*Por Benjamin Mueller e Mitra Taj
Numa favela em uma encosta de Lima, no Peru, o dia escolar de Delia Huamani começa não com a agitação dos colegas de classe, mas quando ela liga a televisão. Com as escolas físicas fechadas por tempo indeterminado, ela tem aula em casa, a partir de uma série de programas educacionais bem feitos desenvolvida pelo governo do país.
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Como substituto, está longe de ser perfeito. Delia, de dez anos, diz que seus pais não podem comprar os livros – ela sente falta de ler sobre os animais na biblioteca da escola – e ninguém confere seu trabalho. Ela conta com a amiga Katy Bautista, de 12 anos, que gostaria de pedir aos apresentadores de televisão que falassem mais devagar durante as matérias difíceis.
“Quando vamos pegar a comida no refeitório comunitário, conversamos e explicamos as coisas uma para a outra. Ou às vezes ela explica coisas para mim; eu não explico nada. Mas ela, sim, e é por isso que ela é uma boa amiga”, comentou Delia sobre Katy recentemente.
Apesar de todas as limitações, o ensino via televisão tem uma enorme vantagem para Delia, Katy e muitas outras entre um bilhão de crianças de todo o mundo que estão impedidas de ir à escola por conta da pandemia do coronavírus: ele pode chegar até elas.
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Em países ricos, o debate sobre como oferecer educação de forma remota tem se concentrado em produzir aulas on-line envolventes e interativas. Mas essa conversa é pura fantasia para muitos alunos em todo o mundo, incluindo milhões que moram em países ricos e que não têm uma conexão de banda larga ou um computador.
Depois de décadas perdendo importância diante do grande investimento no ensino via internet, a televisão educacional está em alta novamente. Os educadores e os governos de todo o mundo, desesperados para evitar um revés duradouro para uma geração de crianças, estão se voltando para uma tecnologia mais antiga.

E estão recorrendo ao charme e ao glamour de atores e apresentadores de noticiários conhecidos localmente, bem como de professores, para tentar prender a atenção de alunos da pré-escola ao ensino médio. Eles dizem estar seguindo a lição fundamental da era do YouTube – quanto mais curto e atraente, melhor.
“O ideal seria ter um laptop e todas essas coisas sofisticadas em casa, mas, se você não tiver, isso é melhor do que nada”, observou Raissa Fabregas, professora de Economia e Relações Públicas na Universidade do Texas, em Austin, que estudou a televisão educacional no México.
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De acordo com os especialistas, embora as aulas via televisão não sejam tão valiosas quanto as interações on-line com os professores e com os outros alunos, as transmissões educacionais pagam dividendos ao progresso acadêmico das crianças, ao sucesso delas no mercado de trabalho e até mesmo ao seu desenvolvimento social.
Nos Estados Unidos, onde a educação varia muito de uma área para a outra, uma vez que é administrada localmente, algumas regiões deram pouca ênfase ao desenvolvimento do ensino remoto, concentrando-se, em vez disso, em um esforço malfadado para reabrir as escolas. Outras trabalharam muito para desenvolver um programa on-line robusto. Isso, porém, é inútil para os quatro milhões de crianças em idade escolar que não têm acesso à internet em casa, uma dificuldade que prevalece especialmente entre estudantes negros, latinos e indígenas.
A televisão promete ser um complemento de baixo custo para o ensino on-line e uma salvação para alunos com poucos recursos. Existe um vasto catálogo de programas educacionais, mas os analistas dizem que os legisladores perderam a oportunidade de usá-los.

“Quantos pais estão, neste momento, tentando descobrir como passar o dia enquanto seus filhos apenas assistem à televisão ou mexem no iPad? Teríamos resultados muito melhores se as pessoas que estão em posição de confiança com essas famílias pudessem direcioná-las para um conteúdo positivo”, observou Melissa S. Kearney, professora de Economia na Universidade de Maryland.
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Desde março, os países vêm recorrendo ao ensino via televisão com uma série de estratégias. Os programas variam de uma simples gravação em sala de aula a desenhos educacionais, e de iniciativas locais a nacionais. Alguns se concentram em uma faixa etária, enquanto outros, como o do Peru, adaptaram o currículo nacional para todas as séries.
Na Tanzânia, a Ubongo, uma organização que cria desenhos educacionais populares voltados para as crianças e os pais, decidiu oferecer seus programas gratuitamente a estações de televisão de toda a África.
“Fora da África, tem havido um estímulo ao ensino on-line. Mas, na maioria dos países africanos, grande parte das crianças simplesmente não tem acesso à internet. No fim, a melhor ferramenta educacional é aquela que a pessoa já possui”, explicou Cliodhna Ryan, chefe de educação da Ubongo.
Analistas dizem que ainda é muito cedo para saber quão eficaz está sendo o ensino via televisão durante o bloqueio, mas há evidências esparsas de que esses esforços foram eficazes no passado.
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No México, um programa que durou anos e oferecia aulas via televisão direcionadas a alunos da área rural fez com que as crianças permanecessem na escola por mais tempo e tivessem uma renda maior ao atingir a idade adulta. Kearney e um colega concluíram que as crianças nos Estados Unidos com acesso à programação da “Vila Sésamo” tinham maior probabilidade de estar em uma série apropriada para a idade.

Para resolver a maior desvantagem do ensino via televisão – a falta de interação e de feedback do professor –, algumas regiões criaram formas de os professores monitorarem o progresso dos alunos. Muitos dependem de telefones celulares, que são muito mais comuns em regiões pobres do mundo do que as conexões de banda larga, embora até mesmo o acesso a um telefone possa ser uma barreira.
O estado brasileiro do Amazonas oferece um aplicativo para smartphone que complementa o ensino via televisão, permitindo que o aluno faça perguntas ao professor em tempo real.
“Os alunos assistem à televisão e veem uma professora dando a aula e outra, ao lado dela, mediando os comentários que chegam pelo chat”, disse Sabrina Emanuela de Melo Araújo, professora de Biologia do ensino médio.
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O Peru, uma nação pobre de 32 milhões de habitantes, sofreu um dos piores surtos de coronavírus do mundo.
Em um país onde apenas 15 por cento dos alunos de escolas públicas têm acesso a um computador em casa, o ensino via televisão se tornou o modo de aprendizagem predominante durante a pandemia. Uma pesquisa feita pelo governo em junho apontou que três quartos dos pais afirmaram que seus filhos assistiram aos programas, contra um quarto que fez uso do site educacional do governo. Quase todos enviaram a lição de casa aos professores por WhatsApp.
“É vantajoso para os alunos que sabem como estudar por conta própria. E temos alunos assim, com iniciativa, que encontram o caminho sozinhos. Mas esses não são muitos”, afirmou Heli Estela, professor do ensino médio na região andina de Cajamarca, no norte do Peru.

Em um distrito onde muitos dos pais são agricultores de subsistência, alguns de seus 47 alunos perderam o acesso à televisão quando a família teve de se mudar para outro lugar para encontrar trabalho. Uma dúzia deles não voltou mais. Outros parecem estar copiando a lição de casa de um colega.
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“Para realmente iniciar o ensino a distância, primeiro você precisa garantir que todos tenham acesso à internet. Só que essa doença não nos deu nenhum aviso prévio”, disse Estela.
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