Gloria Pires cunhou a imagem de Ana Terra no imaginário nacional. Passadas quase três décadas da minissérie O Tempo e o Vento, é a vez de Cleo suceder a mãe na pele de uma das mais emblemáticas personagens da literatura brasileira, a convite do diretor Jayme Monjardim que levará a saga de Erico Verissimo aos cinemas.

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A atriz de 29 anos, contudo, não teme comparações. Na bela estância São Francisco, em Bagé, na campanha gaúcha, onde parte das filmagens estão sendo realizadas, Cleo está dedicada a dar forma à sua Ana Terra, em um cuidadoso trabalho em conjunto com a preparadora de elenco Patricia Carvalho-Oliveira. Mas sem ter a célebre interpretação de sua mãe como parâmetro.

– Não busco referências ou inspirações. Gosto de fazer as coisas do meu jeito – comentou Cleo, em um intervalo das filmagens, para logo adiante fazer uma deferência à mãe e colega de profissão – É uma atriz que admiro muito, também por seu entendimento do ofício e o tamanho que ela dá para isso.

Gloria, aliás, deu força para a filha viver Ana Terra:

– Quando falei para ela do convite do Jayme, ela me disse: “Que legal, minha filha, é tão linda essa obra, você deveria fazer”.

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Este será um ano cheio para Cleo. Além de ter gravado um episódio de As Brasileiras, ela está dedicada às filmagens de O Tempo e o Vento e, em seguida, começar a gravar Salve Jorge, próxima novela das nove, de Glória Perez. Mas, como ela mesma conclui, a vida anda tão boa, que tão precioso quanto o momento de encarnar os personagens é despi-los para voltar para casa, junto do marido, o publicitário João Vicente de Castro (filho do jornalista gaúcho Tarso de Castro). Ele inclusive esteve em Bagé para ver a mulher no fim de semana passado.

– O João foi embora hoje (segunda-feira) cedo, não deu nem para curtir tanto. Mas acho que vai voltar todos os finais de semana, não consigo ficar sem ele.

Nas entrevista a seguir, conheça a Ana Terra de Cleo.

Donna – Ana Terra é um personagem mítico da literatura brasileira e ficou marcado no imaginário nacional pela interpretação da sua mãe na minissérie O Tempo e o Vento. Como você recebeu esse convite?

Cleo Pires – Ana Terra, para mim, é o símbolo da essência feminina. Tem muitos conflitos e desejos, tem que responder à normas da sociedade, no caso dela, da família, que é a única sociedade que ela conhece. Gosto de papéis de mulheres fortes, que têm a dizer.

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Donna – Ao receber o convite, você chegou a pensar antes de aceitar. Por quê?

Cleo – Quando era adolescente, li O Tempo e o Vento na escola, e alguém ou minha mãe me disse que ela tinha interpretado aquele papel. Aí, fui vendo as coisas por que Ana Terra passava e fiquei apavorada – era muito protetora com a minha mãe. Nem lembro se cheguei a ver a minissérie. Era anos 90, não devia nem ter como ver, não sei se minha mãe tinha a fita. Mas ficou tão vivo no meu imaginário que não lembro se vi ou se imaginei (risos). Então, quando o Jayme me convidou, veio direto o meu emocional infantil ainda, aquele trauma de imaginar minha mãe fazendo a cena de estupro… Mas pensei: “Peraí, eu estou parada no tempo, neste lugar emocional, e não estou vendo o personagem que está diante de mim e a oportunidade de contar a história dessa mulher. Quero passar por isso, quero viver isso, adoro viajar a trabalho, conhecer lugares e culturas novas. Estou sendo reativa a algo que ocorreu lá atrás (risos)”.

Donna – Talvez, então, você nem tenha visto essas cenas que lhe marcaram tanto.

Cleo – Sabe que até hoje eu não gosto de ver essas cenas com a minha mãe? Sei que é bobagem. Racionalmente, sei que não tem por quê (risos). Mas emocionalmente me pega… Não sei, devo ter sido mãe dela em outras vidas.

Donna – Quando foi convidada para estrear na TV no remake de Cabocla, outro personagem conhecido de sua mãe, você recusou. Agora, se sente mais à vontade para fazer um personagem que foi da Glória?

Cleo – Naquela época, eu havia feito uma protagonista no cinema (Benjamim, em 2003), mas meu instinto me dizia que ser uma protagonista de novela exigiria a mesma intensidade de você por muito mais tempo. No cinema, são dois, três meses no máximo, em novela são oito meses direto de entrega total, e eu não estava preparada para aquilo.

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Donna – A questão de repetir um papel de sua mãe não era o problema, então.

Cleo – As leituras dos personagens são muito pessoais. As pessoas podem comparar se elas quiserem, não tenho domínio sobre isto, mas isto também nunca me incomodou.

Donna – O que representa para você fazer uma personagem que já foi de sua mãe?

Cleo – É simbólico, né? Sabe família de circo, que o filho leva em frente uma herança do pai? Acho que tem isso também, não só o personagem, mas o fato de você seguir a carreira de sua mãe ou do seu pai tem um dado genético, algo emocionante. Vejo as minhas irmãs – Antônia é atriz, fez teatro, está superempenhada, e a Ana acabou de fazer uma participação em As Brasileiras (ao lado de Gloria, no episódio A Mãe da Barra) – e fico emocionada. Fico imaginando a minha mãe, que é mãe, como não se rasga inteira de emoção.

Donna – Como é a sua Ana Terra?

Cleo – A energia essencial dela é de libido, de vontade de vida, de curiosidade, um estado de excitação natural por estar viva e saber que há um mundo além do que esse onde ela vive. É uma mulher em que o estado de espírito não cabe onde ela está, ela precisa de mais, fazer mais, conhecer mais. Ela está em ebulição neste estado inicial, potencial para ser uma guerreira. É mulher muito sábia, assim como a mãe, que tinha que ter paciência e sabedoria para conseguir o que queria: em uma família de homens opressores e donos da verdade, onde não há muito como bater de frente. Acho que essa sabedoria ela tem, a paciência e a serenidade.

Donna – Quando vocês estavam vendo as imagens filmadas, a preparadora de elenco chamou você de Ana. E ela costuma dizer: “Cleo, você é a Ana Terra”.

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Cleo – É bom ter uma pessoa de fora que compra a onda que você está comprando também. Eu me envolvo tanto com o personagem, entro tanto no mundo dele, que às vezes é difícil voltar. Não assim: “Ah, vai ficar correndo pelo pasto”, nada disso (risos). Mas as sensações das memórias que a gente cria e de tudo isso. Por isso mesmo, em alguns momentos bloqueio. Fico tão apaixonada pelo personagem e pela história que às vezes tenho medo de entrar nesse buraco e não sair mais (risos). Então ela fica me pescando e me jogando na água de novo. É quase isso (risos).

Donna – Como foi a interação com a Suzana Pires, que interpreta Ana Terra mais velha?

Cleo – Desde o início, tivemos a preocupação de entender a personagem da mesma forma, ter uma continuidade. Foi um trabalho de muita parceria, o que é muito difícil entre mulheres infelizmente – e senti isso muito na pele já. Mas com ela é muito legal. É uma mulher parecida comigo nessa questão, sem picuinhas, sem competiçãozinha desleal, é tudo muito direto e reto, e a gente se dá muito bem por isso.

Donna – Essa imersão no interior gaúcho, no mesmo cenário de Ana Terra, tem contribuído para a construção do personagem?

Cleo – A gente tem sorte de poder ficar imbuído desse ambiente, dessa história desse ar, dessa energia. Não seria a mesma coisa sem essa oportunidade. Eu não conhecia o interior do Estado, Me apaixonei pelo “merece” (como, em Bagé, se costuma retribuir a quem diz obrigada), só quero ouvir isso na minha vida, é tão carinhoso…

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Donna – Vi que você carrega uma mateira.

Cleo – Tenho duas (risos). A família do meu marido é de Passo Fundo, então a gente já tomava em casa. Cheguei aqui e comprei duas cuias, gosto desse ritual. E me faz bem acordar em casa e tomar um mate em jejum.

Donna – Vocês vivem no mesmo condomínio que sua mãe e suas irmãs. Como é essa vizinhança?

Cleo – Moramos em frente da minha mãe. Nós somos muito amorosos, mas respeitamos muito o espaço um do outro. E sou muito ermitã: o João é a minha pessoa, a pessoa que escolhi, então minha família é ele, nossos cachorros e, futuramente, nossos filhos. Há todo um funcionamento da nossa casa, nossa família. A gente não se vê todo dia, mas se fala sempre.

Donna – Vocês têm se falado durante as filmagens?

Cleo – Ela sempre pergunta como está aqui, coisas de mãe. Pergunta do tempo e diz “Aí é frio, né minha filha?”. Já contei para ela que estou totalmente gaúcha, que comprei bombacha e estou tomando mate.

Donna – Ao contrário da maioria dos atores brasileiros, você estreou no cinema e, desde então, tem se dividido quase igualmente entre novelas e filmes.

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Cleo – Cinema é minha grande paixão. Comecei no cinema. Realmente não sabia o que queria fazer, não achava que queria ser atriz, tinha uma banda, queria ser cantora. Sempre volto aos momentos da minha vida e fico analisando eles. Esses dias eu estava lembrando que, quando era adolescente e criança, eu via filmes, gostava de algumas cenas, guardava elas e ficava querendo, quase esquizofrenicamente (risos), fazê-las na minha vida real. Quase calculava as coisas na minha vida para fazer uma cena de que gostava. Contei para a Suzana, e ela disse que eu já queria ser atriz e não sabia.

Donna – Que cenas você queria ter vivido?

Cleo – Eu adorava Velocidade Máxima, e ficava me colocando em situações de aventura para ver se acontecia algo assim (risos).

Donna – A preparadora de elenco Patrícia Carvalho-Oliveira contou que provoca os atores a ter uma música para ligar ou desligar do personagem. Qual a sua música para se ligar e desligar da Ana Terra?

Cleo – Animal, do Miike Snow. Não sei se é ansiedade, mas vivo muito intensamente as coisas e depois elas acabam: nos primeiros dois dias, a música vem muito intensamente, mas depois ela não me causa mais nada e tenho de ficar trocando (risos). Já tive fases em que não queria desconectar. Era quase como se a vivência do personagem preenchesse algo dentro de mim. Mas a minha vida hoje é tão rica, tenho tantas coisas pelas quais sou apaixonada, meu amor, meus projetos sociais, meus cachorros, tantas coisas para as quais eu quero querer voltar, que para mim é importante desconectar e conectar.

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