O escárnio sambou no cinismo. Até para um país acostumado desde sempre com a corrupção, as negociatas e a falta de responsabilidade com a sociedade, a inconsequência e o calculismo de Eduardo Cunha têm sido chocantes – e chegaram nesta quarta-feira a um clímax já previsível.
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Conhecemos bem os panos quentes, as tenebrosas transações de bastidores. Até aqui, porém, os coroneis da política costumavam cumprir um certo protocolo básico de postura pública. Mesmo os mais insaciáveis sabiam até onde podiam ir sem chocar demais a canalha, sem chamar a atenção para si a ponto de o excesso de exposição se tornar desconfortável.
Assim, muitos desses políticos conseguiram se perpetuar no poder por décadas a fio, protegidos pela devida discrição e por um certo simulacro de “habilidade política”, que nada mais era do que a malandragem de saber que a sombra é o lugar mais seguro para quem planeja se manter na política e desfrutar de suas benesses.
Nesse sentido, Eduardo Cunha é um personagem absolutamente único. Em menos de um ano, saiu da sombra – onde vivia tranquilamente há mais de 20 anos, tramando lentamente a teia de apoios que o sustentou até agora – para um lugar central na crise política e econômica que o país atravessa. Não se limitou, porém, ao estilo de velha raposa ardilosa e discreta: foi para o ataque com a faca nos dentes.
Cunha não inventou a chantagem, mas a transformou em uma moeda que pode ser colocada na mesa às claras, sem constrangimento. Não se acanhou em vir a público dizer que a decisão de acatar o impeachment foi “técnica” porque não se acanha com qualquer coisa.
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Insistiu nas pautas conservadoras, mesmo quando já não tinha qualquer possibilidade de convencer como paladino da moral, ameaçou deputados (ou pelo menos foi acusado disso por vários colegas), mentiu em uma CPI, usou o regimento interno da Câmara como um general usa a estratégia para cravar os dentes no inimigo. Tudo isso ao mesmo tempo, como um malabarista muito seguro de sua técnica.
O Brasil parece finalmente ter produzido a síntese de tudo o que não deu certo com a República nos últimos 120 anos, e Cunha já gravou seu nome na história. Resta saber como vão se comportar os políticos que ficarão responsáveis por escrever os próximos parágrafos dessa página infeliz.