Santa Catarina levará pelo menos 30 anos para reverter o déficit da previdência dos servidores públicos estaduais. Essa é uma das poucas confirmações que a Fazenda catarinense e o instituto responsável pela aposentadoria da categoria (Iprev) têm em meio a incertezas e discussões na reforma nacional. Apesar do cenário negativo, o Estado afirma que todas as medidas foram tomadas para solucionar o problema e que será preciso ações a nível federal para reverter o rombo.

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Hoje, segundo dados do próprio governo, SC usa 17,13% da Receita Corrente Líquida para pagar aposentados e pensionistas. Porém, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado no fim de março mostra que o comprometimento chegava a “mais de 20%” em 2015 – o levantamento traz apenas faixas de porcentagens, sem o dado detalhado. A diferença em relação aos números do Executivo catarinense ocorre porque os autores da análise do instituto cruzam mais dados para chegar à estatística final, o que na avaliação deles garante um resultado mais confiável.

Independentemente das divergências sobre o percentual, a certeza da Fazenda ao dimensionar o impacto do rombo previdenciário é uma só:

– A previdência é, sem dúvida, o maior problema dos Estados e da União e continuará sendo pauta permanente – afirma o secretário Antonio Gavazzoni.

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Reformas locais para diminuir comprometimento

Santa Catarina já fez movimentações nos últimos anos buscando amenizar o prejuízo, fazendo com que ao menos ele crescesse em ritmo mais lento. Em dezembro de 2015 foi feito o reajuste das contribuições dos servidores, que foram de 11% para 14%, gradativamente e com o dobro desse valor em contrapartida do governo. Também foi criada uma previdência complementar opcional, a SC Prev, e não há mais o fundo previdenciário, que reunia contribuições dos concursados depois de 2008 e aplicava no mercado financeiro, o que resultava em rendimento. Ocorreu ainda uma revisão das pensões por morte, que não é mais vitalícia em todos os casos.

A expectativa é de economizar R$ 110 milhões neste ano com as reformas locais. Mesmo assim, é consenso que são necessárias outras ações, agora a nível federal, para avançar nesse cenário. Só com isso seria possível se pensar em uma virada no sistema previdenciário, sob o risco dele quebrar de vez se nada for feito a curto prazo.

– Atualmente, SC tem 1,18 servidor ativo para um inativo. Para se pagar, teria que ser quatro ativos para um inativo. O déficit não está caindo, mas está subindo menos. O que podíamos ter alterado, alteramos, e se não tivéssemos tomado essas medidas aqui, estaria muito pior. Agora é preciso aguardar o que for aprovado de reforma nacional para analisar a melhor legislação para o Estado.

O fato é que só vai começar a haver redução do déficit daqui a uma geração, quando os trabalhadores que estão entrando no mercado agora estarão se aposentando – considera o presidente do Iprev, Roberto Faustino.

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Estudo mostra déficit de R$ 3 bi

O levantamento divulgado pelo Ipea no fim de março aponta que 22 Estados e o Distrito Federal têm a previdência operando com déficit. O estudo coloca SC na faixa das unidades da federação que comprometeram mais de 20% da receita líquida para bancar aposentados e pensionistas no ano da análise, em 2015, com rombo superior a R$ 3 bilhões.

O número, embora não seja especificado em percentual exato, é um pouco maior do que o usado pela Fazenda catarinense – de 16,12% para aquele ano. Isso ocorreu porque os autores do estudo cruzaram mais de um dado sobre o déficit de cada Estado para garantir menor margem de erro, em vez de só colher diretamente os valores repassados pelo Executivo de SC ao governo federal.

De forma geral, foi adotado o seguinte procedimento pelo instituto: uma fonte de dados “padrão” e algumas fontes alternativas (quando disponíveis) foram escolhidas em cada variável de interesse. Em segundo lugar, o grau de consistência das séries de tempo obtidas das bases de dados foi checado individualmente, série a série, Estado a Estado. A partir dessas análises, as melhores séries foram escolhidas e, quando necessário, submetidas a ajustes para corrigir possíveis erros ou quebras estruturais na metodologia.

A reportagem entrou em contato com o Ipea para falar com os autores do levantamento, mas a assessoria informou que eles não concederiam entrevistas.

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Cenário apontado pela Uniãonão existe, dizem especialistas

Doutor em Ciência Jurídica e pós-graduado em Direito Previdenciário, o professor Rodrigo de Carvalho defende que a necessidade de uma reforma ampla existe nos regimes próprios de previdência dos Estados e municípios, mas não no sistema geral do INSS. Para o especialista, o déficit alegado pelo governo federal na verdade não existe – ou não deveria existir. Isso porque, antes de se falar em previdência, é preciso entender o conceito de seguridade social.

Baseada em três pilares – saúde, assistência social e previdência –, a seguridade se sustenta com receitas da União, receitas das contribuições sociais (de empresas e trabalhadores) e de receitas de outras fontes (como multas, atualização monetária e juros moratórios e parte do resultado de leilões de bens apreendidos pela Receita Federal). O dinheiro vai para um caixa único e, conforme Rodrigo, apenas o mau uso dele justifica o rombo:

– Se o governo desse destinação correta à seguridade social, sem dúvida teríamos superávit no INSS. O problema é que usam de manobras contáveis, amparadas em leis na própria Constituição inclusive, que dão margem para outras finalidades. Um exemplo disso é a Desvinculação das Receitas da União (DRU), que permite que 30% da seguridade seja aplicado em outras áreas. A grosso modo, tem muito dinheiro na seguridade, mas não conferem a destinação correta – argumenta.

Compartilha da mesma opinião o mestre e especialista em Direito Previdenciário Rafael Schmidt Waldrich. Para ele, falta clareza nas contas federais.

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– Tecnicamente a previdência do INSS não poderia ser deficitária porque ela faz parte do sistema de seguridade e não há no texto constitucional um orçamento individualizado. Hoje tudo entra num caixa único e não conseguimos entender o fluxo de caixa do custeio. Primeiro teria que haver uma alteração no plano de custeio antes de usar o déficit como justificativa para uma reforma – pontua.

Nesse contexto, os especialistas dizem que há sim mais espaço para os governos estaduais aprimorarem seus sistemas. Entre os itens a melhorar, são citados o pagamento de benefícios acima do teto constitucional, aposentadorias precoces no serviço público e comandos técnicos nos órgãos ligados à previdência, com o objetivo de garantir excelência na gestão.

– São situações que poderiam ser mexidas. Há necessidade de uma mudança estrutural e, com isso, o lapso de pelo menos 30 anos é razoável para começar a inverter a curva – comenta Rodrigo.

“Todas as ações possíveis foram tomadas em SC”

Entevista com: Antonio Gavazzoni, secretário da Fazenda de SC.

Qual o tamanho do impacto da previdência nas contas do Estado hoje?

A previdência é o maior problema que o Estado brasileiro enfrenta e enfrentará nos próximos anos. Em Santa Catarina não é diferente. O déficit é crescente, mesmo com todas as reformas que fizemos. Com aumento da alíquota e formação da previdência complementar para o futuro, ainda assim o maior problema que enfrentaremos é a falta de poupança, que não foi feita ao longo dos últimos 50 anos para garantir os direitos que foram prometidos. Então ela é, sem dúvida nenhuma, o maior problema e continuará sendo pauta permanente nos Estados e na União.

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Quando se espera começar a reverter essa curva da previdência?

Essa curva é uma gestão de dados dramáticos para os Estados e para Santa Catarina também. O déficit continuará crescendo nos próximos 30 anos, que é quando a curva da maturidade do serviço público e da utilidade dos direitos prometidos estará sendo exercida na plenitude. A receita tem crescimento limitado, fundada na cota patronal e na dos servidores, e toda diferença entre despesa previdenciária e receita se chama rombo previdenciário, que continuará sendo crescente nos próximos 30 anos.

Qual a avaliação do governo do Estado sobre a questão nacional da previdência e os reflexos em SC?

Primeiro temos que aguardar para ver quais regras que serão aprovadas nacionalmente. Todas as reformas possíveis por parte do governo do Estado, todas as competências locais já foram executadas. Já fizemos nossas reformas. Acredito que não temos mais alguma matéria para abordar localmente. Temos questões federais, como a idade mínima para aposentadoria, por exemplo. São coisas que precisamos aguardar a definição da política nacional para ver como se aplica em SC.