Um tuíte que viralizou nas redes sociais engana ao afirmar que “China e FDA aprovaram o uso da cloroquina como 100% eficiente na cura da covid”. FDA é a sigla da Food and Drug Administration, autoridade sanitária dos Estados Unidos, que não recomenda o medicamento contra o novo coronavírus sob a alegação de que “os benefícios não superam os riscos conhecidos e potenciais para o uso autorizado”.

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Já a Comissão Nacional de Saúde da China anunciou em um novo protocolo que a cloroquina, em sua forma de fosfato, pode ser usada como droga experimental no tratamento da covid-19. O órgão, no entanto, reforça que não há nenhum medicamento antiviral com eficiência cientificamente comprovada no combate à doença. 

No texto, publicado no dia 19 de agosto, a autoridade chinesa faz algumas ressalvas: a droga pode ser usada apenas por pacientes entre 18 e 65 anos, no período máximo de sete dias e com um médico acompanhando o caso de perto para que, se surgir algum efeito colateral grave, possa parar a administração da droga imediatamente.

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A notícia sobre a recomendação da cloroquina foi comemorada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em uma de suas lives nas redes sociais. Ao comentar o protocolo chinês, ele mostrou uma caixa de hidroxicloroquina, um derivado da cloroquina que não é recomendado pelo país asiático.

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Como verificamos?

O Comprova vem publicando desde o início de junho conteúdos relacionados à pandemia, e em verificações recentes já abordou o posicionamento da FDA em relação à cloroquina. Para esse texto, pesquisamos no site do órgão para investigar se havia ocorrido alguma atualização, mas não encontramos nada que indicasse isso.

Para saber se houve alguma novidade em relação a tratamentos na China, usamos como fonte de informação inicial uma reportagem da Folha de S.Paulo, que afirma que o país recomenda a cloroquina. A reportagem cita o South China Morning Post, jornal da nação asiática. Pelo Twitter, tentamos entrar em contato com a repórter que assina a matéria e enviamos dois e-mails com pedidos de entrevista a um professor que foi consultado para a elaboração do texto do jornal chinês. Nenhum dos dois retornou os nossos contatos.

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Em pesquisa no site da Comissão Nacional de Saúde da China, encontramos a publicação sobre as novas diretrizes – o órgão republicou uma reportagem do jornal China Daily, controlado pelo governo.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 25 de agosto de 2020.

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Verificação

Protocolo chinês

Na primeira atualização de suas diretrizes de tratamento contra a covid-19 desde março, a Comissão Nacional de Saúde da China afirma que o “fosfato de cloroquina ainda pode ser usado como droga experimental para pacientes entre 18 e 65 anos, e o tratamento não deve exceder sete dias”. O texto ainda informa que um médico pessoal deve acompanhar de perto o paciente e interromper a administração da droga imediatamente, caso surjam efeitos colaterais sérios.

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O protocolo faz outra ressalva: “alguns medicamentos podem demonstrar um certo grau de eficácia para o tratamento em estudos de observação clínica (considerados os mais confiáveis), mas não existem medicamentos antivirais eficazes confirmados por ensaios clínicos duplo-cegos e controlados por placebo (quando, para evitar vieses, nem os pesquisadores nem os participantes sabem quem recebeu placebo)”.

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As novas diretrizes afirmam ainda que “outros medicamentos antivirais recomendados incluem interferon e arbidol, e a ribavirina deve ser usada com lopinavir ou ritonavir”. De acordo com a Comissão, a hidroxicloroquina – outra variante da cloroquina em uso no Brasil – não é recomendada.

O protocolo, de 19 de agosto, cita o risco de o novo coronavírus se espalhar novamente no país, “já que a pandemia global ainda está ocorrendo e a situação pode persistir por um tempo” e reforça que diagnosticar a doença logo no começo, fazer quarentena e tratamento são ações cruciais para melhorar os índices de cura e reduzir a taxa de mortalidade.

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FDA

Já a FDA, agência americana responsável por controlar a segurança de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos, revogou em junho deste ano a autorização emergencial para o uso da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da covid-19.

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Segundo o órgão, nenhuma das drogas têm efeito antiviral satisfatório. “Além disso, à luz de eventos adversos cardíacos graves em curso e outros efeitos colaterais graves, os benefícios conhecidos e potenciais de CQ (cloroquina) e HCQ (hidroxicloroquina) já não superam os riscos conhecidos e potenciais para o uso autorizado”, afirma o comunicado.

Até então, o uso era permitido apenas em pacientes hospitalizados quando não havia disponibilidade ou viabilidade de ensaios clínicos.

Em julho, o FDA publicou um resumo de análises de segurança sobre o uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento de covid-19 nos Estados Unidos. O documento inclui relatos de problemas cardíacos graves, lesões renais e insuficiência hepática.

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Cloroquina no Brasil

O presidente da República, Jair Bolsonaro, é defensor do uso da cloroquina e de seu derivado, a hidroxicloroquina, mesmo sem comprovação científica. Ele ordenou que o Laboratório do Exército produzisse os medicamentos e a pressão pela adoção das substâncias custou o cargo de dois ministros da Saúde: Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.

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Em maio, o Ministério da Saúde, já sob a gestão do interino Eduardo Pazuello, alterou o protocolo e ampliou a possibilidade do uso dos medicamentos para pacientes com sintomas leves da covid-19 – até então, eram recomendados apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais.

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Em suas lives, Bolsonaro costuma defender o uso das drogas. No início de agosto, ao ao lado de Pazuello, disse: “Quem não quer tomar cloroquina, não tente proibir, impedir quem queira tomar, afinal de contas, ainda não temos uma vacina e não temos um remédio comprovado cientificamente”. Mais recentemente, logo após a publicação das novas diretrizes do governo chinês, afirmou em sua live semanal: “A nossa cloroquina chegou na China. Vamos ver o que a grande mídia vai falar sobre isso aqui”.

Um dia depois, a hashtag #mandettagenocida#mandettagenocida ficou entre os trending topics no Twitter. Apoiadores do presidente atacaram o ex-ministro da Saúde porque ele resistiu a adotar a cloroquina e a hidroxicloroquina no protocolo da doença, como era a vontade de Bolsonaro.

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Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados às políticas públicas e à pandemia do novo coronavírus. No caso da covid-19, mentiras e boatos que se espalham pelas redes sociais são ainda mais perigosos porque podem custar vidas.

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Mesmo havendo pesquisas amplamente divulgadas apontando os efeitos colaterais perigosos da cloroquina e da hidroxicloroquina, o uso delas é endossado tanto pelo presidente brasileiro quanto pelo americano, Donald Trump.

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A Organização Mundial de Saúde também não recomenda o uso dos dois medicamentos fora dos testes clínicos. Contudo, desde o início da pandemia, eles vêm sendo usados politicamente tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a despeito das evidências científicas quanto à sua eficácia. O Comprova já publicou algumas verificações relacionadas a essas duas drogas, como a do post que engana ao dizer que a cloroquina cura 98,7% dos pacientes com o vírus e a da frase do presidente Bolsonaro, que disse que o medicamento teria salvado 100 mil vidas no Brasil.

A postagem verificada aqui foi curtida 2,6 mil vezes e compartilhada outras 698 no Twitter até o dia 25 de agosto.

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Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado ou aquele que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor, intencionalmente ou não.

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A checagem acima foi produzida pelo Projeto Comprova, iniciativa que reúne a NSC Comunicação e outros 23 veículos de mídia do país no combate à desinformação.

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