O casal masoquista um dia se deparou com este problema: nenhum dos dois queria ser o sádico. Claro que o sadomasoquismo demanda duas pessoas, mas a mesma pessoa nem sempre se anima de encarar os dois papéis, não sendo à toa que a palavra homenageia libertinos diferentes, Sade e Sacher-Masoch.

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O que fez o casal? Tentou alterar a data de uma passagem aérea. Um voo para Amsterdã saindo em três dias, tudo certo, mas acharam que a alteração poderia render um bom castigo. “Essa diferença de horário entre Congonhas e Guarulhos não está meio apertada?”, ele disse, malicioso. Não estava, mas ela entendeu o que ele queria e se atiçou toda com a longa noite de punições variadas pela frente.

Vestiram as roupas de vinil, pegaram o telefone, colocaram no viva-voz. Buscar o telefone de atendimento ao cliente no site da companhia aérea já tinha dado uma aquecida, o desprezo estava gostoso, via página oficial e Google não acharam nada, só e-mails, depois só telefones de compra de passagens. De repente, perdido em um blog de clientes em desespero coletivo estava lá, 011 mais oito números.

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Mas agora é que vinha a atendente, a coisa pra valer, o ato em si. Quer dizer, veio depois de sete minutos de “estamos com um grande volume de ligações” e “você sabia que no nosso site você esclarece as dúvidas mais frequentes?”, frases que a cada dez segundos cortavam uma música distorcida tocada por um gramofone. Também estava gostoso.

A atendente, na verdade, é que não estava grande coisa. Sádica light, iniciante no meio. Não entendia de bondage e disciplina. Não recorreu nem àquele “só mais um momento por favor” com a demorada silenciada posterior, a ball gag que emudece a parte castigada. Estava até atenciosa, dizendo “claro” e “sem problemas”. Quando muito, deu umas manjadas chicoteadinhas com uns gerúndios, o que para quem é do BDSM (um acrônimo para Bondage e Disciplina, Dominação e Submissão, Sadismo e Masoquismo) mesmo não vale mais que uns tapinhas marotos no bumbum.

O casal tentou provocar, disse que precisava pagar a alteração da passagem com outro cartão e tal, mas a moça nada, resolveu o problema, alterou a passagem. Desolador.

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Qual não foi, portanto, o frenesi do casal ao ver que a nova passagem saiu com um erro de digitação no sobrenome? Agora sim. A Anac tenta cortar o barato masoquista dizendo que toda companhia aérea é obrigada a corrigir nomes sem cobrar nada. Por sorte, as companhias ignoram a Anac e oferecem aí o seu sadismo avançado. Agora o casal se viu buscando outro centro de atendimento e esperando 23 minutos para ser atendido. Como preliminar, inigualável. O dono daquela companhia alcançou o status de não depender de nenhum número assim, enquanto eles, com o erro, corriam o risco de não embarcar depois de quase um ano economizando para a viagem. Delícia.

Não dá para entrar muito em detalhes, foi pesado, quase tiveram que usar safewords e parar. O atendimento era por reconhecimento de voz. O computador perguntou “qual o seu problema?”, o homem respondeu “alteração de sobrenome do passageiro”, o computador emendou “entendi: alteração de voo”. Muito bom. A dominatrix perfeita. Aquilo sim era uma mordida com vontade no mamilo. Aquilo sim era submissão, ponyplay e as coisas mais hardcore do gênero. Aquilo sim era o que eles mereciam por querer voar com passagens da promoção.

Kafka pode ser excitante com todas aquelas histórias de submissão do começo do século 20, mas para ser uma nulidade rastejante o começo do 21 não vem deixando por menos.

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