O alemão Werner Herzog não precisa de grandes histórias para fazer grandes filmes. Mas é nas jornadas épicas, que desafiam os limites e cavoucam as profundezas da alma humana, que ele mostra por que é um dos maiores cineastas do mundo. Não perca seu mais recente longa-metragem, Caverna dos Sonhos Esquecidos. Trata-se de um fascinante documentário em 3D sobre a descoberta (e o significado) das pinturas rupestres mais antigas de que se tem notícia. A estreia será nesta sexta-feira.

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Dá para contar nos dedos de uma mão (duas, talvez) os longas nos quais o 3D, de fato, faz diferença. Para além de Hollywood, há Pina (2011), outro documentário alemão, dirigido por Wim Wenders, e este Caverna dos Sonhos Esquecidos – dois fenômenos de bilheteria na Alemanha, lançados quase simultaneamente por lá (é com muito atraso que o filme de Herzog chega à Capital).

A caverna do título se chama Chauvet Pont-d?Arc e fica no sudoeste da França. Foi descoberta em dezembro de 1994 por espeleólogos (Jean-Marie Chauvet entre eles) que se aventuravam pelas belas paisagens do Vallon-Pont-d?Arc. Guarda um tesouro de mais de 30 mil anos, que inclui esqueletos fossilizados de animais como mamutes e bisões, pegadas (sim, pegadas intactas) e cerca de 400 pinturas que “documentam” o convívio do homem com tais criaturas. Sua improvável (e impecável) conservação se deve a um acidente natural que fez com que pedras gigantes rolassem, vedando sua porta de entrada – para explorá-la, Chauvet e seus parceiros embrenharam-se em fendas quase impenetráveis ao longo de centenas de metros em meio às rochas.

Logo que essa preciosidade arqueológica foi descoberta, seu acesso foi fechado. Apenas um grupo seleto de pesquisadores pode adentrá-la, pisando sobre uma passarela construída para que seu contato com a caverna seja mínimo – a simples respiração, no local, pode criar mofo em suas paredes. A autorização obtida por Herzog para filmá-la, com inúmeras restrições (equipamentos portáteis, tempo curto, limitação de três pessoas na equipe), é inédita. Se tem alguém que a merecia, vislumbrando um projeto artístico instigante, é o diretor de Fitzcarraldo (1982) e O Homem Urso (2005), que antes já mergulhara em outros locais inóspitos para produzir reflexões contundentes sobre o lugar do homem no mundo – e na história.

As superfícies sobre as quais foram fixadas as tintas pré-históricas são irregulares, cheias de curvas absolutamente incorporadas pelos artistas do Paleolítico (são artistas, você vai ver). Sua dinâmica tridimensional própria justifica o uso do 3D a ponto de fazer com que o espectador se sinta partilhando da privilegiada experiência de visitar aquele lugar tão remoto.

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Mais do que isso, o que faz de Caverna dos Sonhos Esquecidos um projeto maiúsculo é o talento investigativo de Herzog. Ele fica evidente desde o início, na entrevista com um jovem pesquisador, ex-trabalhador de circo, que, instigado pelo diretor, revela a potência do impacto causado pelo estudo daquelas pinturas.

“O que sonhariam seus autores, nossos ancestrais? Suas motivações teriam um fundo religioso, fariam parte de um ritual?”, pergunta o cineasta. A falta de respostas leva outro cientista entrevistado por Herzog a questionar a nomenclatura da espécie Homo Sapiens (“homem sábio”) e sugerir, em contrapartida, o termo Homo Spiritus – o que desloca definitivamente a sensação de se estar diante de uma aventura na natureza a la James Cameron para um mergulho místico e profundo no mistério da existência a la Apichatpong Weerasethakul.

É fascinante constatar que os questionamentos de fundo existencial surgem (e fazem todo o sentido) a partir do choque estético advindo da fruição artística. É a arte (pré-histórica!) que nos leva a pensar sobre nossa condição no universo. Imperdível.

O trailer: