A clínica de luxo F Coaching, com unidades em Joinville e Balneário Camboriú, funcionava até como farmácia, mesmo tendo alvará apenas para atuar em serviços de estética e nutrição. De acordo com o Ministério Público, com protocolos médicos produzidos sem aval técnico pelo coach Felipe Francisco, nutricionistas ou demais funcionários, os medicamentos de uso controlado eram solicitados em larga escala e depositados em uma espécie de estoque montado nos estabelecimentos.
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Os detalhes da denúncia que prendeu coach e outros médicos de Joinville e Balneário Camboriú
A informação consta na superdenúncia do MP protocolada no início de outubro. Nesta segunda ação, Felipe e outras 21 pessoas foram acusados de receitar e vender ilegalmente medicamentos de uso controlado. Com exceção da mãe do coach, os citados — entre médicos, biomédicos, nutricionistas e profissionais administrativos — já haviam sido denunciados no mês passado por integrar e promover organização criminosa pela atuação dentro das clínicas de luxo do empresário.
A novidade que surge nesta segunda ação, a principal contra a clínica de luxo, é o nome de uma enfermeira. A acusação aponta a mulher como responsável por fazer a aplicação de alguns injetáveis e até fazer coleta de sangue de clientes, sem o local ter alvará para isso.
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De acordo com a promotora de Justiça Elaine Rita Auerbach, nem sempre os pacientes recebiam receitas médicas durante os atendimentos na F Coaching, mas, quando recebiam, essas guias eram falsas, já que médicos que faziam parte do esquema deixavam diversas dessas prescrições em branco assinadas mesmo sem nunca terem atendido ou receitado as substâncias a aqueles clientes. O documento era preenchido, segundo o MP, por Felipe ou por seus funcionários.
— Estavam agindo como um laboratório farmacêutico. O manipulado, por exemplo, é uma exceção, tem que ter uma individualidade específica pra cada paciente, mas junto com a farmácia criaram rótulos e protocolos, deram nomes e vendiam em larga escala — explica a promotora.
Elaine ainda acrescenta que, dentro da organização, a F Coaching atuava como farmácia, já que manipulava as próprias receitas, e as farmácias de manipulação como indústria, já que produziam os remédios.
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Rótulos falsos e medicamentos do Paraguai
Inicialmente, as duas farmácias descritas como “o braço farmacêutico da organização criminosa” faziam as entregas dos medicamentos apenas por solicitação no WhatsApp, sem exigir a guia médica. Com o decorrer do tempo, funcionários da clínica de luxo de Felipe Francisco passaram também a comprar e buscar essas substâncias e abasteciam, de forma ilegal, uma espécie de farmácia dentro do espaço.

Os receituários eram feitos em nome dos próprios trabalhadores ou de clientes escolhidos “a bel-prazer”, como define a promotora. Elaine ressalta, inclusive, que esses remédios eram armazenados sem a refrigeração necessária e tinham origem clandestina. Trazidos do Paraguai, portanto, não tinham registro na Anvisa.
No dia em que foi desencadeada a Operação Venefica, inclusive, algumas das medicações apreendidas preparadas para aplicação em pacientes já estavam abertas para serem reutilizadas e alguns até fora do prazo de validade.
Além das receitas médicas serem falsas, o MP ainda destaca na denúncia que as substâncias vendidas, sem regulação dos órgãos sanitários, continham informações falsas ou rótulos que não condiziam com a quantidade ou remédio prescrito a fim de encarecer o produto.
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— Também tinha fraude de preços, já que cobravam de 270% a 300% acima do que foi prescrito se os clientes comprassem em farmácias comuns. As vendas feitas pelo Felipe mudavam de acordo com o perfil financeiro do paciente e o lucro dele era muito maior que os nutricionistas — detalha a promotora.
Além de Felipe e da ex-esposa e nutricionista Letícia Cristina Baptista — ambos presos em Joinville —, outros profissionais da área de nutrição, biomédicas e a enfermeira envolvidas no esquema ficavam responsáveis pelo consumo desses remédios, já que os protocolos não receitavam apenas comprimidos e cápsulas, mas também substâncias injetáveis, principalmente anabolizantes e hormônios de crescimento muscular.
Além da aplicação no local, motoboys foram contratados para que entregassem os anabolizantes e demais hormônios na casa de alguns pacientes, para que eles mesmos pudessem fazer as aplicações.
— Como era praticamente uma farmácia, não se tinha o controle dos medicamentos sobre quem era o paciente, como que ele vai tomar, como deve ser depositado.
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Organização criminosa foi dividida em cinco eixos
Conforme o Ministério Público, não é possível saber quando exatamente a quadrilha liderada por Felipe teve início, mas pelo menos desde 2010 ele e a mãe — que chegou a ser encaminhada ao presídio e agora está em prisão domiciliar — passaram a registrar empresas em nomes de laranjas.
O coach, inclusive, chegou a ser preso e condenado por atuar como nutricionista sem ter formação na área e vender medicamentos sem registro no Paraná, mas conseguiu livrar-se das grades. Mesmo monitorado por tornozeleira eletrônica, a partir de 2017, ele voltou a cometer os crimes, mas, desta vez, com esquema mais sofisticado, visando não deixar rastros.
Foi assim que montou uma espécie de estrutura administrativa para operacionalizar as clínicas, fazendo parceria com profissionais que passaram a compôr a “engrenagem ilícita”. Este movimento, segundo o MP, foi fundamental para que os crimes “fossem cometidos por tanto tempo e para que fosse mantida a impunidade do bando”.
O “núcleo técnico”, portanto, foi dividido em cinco eixos:
- Nutricionistas: a quem cabia fazer as prescrições de substâncias medicinais, psicoativas, e de uso controlado mediante a obtenção de “altas comissões”;
- Biomédicas: a quem cabia a aplicação dos injetáveis, como anabolizantes e medicamentos manipulados injetáveis de protocolos criados por Felipe na própria clínica;
- Médicos: a quem cabia a assinatura das receitas efetuadas por Felipe e pelos nutricionistas, ou a autorização mediante contraprestação financeira para a livre emissão de receitas médicas com seus dados e assinaturas;
- Funcionários do administrativo: a quem cabia a guarda, depósito e controle do estoque dos medicamentos para a venda, substâncias ilicitamente vendidas e entregues a consumo no local, assim como a aquisição de tais produtos, realização de pedidos dos produtos com fins terapêuticos e medicinais, em sua grande maioria anabolizantes e manipulados prescritos pelo bando e a sua entrega aos consumidores;
- Farmácias de manipulação: as quais aviavam as receitas ilicitamente recebidas dos integrantes da F Coaching, alteravam produtos para fins terapêuticos e medicinais, criando compostos em desacordo com as autorizações e normas sanitárias, omitiam informações nos rótulos das fórmulas, e ainda incluindo no rótulo, muitas vezes, substâncias diversas daquelas constantes na composição do produto, com o único fim de criar um falso encarecimento desses produtos para garantir o superfaturamento da quadrilha.
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