Em entrevista à CNN, o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, pediu ontem que o Ocidente respeite a África e seus valores: “Se vocês não concordam, fiquem quietos. Nos deixem administrar a nossa sociedade e vamos ver. Se estivermos errados, vamos descobrir por nós mesmos”. Nem todos os presidentes africanos têm coragem de dizer com todas as letras, em uma rede mundial de TV, que consideram homossexuais “nojentos”, mas o simplório Museveni está longe de ser uma exceção em seu continente. Segundo dados da Associação Internacional de Gays e Lésbicas, 38 dos 54 países da África têm leis contra homossexuais.

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É fácil ficar chocado com um presidente africano que expressa uma visão de mundo que claramente contraria a tendência de boa parte do mundo ocidental, acelerada nos últimos três anos, de aprovar leis contra a discriminação e de assegurar direitos como união civil homoafetiva e adoção por casais gays. Poderíamos olhar para a África com um olhar condescendente de mal disfarçada superioridade moral se, na mesma semana em que Uganda chocava o mundo bem pensante com penas de prisão perpétua para gays, o Estado americano do Arizona não estivesse discutindo um projeto de lei que permite a proprietários de empresas invocar a religião como motivo para recusar serviço a clientes gays. Uganda é apenas a faceta mais chamativa de uma intolerância que assume diferentes formas em diferentes partes do mundo – simultaneamente aos avanços.

O curioso, nesses casos de países tão distantes no PIB per capita (EUA: US$ 50 mil x Uganda: US$ 500) quanto na geografia é que ambos invoquem a liberdade para institucionalizar a segregação. Uganda exige respeito a idiossincrasias culturais africanas, assim como os políticos mais conservadores do Arizona alegam estar defendendo a liberdade religiosa de quem quer ter o direito de recusar-se a estabelecer contato profissional com homossexuais (argumento, aliás, usado por evangélicos que emperram a votação de uma lei contra a homofobia no Brasil).

É fácil invocar a liberdade e dar a ela o sentido que se quiser. Difícil é aprovar leis que genuinamente promovam a igualdade e a fraternidade. A filósofa Hannah Arendt costumava dizer que não nascemos iguais: nos tornamos iguais quando membros de uma sociedade que garante a todos os mesmos direitos perante a lei. O que até os políticos do Arizona, os bolsonaros e o presidente de Uganda sabem, mesmo que não admitam, é que eles estão claramente na contramão da história. Se alguém tinha dúvida disso, o pronunciamento do presidente Barack Obama, em 2012, a favor do casamento gay deixou bem claro: nem mesmo o homem mais poderoso do mundo conseguiu de dar ao luxo de ficar em cima do muro.

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