão de fiscalização do Escritório de Controle de Jogos de Azar do Estado de Nevada.
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De acordo com Taylor, em meados de março os operadores de cassinos começaram a registrar pedidos de autorização de apostas em esportes eletrônicos praticamente todos os dias. Taylor contou que sua equipe aprovou todos os pedidos, com exceção de dois, que não convenceram os investigadores em relação aos protocolos anticorrupção. “Como reguladores, queremos garantir que as coisas sejam feitas corretamente e sob supervisão, para que o setor como um todo possa crescer”, disse Taylor.
Boa parte dos pedidos veio da subsidiária da William Hill, uma britânica das apostas esportivas, que opera mais de 100 casas de aposta em Nevada.
Seth Schorr, executivo-chefe da empresa de gestão de cassinos Fifth Street Gaming e fundador da Aliança dos Esports de Nevada, comentou o crescimento do setor: “Espero que, nos próximos cinco ou dez anos, os eSports tenham chegado a um terço do tamanho da NFL e da NBA em relação ao volume de apostas nos EUA.”
Tendências atuais ‘estão ganhando força’
As opções já vão além de simples apostas em competições entre jogadores da elite dos videogames.

Embora as apostas em partidas de basquete ainda dependam de atletas vivos (em geral), os seres humanos se tornaram opcionais. Algumas empresas oferecem apostas em partidas de futebol completamente automatizadas no jogo “Fifa 20”, produzido pela Electronic Arts – computador versus computador. Nos EUA, a DraftKings e a FanDuel (que realizam disputas virtuais legalizadas em cerca de 40 estados) começaram a oferecer novas disputas gratuitas baseadas em partidas automatizadas do jogo Madden NFL 20, que também é produzido pela Electronic Arts.
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A FanDuel e a DraftKings, que fizeram sua oferta pública inicial em abril deste ano, também realizam campeonatos virtuais de jogos extremamente populares, como League of Legends, da Riot Games, e Counter-Strike: Global Offensive, da Valve Corp. Um porta-voz da DraftKings afirmou que os campeonatos pagos de esportes eletrônicos estão atraindo vinte vezes mais clientes e 50 vezes mais competidores do que em março do ano passado.
“Como muitas outras coisas, essas tendências já existem há muito tempo, especialmente na internet, mas estão sendo aceleradas pelo coronavírus”, explicou Cory Fox, vice-presidente de relações institucionais da FanDuel, que é controlada pela Flutter, uma empresa internacional de apostas com sede em Dublin.
Os estados que permitem apostas esportivas ainda estão se ajustando. Com a queda na receita de muitos estados americanos, lobistas acreditam que mais governos aceitarão as apostas virtuais – especialmente de eSports – como fonte de renda tributável. “No início, eu torcia para que três ou quatro estados aprovassem as apostas virtuais ainda este ano. Agora acredito que poderemos dobrar esse número quando as câmaras de deputados voltarem a se reunir”, comentou Bill Pascrell III, da Princeton Public Affairs Group, que faz lobby para casas de aposta e empresas de tecnologia de jogos de azar.
Em Nevada, o próximo passo para as apostas em esportes eletrônicos é a pré-aprovação de apostas em determinados campeonatos virtuais, à maneira da NFL e de outros eventos esportivos tradicionais, em vez da exigência de uma aprovação caso a caso.
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“Talvez demore um ou dois anos, mas acredito que inevitavelmente haverá uma lista de eventos de esportes eletrônicos pré-aprovados para apostas em Nevada. Este período cimentou os eSports como uma das principais opções para cassinos e casas de aposta”, disse Blaine Graboyes, executivo-chefe da GameCo, que desenvolve jogos para cassinos e vende dados de eSports para casas de apostas.
Ao todo, mais de 15 estados permitem algum tipo de aposta esportiva. No momento, executivos afirmam que o Colorado, que autorizou as apostas em esportes no dia primeiro de maio, parece ter as regras mais liberais dos EUA em relação aos eSports.
Avaliada em US$ 160 bilhões, a indústria dos videogames não sabe como responder.
Empresas de apostas e esportes eletrônicos acreditam até o momento que não precisam pedir permissão às produtoras de jogos para oferecer apostas ou realizar campeonatos. E, ao contrário das grandes ligas esportivas que se opunham à expansão das apostas antes da decisão da Suprema Corte, nenhuma produtora de videogames tentou impedir apostas relacionadas a seus produtos (ainda que executivos de cassinos tenham relatado que um pedido de realização de um campeonato do jogo Overwatch, produzido pela Activision Blizzard, foi rejeitado em 2018 pelos órgãos reguladores em parte porque a empresa se opunha às apostas naquele momento).

Fora dos EUA, as casas de aposta geralmente podem incluir novos tipos de aposta rapidamente e sem autorização específica, ajudando a fomentar um crescimento que deixou confuso o setor global dos videogames, avaliado em US$ 160 bilhões.
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Algumas empresas parecem aceitar as apostas contratando monitores de integridade, que também vendem dados e serviços para as casas de aposta. Por exemplo, em meados de abril, os órgãos reguladores de Nevada aprovaram as apostas em campeonatos de Call of Duty e de Overwatch, ambos da Activision Blizzard. Três semanas depois, as ligas anunciaram um acordo de “serviços de integridade” com a empresa suíça Sportradar, feito segundo acordos similares da Sportradar com organizações tradicionais como a NFL e a pioneira dos eSports Riot Games, criadora do League of Legends, um dos esportes eletrônicos mais populares do mundo.
“Quando começamos com os eSports, eles eram uma terra sem lei. As apostas esportivas são uma parte importante do ecossistema e seriam feitas, a despeito do que acreditássemos ser certo ou errado. Por isso, decidimos investir para proteger o esporte e garantir sua longevidade e sua legitimidade”, comentou Doug Watson, diretor de insights de eSports da Riot, que pertence ao conglomerado chinês de jogos e mídia Tencent.
Um caminho diferente para o monitoramento de integridade surge nos jogos virtuais.
Os órgãos reguladores de apostas em Nevada, no Reino Unido e em Malta, assim como empresas de apostas como a William Hill, reforçaram o relacionamento com a Comissão de Integridade dos Esports, sediada no Reino Unido, que tenta se tornar uma autoridade central para impedir a compra de resultados e outras formas de corrupção – ajudando a legitimar as competições para os apostadores, fãs e patrocinadores.
Mas as grandes produtoras de jogos estão relutantes. Executivos do setor de videogames explicaram que as produtoras não querem dar a impressão de que apoiam as apostas, nem de que seus jogos precisam fazer parte de uma comissão internacional para garantir sua integridade. Na Ásia, onde os eSports começaram a dar muito dinheiro, escândalos de compras de resultados abalaram carreiras, equipes e campeonatos inteiros.
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A despeito da resposta das produtoras, a adoção dos eSports por parte do setor de apostas dos EUA pode estar apenas no começo, à medida que as grandes empresas deixam de olhar apenas para os cassinos e resorts.
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