Um suspeito que conhecia o apart-hotel como poucos, uma sobrevivente conhecida de um dos supostos autores dos assassinatos, dinheiro e objetos roubados da família Gaspar Lemos, as fechaduras do cenário da chacina de Canasvieiras instaladas justamente pelo homem que teria planejado o crime que matou cinco pessoas – quatro delas da mesma família – em 5 de julho deste ano, em Florianópolis. Esses são alguns dos detalhes apresentados pela Polícia Civil, na manhã desta quinta-feira, em coletiva de imprensa convocada para anunciar o caso como solucionado na esfera policial.
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Quase dois meses após as vítimas serem mortas por asfixia dentro de um apart-hotel em Canasvieiras, a Polícia Civil informou que concluirá o inquérito na próxima segunda-feira (3) e o encaminhará para análise do Ministério Público (MP). Com a prisão do terceiro suspeito de participar do crime, na manhã desta quinta-feira, a Delegacia de Homicídios da Capital pedirá a conversão das prisões temporárias (que têm prazo de 30 dias) em preventivas (sem prazo). A tipificação do inquérito será feita pelo crime de homicídio, mas, como além de três carros foram roubados R$ 10 mil e oito aparelhos de TV, caberá ao MP tipificar juridicamente a conduta de cada um dos suspeitos.
Distribuído em três volumes com cerca de 200 páginas, nem todos os detalhes do inquérito foram divulgados pelos delegados Ênio Matos e Salete Mariano, da Delegacia de Homicídios. O nome dos suspeitos, por exemplo, não foram informados. Todos moravam no norte da Ilha e têm entre 20 e 22 anos. Apenas um, preso na fronteira com o Uruguai em 10 de agosto, já tinha passagem pela polícia. O crime, porém, são dois Termos Circunstanciados por porte de maconha nos quais ele foi inocentando.
Salete garantiu que os três admitiram participação na chacina sem tiros de Canasvieiras. O mentor intelectual do crime teria sido o segundo suspeito preso, em 11 de agosto, em Potecas, São José. Ele e o suspeito preso na manhã desta quinta são naturais de Belém, no Pará. O homem preso em Santana do Livramento é natural de Florianópolis e foi o primeiro a ser identificado pela equipe da Homicídios através de laudos periciais do Instituto Geral de Perícias (IGP). A partir dele, a polícia chegou aos outros dois suspeitos. Toda a motivação do crime, disse Matos, tem origem na Ilha de SC.
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— E vem de dívidas de atividades laborais (R$ 47 mil), junto com ameaças, do devedor, que era o filho (Leandro Gaspar Lemos, o Magal, 44 anos), mas a família estava toda envolvida. Mais que a dívida, na minha leitura, pesa a ameaça que um deles (o preso em Potecas) estava recebendo do devedor. Ele (preso em Potecas) juntou os outros dois, foram no hotel cobrar a dívida, acharam que tinha muito dinheiro, mas encontraram só R$ 10 mil, que eles levaram embora — explicou o delegado Matos, citando provas técnicas e testemunhais para embasar o inquérito.
Suspeito de planejar o crime tinha instalado fechaduras do hotel
O suspeito de planejar a chacina depois de olhar séries na TV trabalhava para os Gaspar Lemos no hotel e na boate Arena Spazzio, cujos sócios eram Leandro Gaspar Lemos, o Magal, e Ricardo Lora, 39 anos, também morto na chacina. Segundo Matos, o rapaz trabalhava como autônomo, fazia de tudo um pouco e tinha instalado as fechaduras do hotel. Sabia, segundo Matos, até a força de energia do prédio. Naquela tarde, foi ele quem abriu a porta e entrou com os outros dois suspeitos.
Sobre há quanto tempo ele planejava o crime, Matos não soube responder. As inscrições na parede, aponta a polícia, foram apenas para despistar os investigadores, tirar o foco dos policiais baseado no conhecimento do histórico das vítimas.
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— Tentaram demonstrar que o crime tinha sido praticado por profissionais, porque eles sabiam que a família devia para bastante gente, que eram procurados com frequência por devedores. Então, fizeram um crime assim, com pessoas amarradas, inscrições de que a família tinha sido vingada, tudo para despistar a polícia.
Camareira que foi poupada da morte conhecia um dos suspeitos
Seis pessoas ficaram na mira dos três suspeitos dentro do apart-hotel Venice Beach na tarde de 5 de julho deste ano. Apenas uma delas, camareira no estabelecimento, sobreviveu. Na ocasião, a mulher, moradora do norte da Ilha, chegou ao local junto com Kátia Gaspar Lemos, filha do patriarca. Ao descerem do carro diretamente na garagem do hotel, foram rendidas e separadas. O nó dado na camareira foi diferente de todos os demais, estava frouxo e possivelmente fácil de desamarrar.
Na entrevista coletiva concedida pela Polícia Civil, na manhã desta quinta-feira, a reportagem da Hora perguntou se a sobrevivente conhecia algum dos criminosos. A reposta de Ênio foi sim.
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— Conhecia o que planejou o crime.
Questionado se ela não é suspeita de qualquer participação no caso, Matos foi taxativo:
— Não.
O delegado afirma que, embora conhecesse o homem preso em Potecas, ela não viu o rosto dele, que estava coberto com máscara. Apenas um dos suspeitos, preso nesta quinta, estava com o rosto descoberto. Era ele também o único dos suspeitos armado. O homem que amarrou a camareira disse que ela foi poupada da morte. A camareira, em depoimento, segundo a delegada Salete, colaborou com detalhes do crime. Ela teria informado que eram três suspeitos na ocasião e relatado detalhes que corroborariam com a fala dos suspeitos.
Sobre como os criminosos se associaram para cometer o crime, Matos disse que eles se conheciam do norte da Ilha. O delegado garante que nenhum deles era faccionado ou simpatizante de alguma facção criminosa.
— Os outros dois receberam promessa de que no hotel teria dinheiro ou algo de valor. Eles foram lá para receber alguma coisa, mas não era o que esperavam.
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Suspeitos podem responder por latrocínio
Os três suspeitos de autoria na chacina sem tiros de Canasvieiras chegaram ao local a pé naquela tarde nublada de quinta-feira, 5 de julho. Depois de permanecerem quase oito horas no hotel, fugiram levando três carros dos Gaspar Lemos, oito aparelhos de TV e R$ 10 mil em valores. Mesmo com os roubos, Matos e Salete encaminharão o inquérito ao MP como homicídio, já que estariam com a intenção de matar as pessoas. Durante os depoimentos, todos se mantiveram calmos, disse Matos.
— Eles foram para matar. Roubaram algumas coisas, mas foram para matar. Não foram lá para roubar. O cara que planejou disse que tinha visto em filmes. Todos morreram asfixiados. Um em seguida do outro — narra Matos.
A tipificação da Polícia Civil não vai se ater à doutrina jurídica, o que será responsabilidade do promotor Andrey Cunha Amorim, integrante do MP que receberá o inquérito para oferecer ou não denúncia. Entre os delegados da Polícia Civil, há o entendimento de que algum ou até dois suspeitos podem ser denunciados por homicídio e outro(s) por latrocínio.
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Cenário da chacina está alienado a banco e em vias de ser leiloado
O prédio do apart-hotel Venice Beach, com 18 unidades e cobertura, está em nome da empresa KGL Administração de Bens e Participações Ltda, cujos sócios eram Kátia Gaspar Lemos – que empresta as iniciais do nome à empresa – e seu irmão Leandro Gaspar Lemos. A empresa, com cadastro ativo, foi fundada em 2006 e suas atividades são holdings de instituições não-financeiras e gestão e administração de propriedade imobiliária.
O imóvel, como todos os outros bens da família Gaspar Lemos, está penhorado devido a dívidas que ultrapassam R$ 300 milhões, de acordo com os tribunais de Justiça de São Paulo e Santa Catarina, bem como cadastros de dívida ativa na União e em São Paulo. Somente para a Fiat, empresa que emprestava a bandeira para as sete revendas autorizadas da marca italiana que os Gaspar Lemos chegaram a ter em SP até 2010, a família tinha penhoras que beiravam os R$ 50 milhões. A Fiat não respondeu perguntas da reportagem.
Em outubro do ano passado, um edital foi colocado na praça para leiloar o prédio do Venice Beach devido a dívidas trabalhistas com trâmite na 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis. Alienado fiduciariamente ao Banco BVA, e avaliado em R$ 5,4 milhões, ninguém arrematou o imóvel naquele leilão. Não há ainda data definida para o prédio ir novamente a leilão.
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Entenda o caso
Cinco pessoas foram assassinadas dentro do apart-hotel Venice Beach, na Rua Doutor José Bahia Bittencourt, a 100 metros do mar de Canasvieiras, quase à meia-noite de 5 de julho. O caso veio à tona nas primeiras horas do dia seguinte. Foram mortos por asfixia Paulo Gaspar Lemos, 77 anos, Paulo Gaspar Lemos Junior, 51, Kátia Gaspar Lemos, 50, Leandro Gaspar Lemos, 44, e Ricardo Lora, 39.
Uma camareira do hotel, que também foi amarrada pelos criminosos, conseguiu fugir, já que aparentemente foi poupada pelos bandidos. Segundo a polícia, os assassinos são três homens que entraram no hotel por volta de 16h e que lá permaneceram até perto da meia-noite, depois de submeterem as vítimas a intensa tortura psicológica.