Não faz muito, A Aventura, A Noite e O Eclipse saíram isoladamente em DVD. Mas fã que é fã vai gostar mesmo é da reunião dos três clássicos na bela caixa que a distribuidora Versátil acaba de disponibilizar no mercado, apinhada de extras, em comemoração aos seus 50 anos. Em se tratando destes três filmes, os fãs não são poucos.

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Lançados entre 1960 e 1962, os longas-metragens compõem a chamada Trilogia da Incomunicabilidade do italiano Michelangelo Antonioni (1912 – 2007), um dos marcos do moderno cinema europeu. No fundo, seus temas são os mais ordinários – e fascinantes – que o cinema abordou de Rossellini a Wong Kar Wai: a glória e a agonia dos relacionamentos a partir das dificuldades de acomodar ambições individuais em um contexto de coletividade, ainda que esta coletividade, muitas vezes, seja representada pela simples constituição de um casal.

Coube a Antonioni, e também a Godard, entre outros contemporâneos, levar a chamada “crise do casal” a um posto nobre entre as abordagens ditas autorais na produção cinematográfica do pós-Guerra. A curiosidade é que tanto Antonioni quanto Godard, e igualmente Rossellini, foram casados com suas musas, respectivamente Monica Vitti, Anna Karina e Ingrid Bergman, estrelas que acabaram inspirando e também protagonizando alguns de seus filmes sobre o assunto.

A linda Monica Vitti é personagem-chave nos três longas da Trilogia da Incomunicabilidade. Em A Aventura (1960), interpreta a amiga de uma mulher desaparecida enquanto viajava pelo Mediterrâneo. Durante as buscas, acaba flertando com o namorado dela. Em A Noite (1961), é a bela estranha cuja presença ajuda a evidenciar a deterioração do casamento entre os personagens de Jeanne Moreau e Marcello Mastroianni. Em O Eclipse (1962), ela sai de uma relação para emendar outra com o belo porém ausente personagem de Alain Delon, mas a dificuldade de estabelecer uma sintonia entre eles vai determinar um vazio intransponível entre um e outro.

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A longa e silenciosa sequência de imagens de um subúrbio inabitado de Roma, ao fim do terceiro e último filme, usa um recurso fundamental da forma da trilogia – a emulação da arquitetura dos ambientes na construção dramática – para resumir este vazio instransponível entre os homens e as mulheres de Antonioni. O mais interessante é observar que a impossibilidade do amor e da realização pessoal a partir da aproximação do outro se dá não pela própria presença do outro, mas por aquilo que esta presença desperta na gente. Mais do que isso, A Aventura, A Noite e O Eclipse são ensaios poderosos sobre a opressão que a vida social é capaz de promover. São a perfeita materialização do existencialismo em voga em sua época – símbolo da maneira com que uma das mais notáveis gerações de artistas do século 20 vislumbrou a derrota das relações diante dos apelos oferecidos pela modernidade.

Para constatar sua atualidade formal e temática, convém rever os três longas com tempo – que hoje, meio século depois, parece ainda mais restrito. Detalhe para os extras: há depoimentos de Antonioni e Monica Vitti, trailers e cinejornais da época, filmes curtos sobre a passagem de O Eclipse pelo Festival de Cannes (no ano seguinte ao Urso de Ouro em Berlim obtido por A Noite) e sobre as ideias do cineasta que, com seu olhar pessimista, “mudou o mundo” – para repetir uma expressão do próprio documentário lançado junto ao box da trilogia.

Os filmes

> A Aventura (L’Avventura) – Drama, Itália/França, 1960, 143min. Com Gabriele Ferzetti, Lea Massari e Monica Vitti. Durante um cruzeiro pela costa da Sicília, uma mulher desaparece. Seria assassinato, acidente ou suicídio? Enquanto a procuram, seu namorado e sua melhor amiga se envolvem amorosamente. Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes.

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> A Noite (La Notte) – Drama, Itália/França, 1961, 115min. Com Jeanne Moreau, Marcello Mastroianni e Monica Vitti. Após 10 anos de casamento, Lidia e Giovanni passam uma noite permeada de angústia e luxúria, numa busca involuntária de respostas para a crise de seu relacionamento. Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim.

> O Eclipse (L’Eclisse) – Drama, Itália/França, 1962, 126min. Com Monica Vitti, Alain Delon e Francisco Rabal. Logo após terminar o relacionamento com o namorado, Vittoria conhece Piero, um jovem operador da bolsa de valores. Apaixonado, o belo casal inicia um conturbado romance pelas ruas de Roma. Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes.