Avanços sugeridos no anteprojeto do novo Código Penal em temas como a descriminalização do aborto e do porte de drogas em determinadas condições ficaram pelo caminho no substitutivo apresentado pelo senador Pedro Taques (PDT-MT) em agosto. Mais emendas ainda podem ser propostas pelos senadores até sexta-feira, e é pouco provável que medidas mais “progressistas” sobrevivam até a elaboração do texto final, prevista para dezembro.

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Na avaliação do advogado Rogério Taffarello, diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), já era esperado recuo na matéria do aborto, tanto pela força das bancadas religiosas quanto por questões eleitorais – a polêmica no primeiro turno da eleição presidencial de 2010 ilustra o quanto esse tema pode ser antipático aos eleitores. Mas uma mudança de grande impacto é o aumento das penas e a inclusão de novos crimes no rol dos hediondos.

– Isso terá reflexos carcerários significativos no cenário que é de superlotação. Em vez de reduzir prisões desnecessárias, como em outros países, o Brasil vai na contramão – aponta.

Taffarello relembra que o IBCCrim já se pronunciou contra o anteprojeto na origem, devido aos prazos exíguos que a comissão teve e pelas consultas públicas terem sido marcadas por pressões, não privilegiando um debate científico aprofundado. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) adotou a mesma postura.

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– Embora aparentemente o projeto esteja demorado, o tempo é muito curto em relação ao impacto que essa reforma terá – argumenta o advogado Rafael Canterji, professor de Direito Penal na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB-RS.

Desembargador aposentado e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Odone Sanguiné avalia a reforma do Código Penal como positiva pela inclusão de novos tipos criminais, como crimes cibernéticos, contra animais e de terrorismo. Mesmo assim, pondera que há problemas na redação.

– Uma mudança sempre será alvo de críticas, mas a legislação precisa se modernizar. Este projeto ainda pode ser aperfeiçoado pelas emendas em alguns pontos e a própria jurisprudência poderá corrigir outros – observa.

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Veja o que previa o projeto original e quais as alterações sugeridas até agora pelos parlamentares:

1. Aborto

Como é hoje: é permitido aborto em casos de risco à vida da mãe ou quando a gravidez é fruto de violação sexual.

Projeto original: passa a ser permitido aborto também por vontade da mulher até a 12ª semana de gestação, desde que médico ou psicólogo constate que ela não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.

Alterações propostas: a permissão por vontade da mãe até a 12ª semana de gravidez foi excluída. Foram mantidas as demais possibilidades legais para a interrupção.

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2. Eutanásia

Como é hoje: homicídio comum, com pena de reclusão de seis a 20 anos.

Projeto original: tipifica a prática como conduta própria, com pena de dois a quatro anos de detenção. Libera a ortotanásia (retirada de equipamentos ou medicações que prolongam a vida de doentes terminais), desde que atestada por dois médicos e com aval familiar.

Alterações propostas: classifica a eutanásia como homicídio e mantém a ortanásia como conduta atípica (não é crime), desde que o paciente ou a família autorize e dois médicos atestem.

3. Tempo de pena

Como é hoje: o tempo máximo cumprimento de pena é de 30 anos, com progressão após um sexto da pena.

Projeto original: o tempo máximo segue em 30 anos. Se cometer novo crime, porém, o limite passa para 40 anos. A progressão ganhou uma escala, que vai de um sexto a três quintos da pena.

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Alterações propostas: primários cumprirão um quarto antes da progressão. A pena mínima para homicídio passa de seis para oito anos de prisão. Para homicídio culposo, que era de um a quatro anos, passa a ser de dois a seis anos.

4. Lei Seca

Como é hoje: não está previsto o conceito de culpa gravíssima para crimes de trânsito.

Projeto original: cria-se o conceito de culpa gravíssima para caracterizar os crimes de trânsito. A gravíssima cabe quando o motorista não teve intenção de matar, nem assumiu o risco, mas agiu com temeridade. A pena varia de quatro a oito anos de prisão.

Alterações propostas: aumenta a pena máxima para o ato de conduzir veículo sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, passando para até cinco anos de prisão.

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5. Drogas

Como é hoje: hoje o consumo não é crime, mas o porte está sujeito a punição.

Projeto original: fica descriminalizado o porte de drogas leves para consumo pessoal. A quantidade será determinada levando em conta o consumo médio individual por cinco dias.

Alterações propostas: exclui a proposta de descriminalizar o porte de pequenas quantidades que configurem uso pessoal. O argumento é que o dispositivo poderia possibilitar que o traficante, passando-se por usuário, carregasse para comércio apenas pequenas quantidades.

6. Crimes contra animais

Como é hoje: não há punição prevista para maus-tratos contra animais.

Projeto original: estabelece pena de um a quatro anos de prisão para maus-tratos, como lesão, mutilação e morte de animais. Omissão de socorro e abandono também ficam sujeitos a penas de até quatro anos de prisão.

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Alterações propostas: descriminaliza práticas como transporte inadequado, abandono e omissão de socorro diminui para seis meses a três anos as penalidades. As penas foram consideradas excessivas e desproporcionais.

7. Crime cibernético

Como é hoje: não há tipificação de crimes.

Projeto original: surgem crimes como acesso indevido (dados são acessados, sem autorização, em um sistema protegido, com pena de seis meses a um ano de prisão ou multa) e sabotagem informática (invasões, interrupções ou entraves de sistemas, com pena de até dois anos de detenção).

Alterações propostas: não faz diferença se o sistema é protegido para crime de acesso indevido. Pena é aumentada para até quatro anos se resultar em prejuízo econômico ou contra a administração pública.

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