A pulverização da modalidade criminosa conhecida como clonagem de veículos, quando bandidos adulteram carros furtados ou roubados e os recolocam em circulação, tornou-se aliada de quadrilhas especializadas para série de crimes em Santa Catarina. A Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic), em Florianópolis, e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) afirmam que esse tipo de atividade ilícita está cada vez mais frequente no Estado. Só este ano, dos 159 carros recuperados pela Deic, cerca de 70% eram clonados – e outras dezenas de veículos na mesma situação foram apreendidos pela PRF em 2017.

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Esse tipo de crime alimenta uma cadeia de outros delitos, como receptação e adulteração dos veículos roubados, falsificação de documentos, furtos de placas, venda de peças sem procedência, transporte de drogas, entre outros. A clonagem é alavancada pela venda ilegal de placas frias pela internet, por adulterações em vidros e chassis feitas por criminosos especializados e pela dificuldade em obter financiamentos para veículos no Estado.

Na prática, há automóveis em circulação nas ruas com a aparência de serem legalizados, mas na verdade são produtos de crimes – e, em muitas vezes, usados para outras práticas criminosas. Repassados a outros bandidos ou nas mãos dos próprios clonadores, os veículos são usados para assaltos a bancos, transporte de drogas e outros itens ilegais, como cigarros contrabandeados, sequestros e até homicídios.

Um crime ocorrido em frente ao Mercado Público de Florianópolis, em março, é um exemplo. O Vectra dirigido pelos atiradores que mataram Vilmar de Souza Júnior, o Juninho, era clonado. O carro havia sido furtado no Rio Grande do Sul e trazido para Florianópolis, onde recebeu placas de um modelo igual furtadas no bairro Trindade.

Em média, a polícia afirma que o preço do veículo clonado fica bem abaixo ao de mercado para quem compra. Estima-se que o clone de um carro popular custe entre R$ 5 mil e R$ 15 mil, enquanto os mais robustos e de luxo variem de R$ 15 mil a R$ 30 mil.

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– De alguns anos para cá, os criminosos deixaram bastante de usar os carros adquiridos em financiamentos e que depois não honravam as parcelas (chamados NP). Então, partiram para a adulteração. Normalmente, os veículos clonados já saem adulterados do Rio Grande do Sul para Santa Catarina – diz o delegado da divisão de furtos e roubos de veículos da Deic em Florianópolis, Rodrigo Bortolini, apontando o índice maior de furtos no Estado vizinho.

O inspetor chefe da comunicação da PRF em Santa Catarina, Adriano Fiamoncini, afirma que até carretas clonadas são encontradas no Estado:

– São veículos de vários Estados. A pergunta é: de onde conseguem tantas placas e documentos?

A clonagem também prejudica o dono do veículo original, que também se torna vítima, pois geralmente recebe infrações de trânsito em seu nome que jamais cometeu. Além disso, corre risco de perder a carteira de motorista em razão dessas multas.

Estado não tem controle de peças revendidas de roubos

A clonagem de veículos movimenta também o comércio clandestino de peças, com foco, principalmente, no Norte, no Litoral Norte, no Vale do Itajaí e na Grande Florianópolis, segundo a Deic. Recentemente, em uma operação realizada em uma loja de auto-peças nas margens da Via-Expressa, em Florianópolis, foram encontrados 13 motores de veículos furtados. O dono do comércio foi preso e solto mais tarde.

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A atividade de desmanche e revenda de peças de veículos no país é regulamentada pela Lei 12.997/2014. A legislação atribui a fiscalização aos Estados, mas, em Santa Catarina, o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) ainda não cumpre o dispositivo. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, quem cuida do assunto é a comissão de leilões do Detran, que informou que a questão financeira impede a criação de um sistema para fazer o controle. O DC não conseguiu contato com o presidente do Detran, Vanderlei Rosso.

Apenas em maio deste ano, 1.348 veículos foram levados por ladrões em Santa Catarina. A boa notícia é o índice de recuperação por todas as polícias que atuam no Estado, considerado significante diante da experiência das equipes envolvidas: foram 928 veículos localizados e recapturados no mesmo período. A Deic mantém uma divisão especializada neste crime e, em 2017, efetuou 45 prisões relacionadas a roubo e furto de veículos. Só os 159 veículos recuperados pela Deic somam um valor de R$ 5,5 milhões.

Em 2016, a Deic identificou e prendeu ao menos nove integrantes de uma organização criminosa especializada em furtos de veículos, adulteração, receptação e associação criminosa. A base do bando era Itapema, Litoral Norte, região tida pela polícia como de intensa atuação de clonadores.

Os envolvidos flagrados em escutas telefônicas agiam de forma articulada para abastecer o lucrativo comércio de peças usadas, que vem crescendo, segundo a investigação. Tinham a preferência por caminhões ou vans, que eram furtados no Oeste aos fins de semana – para que as vítimas tivessem conhecimento apenas na segunda-feira, frustrando uma primeira ação policial. Um deles, levado de Chapecó, estava cheio de roupas e peças de vestuário, que foram distribuídas entre os comparsas.

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O bando encomendava furtos de veículos e aliciava menores. Na apuração consta que os criminosos conseguiam documentos de veículos falsificados e preenchidos por R$ 100. Segundo o delegado Rodrigo Bortolini, um dos principais líderes da quadrilha, Jhonatan Edino Pereira, o Djow, ainda está foragido e é procurado pela polícia. Ele tem quatro mandados de prisão, conforme o delegado. Essa ação penal tramita na Justiça em Itapema e está na fase de sentença.