Dizem que foi Shakespeare quem inventou o humano, tamanha a complexidade com que esmiuçava emoções e a própria alma humana. Se inventou o homem, foi ele quem também – diz-se – conseguiu pela primeira vez personificar o mal com criaturas tinhosas como Iago, antagonista da peça Otelo, escrita em 1603. Mais de quatro séculos depois, a companhia catarinense Persona, de Florianópolis, dá vida nova ao personagem. Na adaptação do músico e diretor de teatro Jefferson Bittencourt, Iago é uma mulher, Iara, materialização de sentimentos como inveja, ciúme e orgulho e que articula uma tragédia tipicamente shakespeariana. Com performance arrebatadora da atriz Luciana Holanda, o espetáculo estreia amanhã no Teatro Álvaro de Carvalho, na Capital. A apresentação é gratuita.

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Na adaptação, em vez de cavaleiros a guerrear e disputar cargos de poder na antiga Veneza, na Itália, a história se passa na contemporaneidade, no ambiente polido, porém cínico, de uma empresa. Gira em torno de quatro personagens: Otelo (Rafael Zanette), presidente da empresa; Iara (Luciana Holanda), sua secretária; Desdêmona (Raquel Stüpp), sua mulher; e Cássio (Cleístenes Grött), amigo e funcionário. Na trama, a secretária convence Otelo de que está sendo traído por Cássio e Desdêmona, num jogo de cinismo em que a palavra é uma arma mortal.

>> Assista ao teaser:

A montagem partiu do trabalho de Beatriz Viégas-Farias, tradutora da editora L&PM Pocket, que manteve a teatralidade da peça.

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– A tradução possibilitou criar esse outro universo, o empresarial, o qual há algum tempo eu gostaria de trabalhar e onde existem essas questões como disputas de poder, ainda atuais – afirma Jefferson Bittencourt.

Apesar de cenário minimalista e estilizado de um escritório, do figurino contemporâneo, da montagem mais enxuta de uma hora e meia – o original é encenado em até três horas – o diretor optou por preservar a riqueza dos diálogos e a mesma linguagem formal, rebuscada da época de Shakespeare.

Bittencourt também imprime sua identidade ao propor viagem ao universo onírico de Otelo, como na cena em que, doente de ciúmes, o personagem fantasia Desdêmona, sua doce e pura mulher, como uma sensual crooner, aquelas cantoras da era de ouro do rádio.

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Drama no teatro

Temas densos, drama e o trabalho com musicalidade fazem parte da linguagem da Persona Cia de Teatro, grupo reconhecido por espetáculos como A Galinha Degolada, de 2008, que levou a companhia a se apresentar em Londres.

– Percebo que o público sente falta de peças dramáticas. Acho que vivemos um momento de excessiva ironia. Artisticamente o drama é muito potente. Não há crítica, é apenas contar uma história – afirma o diretor.

O espetáculo foi contemplado pelo prêmio Funarte Myriam Muniz 2013, na categoria Montagem, e pelo Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura 2013, da Fundação Catarinense de Cultura. A estreia ocorre no ano em que se celebra o aniversário de 450 anos de Shakespeare. Em todo o mundo estreiam montagens baseadas na obra de um dos maiores dramaturgos do Ocidente.

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Após a primeira temporada em Florianópolis, a peça será apresentada em Itajaí e depois volta para outra curta temporada na Capital. Na sequência, o grupo planeja circular com o espetáculo por Santa Catarina e por todo o Brasil.

:: Agende-se

O quê: espetáculo Otelo, da Persona Cia de Teatro

Quando: de quinta a domingo, às 20h, no Teatro Álvaro de Carvalho (Rua Marechal Guilherme, 26, Centro, Florianópolis). Dias 30 e 31 de maio, às 20h, no Teatro Municipal de Itajaí (Rua Gregório Chaves, 110, Fazenda, Itajaí)

Quanto: gratuito (ingressos podem ser retirados uma hora antes do espetáculo)

Informações: (48) 3028-8070 e (47) 3349-6447