Debatida às pressas com a premissa de que o mercado precisava ser reanimado a partir de novas relações de trabalho, a reforma trabalhista entra em vigor dentro de um mês. Desde a sanção da lei 13.467/2017 pelo presidente Michel Temer (PMDB) em julho, trabalhadores, sindicatos, empresariado, indústria e Justiça do Trabalho reúnem informações acerca da nova matéria, que altera mais de 100 trechos da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT). No Estado catarinense, patrões se organizam para aplicar já em novembro itens menos polêmicos da legislação (veja abaixo). Mudanças mais radicais devem ficar para um segundo momento, após regulamentação por meio de medida provisória prometida pelo Palácio do Planalto ainda para este mês.

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Em Santa Catarina, o setor que está mais adiantado na materialização da reforma trabalhista é o da tecnologia da informação (TI), especialmente nas empresas de maior porte. Inicialmente proibida em convenção coletiva da categoria, a divisão do período de descanso em três etapas agora está prevista em lei e é um dos exemplos da aplicação imediata da matéria. A funcionária da Softplan, em Florianópolis, Aline de Oliveira, optou por esse modelo e já está com um terço do período de descanso programado.

— Para mim é interessante porque tenho família que mora longe. Então vou dividir um tempo com eles e, nos demais, vou poder viajar a lazer. Por enquanto, nenhum outro aspecto [da reforma trabalhista] me beneficiou, mas a questão de poder trabalhar em home office também pode ser positiva, principalmente por conta do trânsito — conta a analista, que privilegia a transparência com a qual a organização em que atua vem tratando a temática.

A coordenadora de administração de pessoal da mesma companhia, Renata Boschetto, acrescenta que serão necessários aditivos contratuais a fim de assegurar o trabalho de maneira remota — o teletrabalho, conforme consta na nova lei.

— Essa questão vai ser bastante favorável às empresas de TI. Quando não havia acordo com o sindicato, era algo bem dificultoso de ser feito, porque estávamos limitados no controle da jornada. E há muita demanda para esse modelo de trabalho. Agora, o funcionário que tiver home office preponderante, ou seja, pelo menos três dias na semana, terá alteração no contrato de trabalho — explica.

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Alterações mais profundas, além de aguardarem texto complementar do governo federal, também estão condicionadas às cláusulas previstas em acordos coletivos, pelo menos até uma nova negociação entre sindicatos e empresas, de forma independente à reforma trabalhista. Não será alterado, por exemplo, um acordo com vigência até fevereiro de 2018. A não ser que as partes concordem e haja repactuação.

No caso dos profissionais de TI, a convenção coletiva acaba de ser renovada. De qualquer maneira, essa movimentação em busca de adequação à lei é encarada como algo natural e positivo pelo presidente do Sindicato das Empresas de Informática de Florianópolis (Seinflo), Geraldo Otto. O conselheiro da Associação Catarinense das Empresas de Tecnologia justifica a própria visão a partir do perfil de trabalhador que será afetado pelas mudanças.

— Hoje, coisas que são comuns no dia a dia e já se vivem há muito tempo no segmento, como flexibilização da jornada de trabalho, não têm amparo legal. Mas estamos falando de um profissional diferenciado, que tem necessidade disso. Agora, haverá segurança jurídica para as empresas e, ao mesmo tempo, atendimento ao pleito do próprio colaborador, que gostaria de fazer um horário diferenciado, mas nós não conseguíamos deliberar — analisa.

Protesto contrário à reforma trabalhista em março, na Capital catarinense
Protesto contrário à reforma trabalhista em março, na Capital catarinense (Foto: Marco Favero / Agencia RBS)

Comércio e indústria ainda estudam aplicação

Apesar de posicionarem-se de forma favorável desde o início da tramitação do projeto de lei da reforma trabalhista, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Santa Catarina (Fecomércio-SC) e a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) afirmam que a aplicação da nova matéria ainda é incipiente. O presidente do setor industrial catarinense, Glauco José Côrte, diz que a postura adotada, com debates prévios ao pragmatismo, é para não que não haja precipitação. Dessa forma, ele acredita, será cumprida a promessa de segurança jurídica.

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— O que se está iniciando é o processo de reconhecimento, de contatos iniciais com trabalhadores, mas sobretudo, no âmbito dos empresários industrias, estão acontecendo seminários para esclarecer quais são as alterações. Nós temos longa experiência de negociação com trabalhadores no caso do piso regional. Diferentemente de outros Estados, a atualização é feita por acordo. Então nós estamos confortáveis em relação aos entendimentos que no âmbito da nova lei serão possíveis — garante.

O gerente jurídico responsável pela entidade do terceiro setor, Rafael Arruda, acrescenta a necessidade de participação sindical nesse processo.

— Muitas empresas já estão estudando formas de aplicar as previsões da reforma. Como a grande maioria do que veio na reforma depende de negociação, estão estudando como viabilizar. Não tem como hoje dizer que vão aplicar determinada situação porque, em alguns casos, depende de negociar isso com o sindicato laboral e empregados. É importante um alinhamento entre todos para que não venha a ter prejuízo — comenta.

O movimento sindical mostra-se pouco aberto à negociação. A partir do argumento da perda de direitos, promove um abaixo assinado para criação de um projeto de iniciativa popular que visa à anulação da reforma trabalhista. Para valer, pelo menos 1,3 milhão de assinaturas precisam ser coletadas até final de outubro, de acordo com a presidente da Central Única dos Trabalhadores em Santa Catarina, Anna Julia Rodrigues.

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— Desde processo do debate da reforma trabalhista, nós fomos contrários, porque não houve diálogo com trabalhadores. É uma reforma que rasga a conquista que foi a CLT. Precisava ser melhorada, mas não dessa forma. Estamos prevendo 200 mil assinaturas em SC. Depois, faremos um processo de mobilização em Brasília, com entrega no Congresso Nacional. O trabalhador ainda não sentiu o impacto da reforma, e só vai sentir a partir do próximo ano, mas vai afetar a todos — prevê.

Senadoras tentam barrar reforma trabalhista em Brasília, no mês de julho
Senadoras tentam barrar reforma trabalhista em Brasília, no mês de julho (Foto: Lula Marques / AGPT)

Operadores do direito comentam insegurança

A celeridade com que a reforma trabalhista foi aprovada pelo governo federal não se repete na aplicação da lei. Para o presidente da Associação Catarinense dos Advogados Trabalhistas (Acat), Ricardo Corrêa Jr., isso acontece porque os empresários estão inseguros quanto à interpretação jurídica que virá a partir do primeiro processo trabalhista movido na vigência da legislação.

— Porque a maioria dos juízes se posiciona de forma contrária à lei, que nem entrou em vigor e já está para ser mexida com a medida provisória. Então, as empresas vão começar a se valer disso aos poucos. Nas matérias mais simples, em que há concordância inclusive por parte dos empregados, vão aderir de imediato. A grande questão são os outros pontos, mais conturbados, como a jornada intermitente (leia abaixo). Vão ter empresas que vão querer se aproveitar dessa situação, como restaurantes contratando só para fim de semana — contextualiza.

O advogado orienta que as mudanças acontecerão a partir de aditivos contratuais que alterem as regras vigentes — caberá ao colaborador aceitar ou não. Já para novos funcionários, devem recair novos contratos.

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— Mas isso não pode ser unilateral. Se eu fizer qualquer alteração que for prejudicial, ainda que com base na lei, o judiciário vai considerar nula. Se não houver aceitação da mudança, a empresa pode rescindir o contrato sem justa causa, já que esse é um direito do empregador. Mas a justiça, lá na frente, pode considerar essa uma demissão discriminatória e mandar reintegrar esse empregado. Haverá uma discussão jurídica sobre isso nos processos — esclarece.

Apesar da iminência do prazo em que a reforma trabalhista passa a vigorar, o juiz do trabalho Guilherme Feliciano, que preside a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), acredita que serão necessários de três a cinco anos até que haja jurisprudência. Para ele, os trechos mais problemáticos da lei, que não devem ser corrigidos pela medida provisória, consistem na ampliação da jornada máxima de trabalho por meio de acordo individual e na possibilidade de terceirização da principal atividade de uma empresa ou indústria.

— Cada juiz vai formular entendimentos a partir dos fatos e do ordenamento jurídico. O que temos é uma lei ruim, atécnica e inconsistente. Por isso, é possível que haja entendimento diferente e, com o tempo tempo vai se uniformizando. Nossa missão é encontrar lógica numa lei que é ilógica — critica.

No início da semana, a Anamatra promoveu uma jornada a fim de avaliar a interpretação e a aplicação da reforma trabalhista. Entre as 125 teses aprovadas no encontro, que devem ser encaminhadas ao governo, está a que demonstra a incompatibilidade da nova lei com convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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Os principais pontos da reforma trabalhista

Veja as principais alterações previstas na nova legislação:

Jornada de trabalho

Como é hoje: jornada de 44 horas semanais, com no máximo oito horas diárias.

O que está na reforma: a jornada diária pode chegar a até 12 horas, e o limite semanal a 48 horas, incluídas quatro horas extras.

Tempo de deslocamento

Como é hoje: a legislação atual conta como jornada o tempo gasto até a chegada no emprego, desde que o transporte seja fornecido pela empresa.

O que está na reforma: deixa de considerar como jornada o tempo gasto no trajeto usando transporte fornecido pela empresa.

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Hora extra

Como é hoje: trabalhador pode fazer máximo de duas horas extras por dia, o que só pode ser alterado por acordo escrito entre empregador e empregado ou contrato coletivo. A remuneração é, pelo menos, 50% superior à da hora normal.

O que está na reforma: mantém máximo de duas horas extras, mas regras poderão ser fixadas por acordo individual, convenção ou acordo coletivo. Remuneração é mantida, no mínimo, 50% superior à da hora normal.

Banco de horas

Como é hoje: hora extra pode ser compensada em outro dia, desde que em um ano não exceda à soma das jornadas semanais nem que seja ultrapassado o limite máximo de 10 horas diárias.

O que está na reforma: banco de horas poderá ser negociado por acordo individual, com compensação em seis meses. Também poderá ser ajustada, por acordo individual ou coletivo, qualquer forma de compensação, desde que não ultrapasse dez horas diárias e seja feita no mesmo mês.

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Terceirização

Como é hoje: é permitida a terceirização irrestrita das atividades.

O que está na reforma: cria quarentena de 18 meses, período no qual o empregador não poderá demitir o trabalhador efetivo e recontratá-lo como terceirizado. A terceirizada terá de oferecer todas as condições da empresa-mãe, como uso de ambulatório, alimentação e segurança.

Férias

Como é hoje: podem ser gozadas em dois períodos, desde que um deles não seja inferior a dez dias ininterruptos.

O que está na reforma: podem ser usufruídas em até três períodos, um com pelo menos 14 dias corridos e os demais, cinco dias corridos. Proíbe o início das férias dois dias antes de feriado ou no dia de repouso remunerado. Desobriga trabalhadores com mais de 50 anos de tirar período único de 30 dias.

Regime parcial

Como é hoje: considera regime de tempo parcial aquele que não passe de 25 horas semanais. É proibida a realização de hora extra.

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O que está na reforma: aumenta o período para 30 horas semanais, mas mantém proibição de hora extra. Também considera trabalho em regime parcial aquele que não passa de 26 horas por semana, com a possibilidade de seis horas extras semanais, com acréscimo de 50% no valor.

Multa por não assinar carteira

Como é hoje: empregador que não assina carteira de trabalho paga multa de um salário mínimo regional por empregado não registrado, acrescido de igual valor em cada reincidência.

O que está na reforma: estabelece multa de R$ 3 mil por empregado não registrado, acrescida de igual valor em cada reincidência. Microempresa e empresa de pequeno porte pagam multa de R$ 1 mil. O texto prevê ainda que o empregador deverá manter registro dos respectivos trabalhadores sob pena de multa de R$ 800.

Trabalho remoto ou home office

Como é hoje: não há previsão legal.

O que está na reforma: inclui o home office na legislação, incluindo que a presença esporádica na sede da empresa para atividades específicas não descaracteriza o regime de trabalho remoto. As regras, contudo, serão descritas em contrato individual de trabalho.

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Itens que devem ser editados em medida provisória

Para garantir a aprovação, o presidente Michel Temer encaminhou carta na qual reafirmou compromisso de vetar oito pontos acordados com os senadores da base aliada. Não vetou, mas prometeu regulamentar ou alterar estes tópicos por meio de medidas provisórias a serem editadas em outubro.

Trabalho intermitente

O que está na reforma: Possibilidade de contratar trabalhadores para períodos de prestação de serviços. Poderão ser alternados períodos em dia e hora. Convocação é feita com pelo menos cinco dias de antecedência, ficando excluídos profissionais com legislação específica. Trabalhador pode recusar o chamado.

Promessa do Planalto: Quarentena de 18 meses pra evitar que empresas alterem contratos por prazo indeterminado para intermitentes. Não se adotará multa de 50% em caso de descumprimento contratual para não impor custos financeiros ao trabalhador.

Jornada de 12 x 36 horas

O que está na reforma: Libera-se a jornada 12 x 36 horas para todas as categorias.

Promessa do Planalto: Será permitida somente com acordo ou convenção coletiva, respeitando as leis específicas que permitem essa jornada por acordo individual.

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Participação dos sindicatos

O que está na reforma: A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho prevalecem sobre a lei em pontos determinados no projeto, mas não vale para itens como férias, FGTS ou 13º salário.

Promessa do Planalto: Será reafirmada a obrigatoriedade de participação sindical na negociação coletiva. Ficará explícito que a comissão de empregados não substitui os sindicatos na defesa dos direitos dos trabalhadores.

Gestantes em ambientes insalubres

O que está na reforma: Poderá trabalhar se apresentado atestado médico comprovando que o local não oferecerá risco à gestante ou à lactante. Somente em caso de impossibilidade absoluta da prestação de trabalho em local insalubre haverá redirecionamento da trabalhadora.

Promessa do Planalto: Será estabelecida a vedação em locais insalubres. Somente será permitido o trabalho nesses locais de forma excepcional, com atestado médio liberando a atuação.

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Insalubridade na negociação

O que está na reforma: A convenção coletiva e o acordo coletivo valem mais do que a lei quando tratarem de grau de insalubridade e prorrogação de jornada nesses ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades do Ministério do Trabalho.

Promessa do Planalto: Esses enquadramentos podem se efetivar somente por meio de negociação coletiva. Mas será preciso respeitar as normas de segurança e saúde do trabalho previstas em lei ou em normas do Ministério do Trabalho.

Dano moral no trabalho

O que está na reforma: Regulamenta a indenização por danos morais no trabalho. A indenização varia de acordo com o salário do prejudicado, o que pode acarretar valores diferentes para trabalhadores com o mesmo dano. A pena varia de cinco a 50 vezes o salário.

Promessa do Planalto: Não será usada a vinculação ao salário, com reavaliação da metodologia para oferecer reparação mais justa, mas sem excessos.

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Autônomo exclusivo

O que está na reforma: Cria o trabalhador autônomo exclusivo, que pode oferecer serviços para um único empregador de forma contínua, mas sem vínculo permanente.

Promessa do Planalto: Será definido que o contrato desse trabalhador não pode prever cláusula de exclusividade, sob pena de configurar vínculo empregatício. Não poderá haver restrição da atividade a um único empregador.

Contribuição sindical

O que está na reforma: Deixa de ser obrigatória e passa a ser opcional. O pagamento equivale a um dia de salário descontado em folha.

Promessa do Planalto: Será adotado um modelo de extinção gradual da contribuição sindical para garantir o planejamento financeiro dos sindicatos e entidades patronais.

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