“Peguem a mochila, escutem os outros.” Estes são recados dados pela profissional de recursos humanos Adriana de Souza, ao longo de entrevista exclusiva concedida à coluna desta segunda-feira. Doutoranda com mais de 20 anos de bagagem no exterior, Adriana fala sobre o comportamento corporativo em tempos digitais.
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Atuou em consultoria global, é co-autora de livros sobre aspectos da área de RH. Em entrevista exclusiva, ela mostra a importância das lideranças se abrirem a experiências multiculturais para evoluírem no atual mundo competitivo. Avisa que as transformações nas organizações mal começaram.
Quem é
Aos 17 anos, Adriana de Souza deixou a Consul (Whirlpool), onde era estagiária e, aprovada no vestibular, decidiu cursar psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. Sempre em busca de novos desafios, rumou para a Bolívia, onde se juntou a um grupo interdisciplinar de especialistas dedicados a prestar consultoria em diferentes aspectos de processos de RH.
Trabalhou na PA & Partners e dirigiu equipes que realizaram trabalhos para mais de 200 empresas multinacionais de 35 países. Seguiu para a Espanha, onde evoluiu para o doutorado. Com mais de 20 anos de atuação no exterior, a profissional tem dois livros editados, focados em variados aspectos da área de recursos humanos. Em concurso da Federação Mundial de Recursos Humanos, ganhou o prêmio de melhor ensaio acadêmico deste ano em Istambul. A seguir, os principais trechos da entrevista:
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A Notícia – Como você se define?
Adriana de Souza – Sou uma migrante digital. Meu filho, sim, é um millenium, alguém contemporâneo com o meio tecnológico, típico da era digital. Nasceu nela. Aprendi a atuar e a viver com esta nova – e recentíssima – realidade, é claro. Profissionalmente, minha especialidade é a cultura organizacional e liderança nas organizações.
AN – Você ganhou prêmio mundial como acadêmica. Pode explicar um pouco?
Adriana – Inscrevi-me como aluna de doutorado e ganhei recentemente o prêmio da Federação Mundial de Recursos Humanos (World Federation of People Managment Association), em Istambul, na Turquia. O texto vencedor é um ensaio sobre os desafios da força laboral. O trabalho tem o título Nativos digitais no comando: o mundo não será mais o mesmo.
AN – Foi fácil escrevê-lo?
Adriana – Debrucei-me longamente sobre o tema. Escrevi e reescrevi. Quando pronto – eu achava que estava pronto (risos) – entreguei para o meu filho adolescente ler. Ele revisou muita coisa, criticou muito, rabiscou muito. Não imaginava que haveria tantas observações críticas. Isso me deu um certo desconforto, mas ele apresentou muitas ideias novas, apontou caminhos, mostrou o olhar natural do indivíduo digital. As modificações melhoraram demais o ensaio e, com o novo texto, ganhei o prêmio.
AN – Atualmente, o mundo é dirigido por gente que aprendeu a conviver com o digital, mas não é exatamente nascido usando smartphone ou tablet.
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Adriana – Tem razão. O mundo (empresas, universidades, países ainda) é comandado por quem nasceu antes da era digital.
AN – Há, no seu texto, uma analogia com um trabalho do (escritor) Peter Drucker. Explique isso.
Adriana – Em um texto, o Peter Drucker diz que a verdadeira revolução veio com a invenção dos trens. Afirma que os 50 anos acumulados com a revolução industrial foram somente preparação para as mudanças que aconteceram nos cinco anos com as ferrovias. Parecido com o que temos assistido nas últimas duas décadas. As transformações acontecem e nos mudam cada vez mais velozmente.
AN – O profissional deve fazer o quê para se distinguir dos demais?
Adriana – Acredito que o mais importante é cada um fortalecer as já conhecidas fortalezas, e agir para minimizar as deficiências. Entendo ser essa a melhor estratégia. Investir nas qualidades e competências e fazer treinamentos para melhorar o não tão bom. Treinamento é bem importante. Tenha curiosidade e procure por novos aprendizados.
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AN – Os executivos devem ser pró-ativos, naturalmente. O que fazer nesse sentido?
Adriana – Os executivos têm cada vez mais responsabilidades. E, além de atribuições técnicas, pertinentes ao seu trabalho e cargo, devem sair para conhecer outras realidades. Os executivos devem pegar a mochila e viajar pelo mundo. Olhar, ver e aprender com outras culturas tornou-se indispensável.
AN – Que características devem ter as empresas nesse mundo tão competitivo?
Adriana – As empresas têm, entre outros, um compromisso básico para serem viáveis no médio e longo prazos. Falo da necessidade delas se conectarem às emoções dos seus funcionários. Há poucas décadas, se aguentava um chefe tirano nas organizações. Hoje, já nem se usa a expressão chefe. E tirano, nem pensar! A qualidade do relacionamento dentro do grupo – e do grupo com as lideranças – passa a ser elemento decisivo para o desempenho geral.
AN – Há vários rankings que avaliam empresas e falam de ambiente de trabalho.
Adriana – Acredito muito no modelo adotado pela Great Place to Work. Mas é preciso compreender uma coisa bem importante: o ranking só é importante para as empresas fazerem seu marketing. O mais importante está nas possibilidades de transformação social, derivadas dos apontamentos que as pesquisas conseguem captar.
AN – Como ocorre a verdadeira transformação nas relações humanas, nos negócios e na vida corporativa?
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Adriana – Há um dado essencialíssimo. Precisa haver o efetivo processo de escuta do outro. Escutar, de verdade, os demais é absolutamente transformador. Escutar de verdade permite procurar outras verdades. As empresas têm uma obrigação: escutar o mercado, os seus funcionários, seus parceiros em qualquer instância. Assim, estarão mais preparadas para os enormes desafios que virão, sem dúvida.