Generoso, engraçado e de uma humildade cativante, o chef Jefferson Rueda é daqueles interlocutores bons de papo. Jeffim, como é conhecido o paulista com sotaque mineiro que aos 38 anos é um dos destaques da gastronomia brasileira, conversou com a coluna antes de sua aula-show na semana passada durante a programação do AveSui, no CentroSul, em Florianópolis. Autoral e corajoso, ele abriu mão da cobiçada estrela Michelin que conquistou para o Attimo ao abrir a A Casa do Porco, um negócio no Centro de São Paulo dedicado a uma carne ainda cercada de preconceitos. Deu certo: mesmo antes de abrir as portas, em outubro de 2015, o ponto já acumulava filas, cena que se repete diariamente.
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Antes da aula na qual ensinou quatro dos pratos mais vendidos da Casa do Porco (tartar de porco, sushi de papada, pancetta com goiaba e costelinha servida na alface romana), Rueda, simples até quando relembra o elogio rasgado de Ferran Adrià à sua comida, relembrou o início e defendeu a carne que julga ser a mais democrática. Hiperativo, o marido de Janaina Rueda, titular do também bombado Bar da Dona Onça, e pai de dois filhos, ainda contou que planeja mais um negócio para esse ano: dessa vez uma sorveteria, também no Centro paulista.
Infância no interior
Nasci e me criei em São José do Rio Pardo, entre São Paulo e Minas Gerais. Cozinho desde os sete anos. Lá na minha cidade todo mundo tem um rancho de pesca na beira do rio. Me criei nisso. Chegava uma visita e a gente matava uma galinha enquanto o porco engordava para o Natal. Aos 15, fui trabalhar num açougue.
Gastronomia
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Aos 17 anos fui fazer o curso de chef de cozinha internacional do Senac. Quando me formei, fiz estágios na França, Itália e Espanha. De volta a São Paulo, já no Pomodori (restaurante do qual foi sócio-proprietário) comecei a fazer embutidos com porco. Isso faz uns 12 anos.
O batismo do porco
Lá na minha região o Porco à Paraguaia é muito famoso. Ele entrou no país durante a Guerra do Paraguai e em todos os eventos é assado. Há uns seis anos, comecei a mexer na receita: passei a desossá-lo e, ao invés de injetar o tempero, passei a fazer uma marinada. Cheguei a assar 10 porcos na rua em uma Virada Cultural. Mas não estava mais ornando chamá-lo de Porco à Paraguaia, era uma sacanagem com a tradição. Então, aproveitei um evento de gastronomia, chamei um padre e batizamos com o novo nome: Porco San Zé. As pessoas iam no Attimo e pediam o porco que nem estava no cardápio.
Aplausos de Adrià
Há dois anos eu cozinhei no G11 (evento com os 11 maiores chefs do mundo). O presidente da mesa era o Ferran Adrià (catalão considerado um dos melhores do mundo). Aí, antes de começar a palestra ele falou: vocês sabem que sou espanhol e da terra do porco, mas hoje comi o melhor porco da minha vida. Era o empurrão que eu precisava. Só precisava achar meu ponto.
A Casa do Porco
Eu juntei todas as minhas paixões dentro de um lugar só. É um restaurante, um bar, uma loja e ainda faço comida de rua. Estou numa esquina complicada, com craqueiros, prostitutas e travestis. Mas não faço reserva e isso tem a ver com o trabalho de revitalização (do bairro). É por ordem de chegada e as mesas grandes são comunitárias. Depois de 20 anos com a barriga no fogão, esse é o lugar que mais me realiza profissionalmente. E é um sucesso maior do que eu esperava.
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Cardápio
Lá você dá uma volta ao mundo comendo carne do porco. E o final é o Porco San Zé que te traz para a tradição do porco assado. Lá no restaurante eu asso o porco inteiro. Não adianta chegar e pedir só a costelinha: não tem. Para respeitar o animal tem que comer ele inteiro. As pessoas só querem comer o filé-mignon e daí faz o que com o resto do boi? Devolve para o pasto?
Paladar
O porco é uma das carnes mais democráticas. Ele é composto de pele, gordura e carne. Nada se perde. Do focinho ao rabo. Há uma falta de cultura e conhecimento. É preciso que os médicos, nutricionistas e até os professores ensinem. O chef tem um papel na mudança de cultura, mas as pessoas não querem comer sardinha e berbigão porque é coisa de pobre. Tem que começar esse trabalho na escola. O problema é educacional.