Cinco pessoas morreram por dia no trânsito catarinense nos primeiros oito meses do ano. A média faz parte de um levantamento feito pelo Instituto Geral de Perícias (IGP) a pedido do Diário Catarinense. No período, foram realizadas 1.193 autópsias de pessoas que perderam a vida em acidentes, incluindo motoristas, pedestres e ciclistas.

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O IGP explica que não há como comparar os dados com o mesmo período de 2015, pois o sistema do instituto foi automatizado neste ano. Para o diretor do Instituto Médico Legal (IML), Rodinei Tenório, as mortes no trânsito são uma epidemia não apenas em Santa Catarina, mas em todo o país. Ele acredita ser necessária a criação de uma forte campanha de conscientização, em especial sobre os perigos da direção sob o efeito de álcool e drogas.

– Os acidentes são, de longe, a principal causa de mortes violentas em SC. Superam homicídios e quaisquer outros tipos de crime. Há cidades como Blumenau em que 80% das mortes não naturais são causadas pelo trânsito. É um problema de saúde pública – afirma.

Outro dado que confirma o alto grau de letalidade das estradas e ruas catarinenses é o número de seguros pagos por morte. Em 2015, o sistema DPVAT indenizou 1.797 famílias que perderam parentes no trânsito. A média foi de 4,92 indenizações por dia. Apesar de alto, o número vem despencando na comparação com anos anteriores. Em 2014, foram 2.031 indenizações em SC, enquanto que em 2013 chegou a 2.197. O maior número ocorreu em 2012, com 2.797 ressarcimentos.

As indenizações não necessariamente refletem a quantidade de mortes ocorridas em determinado ano. Ocorre que familiares têm até três anos após o falecimento para pedir o seguro, que muitas vezes demora a sair. Também há parentes que não fazem o pedido de ressarcimento.

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Mesmo com a queda dos últimos anos, Santa Catarina continua sendo destaque no país no número de indenizações. A população do Estado representa 3,35% do total nacional, porém o percentual de pagamentos às famílias de vítimas ficou acima disso nos últimos três anos: 4,22% em 2015, 3,88% em 2014, 4,01% em 2013 e 4,47% em 2012.

Para o coordenador do movimento SOS Estradas, Rodolfo Alberto Rizzotto, algumas hipóteses podem ajudar a explicar essa violência nas estradas catarinenses. Ele lembra que SC possui um índice de motorização por habitante mais alto do que a média nacional, o que contribui para mais acidentes. Além disso, as estradas possuem muitos trechos perigosos, como os de Serra na BR-282.

Especialista defende punições mais rigorosas

Assim como o diretor do IML-SC, o carioca Rizzotto alerta para o alto grau de acidentes com vítimas em colisões provocadas por motoristas sob efeitos de álcool e outras drogas no Estado. Porém, discorda de Tenório quanto à necessidade de uma campanha. Ele acredita que o melhor caminho para reduzir as mortes é a punição.

– Nenhum país teve grandes resultados investindo apenas em campanhas. É necessário que haja uma punição mais rigorosa. Santa Catarina possui muitos descendentes de alemães e portugueses. Poderiam se espelhar nestes dois povos também na hora de dirigir – afirma.

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Ainda sobre a questão da punição, Rizzotto lembra que, apesar do aumento recente, o valor das multas no Brasil ainda está defasado em relação ao que era no lançamento do Código de Trânsito Brasileiro, em 1998. Na época, uma multa podia chegar a até 70% do salário mínimo. Porém, as punições ficaram quase 20 anos sem reposição e, hoje, a mesma infração não chega a 25%.

José Eurico de Souza perdeu esposa, filha, cunhada e sogros no mesmo acidente
José Eurico de Souza perdeu esposa, filha, cunhada e sogros no mesmo acidente (Foto: CAIO MARCELO / Especial)

Dor e luto na região Sul

O que era para ser uma noite de festa em família terminou em tragédia em 28 de março. Lisângela Rocha de Souza, 44 anos, a filha Jordana Rocha de Souza, 24, a irmã de Lisângela, Lislei Rocha Santos, 52, e os pais delas, Maria Corrêa Rocha, 76, e Valdemar Rocha, 78, perderam a vida em uma colisão no Sul do Estado. Um Jeep Wrangler, que trafegava no sentido Florianópolis/Porto Alegre, avançou para a pista contrária da BR-101 e bateu de frente contra o carro onde estavam as vítimas.

O acidente chocou a região, e mais ainda a comunidade de Maracajá, cidade de aproximadamente 7 mil habitantes onde a família residia e era conhecida pelos projetos sociais. Com a perda da esposa e da filha, o corretor de imóveis José Eurico de Souza, hoje afastado do trabalho por problemas de saúde agravados após a tragédia, ainda busca forças para recomeçar. Ao lado do filho Jordhan, 18 anos, ele tenta retomar a vida.

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– A gente tem um pouco de conhecimento espiritual e é o que está me ajudando, já consegui cartas psicografadas da minha esposa, dizendo que era o destino, que tinha que ser daquela forma. Conforto ainda não consegui, mas tento arranjar forças – lamenta o homem de 52 anos.

Desde a perda da esposa, da filha, da cunhada e dos sogros, Rocha tem ficado com a saúde mais frágil. Ele se recuperava de um AVC sofrido quando ficou sabendo do acidente. Também sofre de problemas renais, psicológicos, úlcera e pressão alta. Parte dos rendimentos vai para médicos e exames. Até o momento, nenhum valor de indenização foi pago à família.

– A gente está desamparado, até agora não tivemos nenhum atendimento por parte dos culpados, nenhuma assistência. Não que isso vá me acalentar. Nenhum dinheiro, nenhum valor paga a vida delas. Eram tudo na minha vida – lamenta.

O jovem que dirigia o veículo, Victor Bortoncello, 20 anos, foi submetido ao teste do bafômetro no momento do acidente, que não apontou embriaguez. No laudo técnico do Instituto Geral de Perícias (IGP) e no inquérito policial, o carro trafegava entre 85 e 100km/h e não apresentou indícios de problema mecânico. Uma das hipóteses é que o motorista possa ter dormido ao volante. O processo está em andamento e ele irá responder por homicídio culposo, quando não há intenção de matar.

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Mãe pede Justiça pela morte de caçula

Já era madrugada do dia 17 de abril quando a adolescente Rafaela Rocha Saraiva foi atropelada na marginal da SC-401, no bairro João Paulo, em Florianópolis. Ela caminhava em direção à casa do namorado, que a acompanhava ao lado de alguns amigos. O motorista não parou para prestar socorro. Seguiu no sentido Norte da Ilha, deixando no caminho a jovem ferida em estado grave.

Rafaela foi internada e ficou 15 dias em coma no hospital até falecer no dia 2 de maio. Com apenas 17 anos, a jovem morava em São José com a mãe, a cozinheira Sandra Cardoso Rocha, e trabalhava em uma ótica no Continente Park Shopping. Também estudava, de olho em uma vaga no curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. A mãe lembra que ela havia passado parte daquela semana de abril dormindo nas casas do pai e do irmão, ambas na Ilha, por estar participando de um curso no Shopping Iguatemi.

– Ela não voltou mais. Era uma jovem cheia de planos, tão alegre – lembra Sandra.

Antes do acidente, Rafaela e a mãe viviam sozinhas. Depois da morte, a irmã Gabriela, já casada e com filho, voltou para a casa de Sandra devido ao choque da perda da caçula.

O enterro da adolescente ocorreu a poucos metros do local do atropelamento, no cemitério do Itacorubi. Desde então, a família luta por justiça. O motorista foi identificado como Rodrigo Cremontti Maciel, de 29 anos. Na época do acidente, ele era proprietário de uma loja no bairro dos Ingleses. Após um período de investigação, a delegada Giovana Depizzolatti, da 5a Delegacia de Polícia da Capital, indiciou em agosto o suspeito pelos crimes de homicídio culposo, lesão corporal, omissão de socorro e evasão do local. O caso ainda vai ser analisado pela Justiça de Florianópolis. Enquanto isso, a mãe de Rafaela pede a prisão de Rodrigo.

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– O que ele fez com a minha família, pode fazer com outra enquanto estiver solto – diz.