Quem acompanha o noticiário político nacional certamente estranharia uma parceria entre o Partido Comunista do Brasil (PcdoB) e o Democratas (antigo PFL). Os motivos parecem claros. Um lado esteve ao lado dos governos petistas, foi contra o impeachment de Dilma Rousseff e integra a chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tentativa de retorno ao Planalto. O outro permaneceu na oposição, ajudou a articular a queda da petista e apoia o tucano Geraldo Alckmin (PSDB).
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No cenário catarinense, isso não incomodou os integrantes das legendas, que se aliaram para apoiar o deputado estadual Gelson Merisio (PSD), que tenta se eleger como governador do Estado.
Esse é apenas um dos casos de contradições nas principais chapas que disputam o governo estadual no estado. Na chapa do deputado Mauro Mariani (MDB), os partidos que o apoiam fazem parte das campanhas de cinco presidenciáveis. Já o grupo que apoia Merisio poderia subir ao palanque de oito dos postulantes à Presidência da República.
As coligações são tão diversas que o PT, que na chapa de Fernando Haddad tem o PROS, além do PCdoB, terá que concorrer sozinho com o deputado federal Décio Lima ao governo estadual, já que os dois partidos decidiram apoiar a candidatura de Merisio.
As únicas chapas que são exatamente iguais às nacionais são as de Leonel Camasão (PSOL), que se coligou ao PCB, e a de Igrid Assis (PSTU), que manteve a decisão majoritária de seguir com chapa pura. O Novo, que terá apenas candidatos a deputados federais, também deve manter o apoio ao candidato à presidência pela legenda, João Amoedo.
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Já entre os quatro partidos sem candidato a presidente, dois lançaram candidatos ao governo estadual: PCO e PMN. As outras duas legendas, sem presidenciáveis, PSB e PRP, decidiram conceder apoio a Merisio.
Amigos ou rivais?
Nas chapas de Merisio e Mariani há outra curiosidade. Em âmbito nacional, o MDB, que lançou o ex-ministro Henrique Meirelles à disputa presidencial, coligou-se apenas com o PHS. Em Santa Catarina, os dois partidos são adversários nas chapas compostas pelos dois deputados.
A mesma situação acontece com PDT e Avante, que apoiam o mesmo candidato à Presidência, Ciro Gomes (PDT), mas são adversários na disputa local.
Partidos liberados
A direção de campanha do deputado Merisio, no entanto, liberou as legendas que o apoiaram para que elas façam campanhas para os próprios candidatos nas eleições majoritárias, salvo no caso do cargo de senador.
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Na pré-campanha, o candidato esteve em eventos promovidos por todos os presidenciáveis apoiados pelas legendas da coligação. Ele também não deve apoiar nenhum candidato específico no primeiro turno. Caso haja segundo turno, aí ele deverá se posicionar.
O mesmo posicionamento foi tomado pela campanha de Mauro Mariani. Em nota, o candidato informou que “respeita a autonomia dos partidos aliados diante do cenário nacional”.
Também por nota, o deputado Décio Lima disse que o PCdoB e o PROS poderão participar de atos da campanha presidencial de Lula. “Todos que apoiam Lula na chapa nacional são bem-vindos, independente da posição que estão tomando aqui no estado”, diz.
Apesar da receptividade, o presidente do PROS em Santa Catarina, Tânio Barreto, afirma que o diretório estadual não apoia a candidatura de Lula. De acordo com ele, a direção nacional liberou os estados para promoverem as coligações que considerassem mais relevantes.
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O DC tentou contato com o PcdoB, PT e DEM. Nos dois primeiros, ninguém retornou os contatos da reportagem. Já no diretório estadual do DEM, ninguém atendeu as ligações.
Falta de verticalização é histórica, diz cientista
Para o cientista político Valmir Passos, essa situação é histórica no Brasil e não ocorre somente em Santa Catarina. O especialista, contudo, diz que isso contradiz a própria concepção de formação político-partidária. “O partido é nacional, então deveria seguir uma mesma diretriz”, afirma.
Em vez disso, contudo, o pragmatismo é o principal motivo para a formação das coligações. Passos diz que as legendas preferem se unir a candidatos com potencial de voto e, não necessariamente, com semelhanças ideológicas. Outro ponto considerado nas alianças é o tempo de campanha em rádio e TV, que pode variar de acordo com o tamanho do bloco multipartidário.
Passos explica que isso também é visto entre os eleitores. Uma pesquisa divulgada pelo Datafolha, na sexta-feira (24), mostrou que 64% dos entrevistados declararam não ter preferência política. O número é bastante superior ao obtido pelo PT, legenda mais citada no levantamento por 24% das pessoas, e do MDB, em segundo, com 4%.
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O cientista acredita que essa formação personalista do eleitorado vem desde os tempos da monarquia, quando o imperador assumia o papel de estado e era visto como quem deveria resolver os problemas da população e segue até os dias atuais. “No governo Vargas, nós também vimos essa questão bem forte, assim como na ditadura militar. O lulismo é maior que o petismo, assim como a Rede se personifica na Marina Silva”, lembra.
Coligações seguem em 2020
Até 2006, os partidos políticos eram obrigados a manter em âmbito estadual as coligações que fossem formadas pelos diretórios nacionais. A medida partia de um entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o tema. No entanto, a Corte acabou mudando a posição, dando fim à regra.
A alteração permitiu que os partidos pudessem escolher com quem queriam se coligar, em qualquer esfera, o que abriu a possibilidade de possíveis contradições entre as legendas.
Após a minirreforma eleitoral, aprovada em 2017 no Congresso, ficou definido que as coligações vão acabar para as chapas proporcionais, ou seja, nas eleições de vereadores e deputados federais e estaduais.
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A regra, contudo, não vale para as majoritárias, no caso de prefeitos, governadores e presidente. Nesses casos, os partidos ainda podem fazer as coligações que considerarem mais relevantes. Até lá, caberá ao TSE definir os detalhes e as regras para que as coligações se formem.