Joinville possui um acervo museológico diversificado, passando por memórias históricas, arqueológicas e artísticas. O incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, no domingo, serviu de alerta para a situação dos patrimônios da cidade, para evitar que tragédias como essa ocorram por aqui. A reportagem de “AN” percorreu cinco museus dos sete existentes em Joinville e o Museu do Mar, em São Francisco do Sul, e na maioria deles as cenas são de falta de conservação das estruturas.

Continua depois da publicidade

Segundo levantamento do Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville, apenas duas das sete unidades de cultura joinvilenses têm um plano de prevenção para incêndios. As construções não contam com estratégias para lidar com situações de emergência, como a que aconteceu no museu carioca.

— Nós vemos as políticas recentes, em que as verbas para as áreas da cultura têm sido cortadas drasticamente. Isso repercute neste tipo de acontecimento. Acredito que, para resolvermos isso, somente revendo as prioridades — explica Dione da Rocha Bandeira, arqueóloga especialista na gestão de museus.

De acordo com Evandro Censi, diretor executivo da secretaria de Cultura e Turismo (Secult), os museus joinvilenses não têm mecanismos específicos de segurança para evitar qualquer situação de emergência, seja incêndios, alagamentos ou até assaltos.

Quase todas as unidades visitadas possuem uma singularidade que pode também ser fator agravante a emergências ou a regularidade nas manutenções. Casarões históricos construídos, inicialmente, para serem lares foram transformados em museus. Além do alto custo para restauro, estes imóveis não foram projetados para receber o sistema atual de elétrica ou de hidráulica, por exemplo.

Continua depois da publicidade

— Qualquer intervenção nessas edificações depende de projetos porque, como é tombada nacionalmente, passa por vistorias do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para ser aprovado. Então, acho que é um grande desafio essa parte estrutural dos museus — garante o diretor.

Acervo de Museu do Sambaqui já sofreu com enchente em Joinville

A preocupação com o estado de conservação de quatro museus de Joinville está na pauta do Ministério Público desde maio do ano passado. Na data, a 14ª Promotoria de Justiça abriu um inquérito civil para cobrar a manutenção no Museu de Arte de Joinville (MAJ), Museu Nacional de Imigração e Colonização (MNIC), Museu Arqueológico de Sambaqui e Museu Casa Fritz Alt.

Após o caso no Rio de Janeiro, o MP solicitou que os bombeiros realizem vistorias nas unidades para conferir se estão em adequação às normas de segurança.

Falta de projeto de prevenção a incêndios

Pelo levantamento realizado pelo corpo de Bombeiros, somente o Museu de Arte de Joinville (MAJ) e o Museu Nacional de Imigração e Colonização (MNIC) têm projeto de prevenção a incêndios aprovados pela corporação. Eles foram apresentados, respectivamente, em 2014 e em 2016. O Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville apresentou à corporação um plano de prevenção a incêndios em 2012, mas não foi aprovado.

Continua depois da publicidade

Para a Estação da Memória e o Museu Casa Fritz Alt, não foram localizados registros de liberações. Segundo Luciano Mendonça Seiler, coordenador do Centro de Atividades Técnicas (CAT) da corporação, especialista em segurança do trabalho e em segurança contra incêndio e pânico, como as unidades estão instaladas em edificações antigas, não é obrigatório que elas apresentem este planejamento, já que foram construídas antes da existência da legislação que prevê o projeto de prevenção interna a incêndios.

— Sua natureza e limitações construtivas (na maioria de ordem estrutural) não permitem a instalação de alguns sistemas de prevenção mais elaborados. Na maioria das vezes, o que se observa é que existem também dificuldades por causa da aceitação de órgãos ligados à conservação do patrimônio para a instalação de sistemas preventivos, alegando a possibilidade de que estes alterem as características de originalidade destes locais — avalia Seiler.

As ações de manutenção nos museus da cidade acontecem de forma pontual. De acordo com diretor executivo da Secult, atualmente as unidades culturais contam com extintores, segurança durante 24 horas e câmeras de monitoramento. Na opinião dele, o plano de segurança destes locais deve vir junto ao projeto de restauro e uma reserva técnica para o acervo, porque além de trabalhar a estrutura também contemplam a implantação de acessibilidade. Mas, para sair do papel, os projetos esbarram na captação de recursos.

Museu do Mar, São Francisco do Sul, está com a estrutura deteriorada

— Os museus que têm a importância pelo patrimônio teriam que ter as manutenções realizadas, hoje é feito de maneira pontual. Tudo que não é pontual tem que ser por meio de um grande projeto e isso é caro. Então precisamos ir atrás de um projeto de apoio na Lei Rouanet, dos empresários e dos governos estadual e federal para realizar — conclui Censi.

Continua depois da publicidade

Consciência da importância

A dificuldade de se captar recursos para manutenção destes equipamentos culturais é um dos principais problemas. Para Dione Bandeira – especialista na gestão de museus – falta uma consciência quanto à importância das unidades para preservação da história da humanidade. Ela defende que a área museológica deveria receber investimentos constantes, não somente financeiro, mas também em pesquisas e ações educativas.

— Não se pode tratar desta maneira espaços tão importantes, que têm o registro material da nossa história e das transformações culturais. Isso nos dá a sensação de como é possível transformar a nossa realidade — explica Dione.

O Museu Nacional de Imigração está interditado por causa da falta de dinheiro para restauro. Ele é considerado um dos mais importantes do Estado, mas desde fevereiro está fechado para visitação. Estão sendo feitas melhorias como drenagem do terreno e reforma do alpendre. Entretanto, para que as pessoas possam voltar a visitar o espaço e conhecer a história da imigração e colonização no Sul do País, o casarão precisará passar por reparo, que inclui reformas elétrica e hidráulica e melhorias na segurança. Ainda não há prazo para começar os trabalhos – previstos em mais de R$ 1 milhão – por causa da falta de verba.

– O restauro é uma captação por meio da Lei Rouanet que tem que ser realizada. Já existe projeto e uma conta aberta – ressalta Censi.

Continua depois da publicidade

*Colaborou Cláudia Morriesen.

Confira a situação dos cinco principais Museus de Joinville:

Estação da Memória

ACERVO: composto por móveis, relógios, ferramentas, vagonetes de ferro e de madeira, balança de ferro, peças de louça, talheres e objetos como máquina de escrever, calculadora e aparelhos telefônicos. Já o Memorial da Bicicleta possui em seu acervo bicicletas em situação de comodato, bem como objetos e equipamentos relacionados ao meio de transporte.

MANUTENÇÃO: o acervo é inspecionado por especialista cultural do Centro de Preservação de Bens Culturais Móveis e Integrados (CPBC) da Secretaria de Cultura e Turismo de Joinville (Secult). Esse técnico orienta os servidores da Estação da Memória quanto à higienização e à manutenção realizada semanalmente pelos monitores do espaço.

Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville

ACERVO: o acervo possui em torno de 45 mil peças arqueológicas, divididas nas categorias pré-colonial (originárias dos sambaquis), histórica (com registros depois do período pré-colonial, resultantes de pesquisas realizadas na foz do rio Cubatão, na região da Rua das Palmeiras e na Estação da Memória), etnográfica (povos indígenas do Paraná, Mato Grosso e Santa Catarina, com peças como cerâmicas e cestarias) e iconográfica (telas, desenhos, aquarelas etc). Destas peças, cerca de 200 estão em exposição, na mostra “Coisas do Olhar”, desde 2012.

MANUTENÇÃO: as peças são armazenadas em área de reserva técnica com cerca de 90 metros quadrados e acondicionadas em estantes com prateleiras. Todo o material é devidamente embalado, de acordo as orientações do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A equipe profissional do Museu Arqueológico de Sambaqui conta com uma servidora especialista em conservação e restauração, que trabalha na área da reserva técnica. Parte do acervo já está condicionada em outro local. O espaço sofre com enchentes por causa da localização e, neste momento, aguarda recurso de R$ 1,3 milhão para que a construção seja elevada em 1,4 metro.

Continua depois da publicidade

Museu Casa Fritz Alt

ACERVO: composto por esculturas, moldes, desenhos, gravuras e materiais de pesquisa do artista plástico Fritz Alt.

MANUTENÇÃO: periodicamente, é realizada verificação junto às peças do acervo e, quando necessário, são encaminhadas para manutenção ou restauro junto ao CPBC. A antiga casa do artista, que funciona como sede do museu, está interditada para reforma desde 2015. A construção já passou por restauros no telhado, mas ainda falta a manutenção da parte elétrica e do forro. Já o ateliê, anexo à residência, continua aberto com exposição de material educativo.

Museu de Arte de Joinville

ACERVO: com cerca de 1,1 mil peças, o acervo Maj tem 47 anos e é um dos mais ricos de Santa Catarina. Representa a trajetória artística do Estado e do município, além de representatividades do cenário artístico-cultural nacional, de vários momentos da história. Entre as peças estão telas, esculturas, objetos tridimensionais, papéis e gravuras.

MANUTENÇÃO: o processo de conservação segue o mesmo do Museu Casa Fritz Alt.

Museu Nacional de Imigração e Colonização

ACERVO: o acervo é eclético e possui cerca de nove mil itens. As coleções incluem peças como indumentárias, mobiliário, numismática (cédulas e moedas), meios de transporte, utensílios domésticos, acervo documental da Colônia Dona Francisca e acervo de tecnologia patrimonial.

Continua depois da publicidade

MANUTENÇÃO: a conservação é feita por higienização mecânica, sem intervenção curativa, nem práticas de restauro. Não são utilizados produtos que causem efeitos químicos nos objetos. Os ambientes também são higienizados e é realizado monitoramento ambiental, com acompanhamento dos níveis de umidade e temperatura, para controle de fungos. Casarão está fechado, já foram feitas melhorias, como drenagem do terreno e reforma do alpendre. A unidade ainda precisa passar por revitalização, que inclui reforma elétrica, hidráulica e melhorias na parte de segurança.

PARA EVITAR INCÊNDIOS NESTES ESPAÇOS

— O Centro de Atividades Técnicas dos bombeiros de Joinville sugere, como ação de curto prazo, a criação e manutenção das brigadas de incêndio, com a capacitação das pessoas que trabalham nestes locais trabalham para que estejam preparados para agir em situações de princípios de incêndio e possam atuar no combate às chamas, eliminando o fogo ou reduzindo sua propagação, até a chegada das equipes de bombeiros.

— No médio prazo, informa ele, a minimização dos efeitos de um incêndio demanda a instalação de dispositivos de detecção e alarme de incêndios que possuam comunicação com centrais de monitoramento, a aplicação de elementos retardantes do fogo nas instalações e a instalação de sistemas automatizados de supressão de incêndios.