Cinco mulheres abortaram com autorização da Justiça em Blumenau por ano, em média, na última década. É o que mostra um levantamento feito pela Secretaria Municipal de Saúde, a pedido do NSC Total. Os dados vêm à tona no momento em que um projeto de lei tenta igualar o aborto após a 22ª semana de gestação, independentemente da circunstância da gravidez, ao crime de homicídio.
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A atual legislação brasileira permite o chamado aborto legal, sem nenhum tipo de punição e a qualquer momento, em apenas três casos: estupro, má formação cerebral do feto ou risco à vida da gestante. Porém, a alteração em debate agora em Brasília diz que ainda nesses cenários citados acima, se o feto já tiver 22 semanas e ocorrer o aborto, a gestante pode receber pena de seis a 20 anos de prisão.
A grande questão levantada por quem é contrário à aprovação do projeto é que por vezes as vítimas de estupro demoram a conseguir fazer o aborto, mesmo tendo autorização judicial. Algumas das barreiras elencadas são a distância, a documentação exigida, a agenda para o procedimento e até a negativa dos médicos — que podem se recusar a fazer o atendimento.
Morgani Guzzo, integrante da Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto, argumenta que as meninas de até 14 anos são as mais afetadas se a proposta for aprovada no Congresso. Conforme os dados da prefeitura de Blumenau, dos 47 abortos legais feitos na cidade entre 2014 e 2023, ao menos três eram nessa faixa etária.
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— Essas crianças demoram muito tempo para descobrir que foram violentadas e entender que aquilo é violência. Quando elas engravidam, demoram muito tempo para entender as mudanças no corpo e até mesmo saber o que é a gravidez. Nesse caso, vão ser obrigadas a gestar até o fim. E o corpo de uma criança de menos de 14 anos que fica grávida ainda não tem estrutura física suficiente para levar uma gestação e ter um parto — defende Morgani em entrevista à NSC TV.
Blumenau tem manifestação contra projeto que iguala aborto a homicídio
Confira a quantidade de abortos legais por ano em Blumenau
- 2014 – 1
- 2015 – 1
- 2016 – 3
- 2017 – 7
- 2018 – 1
- 2019 – 4
- 2020 – 4
- 2021 – 9
- 2022 – 4
- 2023 – 13
Fonte: Secretaria de Saúde de Blumenau
Santa Catarina tem apenas quatro hospitais habilitados para o aborto legal e eles ficam nas maiores cidades: Joinville, Florianópolis, São José e Blumenau. A referência para esses procedimentos no Vale do Itajaí é o Hospital Santo Antônio, que preferiu não informar quais os tramites burocráticos para casos de aborto legal. A pequena quantidade de unidades habilitadas vira um problema, segundo Marina Jacobs, doutora em Saúde Coletiva -pela UFSC.
— Muitas vezes a pessoa chega até o serviço de referência e acontece de ser exigido documentos que não precisaria ou criadas barreiras que nada tem a ver com o tempo de espera, com dificuldade de agenda ou com profissionais que se opõem a fazer um aborto legal. As crianças só vão perceber uma gravidez tarde, talvez até antes das 22 semanas, mas ainda assim com pouco tempo se ela não tem informação do que fazer, se ela peregrina entre serviços, se precisar ficar indo e voltando a cidade referência… Isso pode adiar o acesso a serviço e aí quando pode [legalmente fazer o aborto] já se passaram as 22 semanas — menciona.
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Quantidade de abortos por idade em Blumenau
- 12 anos – 1
- 13 anos – 2
- 16 anos – 2
- 17 anos – 1
- 18 anos – 1
- 19 anos – 1
- 21 anos – 2
- 22 anos – 1
- 23 anos – 5
- 24 anos – 4
- 25 anos – 2
- 26 anos – 1
- 27 anos – 2
- 28 anos – 2
- 29 anos – 1
- 30 anos – 2
- 31 anos – 3
- 32 anos – 1
- 33 anos – 4
- 34 anos – 5
- 35 anos – 5
- 36 anos – 2
- 37 anos – 1
- 40 anos – 1
- 42 anos – 2
- 43 anos – 1
Fonte: Secretário Municipal de Saúde
O Projeto de Lei 1904/2024 veio depois de uma decisão do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu resolução do Conselho Federal de Medicina. Em Abril, a entidade havia proibido o uso de um método para aborto em caso de estupro após 22 semanas. Raphael Câmara, relator do documento, justifica o motivo de limitar o período para o procedimento:
— O limite de 22 semanas é um número baseado em ciência. Sou ginecologista e obstetra, e a partir de 22 semanas o bebê é viável, o que significa que ele tem chance de sobreviver fora do útero. Então a técnica de assistolia fetal (injeção de substâncias que levam à parada do batimento cardíaco do feto antes de ser retirado do útero) é uma técnica cruel que provoca dor em um bebê que já sente dor comprovadamente e é considerada antiética.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, disse que vai criar uma comissão representativa para discutir a pauta. O debate está marcado para o segundo semestre. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC) se posicionou contra o projeto e disse que ele é inconstitucional.
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— É um projeto que vai de encontro aos direitos fundamentais das mulheres das meninas, é ilegal, ilícito. São anos de luta, além dos tratados internacionais de direitos constitucionais da disposição do corpo da mulher e dos direito reprodutivos — reforça Daniela Gonçalves, membro da Comissão de Direito da Saúde da OAB-SC.
SC registra maior número de abortos legais dos últimos cinco anos
Bispo emérito de Blumenau se manifesta contra projeto
O bispo emérito de Blumenau Dom Angélico Sândalo Bernardino, um dos mais respeitados da Igreja Católica, afirmou que o projeto de lei que equipara o aborto acima de 22 semanas ao crime de homicídio, inclusive para as vítimas de estupro, é “uma distorção da realidade”. A posição do religioso ganhou repercussão nacional, pois é diferente da adotada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que defendeu a aprovação do projeto.
“Não sou juiz da CNBB. Mas a minha posição é esta”, disse à Folha de São Paulo.

Dom Angélico destacou que uma questão complexa como o aborto não pode ser debatida às vésperas de uma eleição e, inclusive, questionou a motivação de políticos que defendem a proposta. “Simplesmente punir a mulher sem discutir com profundidade uma situação tão complexa é uma leviandade. É uma precipitação legalista. É querer resolver pela lei um problema muito mais amplo e muito mais vasto”, pontuou o religioso.
Com informações de Rafaela Cardoso, NSC TV
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