Tem quem prefira ver o bem e o mal separados por uma linha bem definida. Já Clint Eastwood vê entre esses dois extremos uma faixa larga e nebulosa que torna bem mais complexos os caminhos dos que nela transitam. Como os personagens de seus grandes filmes.

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Essa acurada visão do veterano realizador sobre as nuanças do caráter e das fraquezas humanas faz de J. Edgar, em cartaz a partir de hoje, um filme admirável. Eastwood tem como personagem John Edgar Hoover, o poderoso e temido chefão do FBI que, conforme o ponto de vista, figura na história do século 20 como um heroico patriota, um desprezível canalha ou ainda um heroico canalha.

Esse personagem fascinante é acompanhado por Eastwood ao longo de mais de 50 anos. E o perfil que resulta dessa abordagem cronológica tão ampla é dramaturgicamente muito melhor encenado do que, por exemplo, o capítulo particular que o diretor extraiu da biografia de Nelson Mandela em Invictus.

Interpretado com empenho por Leonardo DiCaprio, Hoover é dissecado por Eastwood em toda sua complexidade. Jovem advogado que ascendeu no Departamento de Justiça dos EUA caçando agitadores comunistas, em 1919, Hoover ascendeu ao comando do órgão federal de investigação que ele próprio ajudou a modelar e que, em 1935, passou a ser conhecido como FBI (Federal Bureau of Investigation) – o qual chefiou até sua morte, em 1972, atravessando incólume a gestão de oito diferentes presidentes.

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Esse feudo particular e longevo, um anacronismo num país que se orgulha da engrenagem de sua democracia, explica-se pelo fato de Hoover ter feito uso particular de sua eficiente e moderna estrutura de combate ao crime. No decorrer da vida, organizou um arquivo pessoal secreto com dossiês comprometedores de figuras poderosas, que foi seu salvo-conduto para permanecer no cargo.

Se aborda com eficiência a face pública do personagem, Eastwood é ainda mais feliz na representação do Hoover em sua vida privada. Sujeito conservador, sociopata, racista e obcecado pela figura da mãe, ele tentou manter tão secretas quanto seus valiosos arquivos a homossexualidade e a relação com seu número 2 no FBI, Clyde Tolson (Armie Hammer). Conflito trancafiado num armário que nenhum de seus inimigos conseguiu abrir.

Hoover, destaca Eastwood, fez uso ilegal e abusivo de armas não convencionais para se manter no poder. Mas esse arsenal teria pouca valia se seus poderosos adversários, posando de cidadãos acima de qualquer suspeita, não lhe fornecessem a munição.

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