A enchente de 2008 destruiu casas, bairros inteiros até. Matou mais de cem pessoas no Estado – em Jaraguá do Sul foram 13 mortes. Só não impediu que aqueles que a enfrentaram continuassem sonhando, tocando suas vidas e evoluindo.
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Cinco anos depois de um dos fenômenos mais trágicos e devastadores da história de Santa Catarina e de Joinville, A Notícia mostra como cinco pessoas que enfrentaram as águas, cada uma da sua maneira, conseguiram tirar lições importantes e, a partir delas, construir novas casas, novos planos, novas atividades. São personagens que foram os protagonistas de reportagens publicadas nas mais de 150 páginas dedicadas à tragédia em menos de um mês – entre os dias 15 e 30 de novembro de 2008.
Todos usaram a enchente como um trampolin. Histórias como a do morador do Jativoca que ergueu uma segunda casa pelo menos um metro acima do nível do imóvel atingido. Agora, móveis novos ficam só no “andar” de cima. O pedreiro que ajudou dezenas de vizinhos a sair de casa enquanto a água subia até o barco começar a se desmanchar.
Hoje ele comprou um barco novo, que está sempre pronto para novas emergências. Ou ainda o empresário e bombeiro voluntário que se viu obrigado a criar e gerenciar uma estrutura gigantesca de ajuda, a Central Solidária, que transformou a desorganização total e a falta de estrutura em um modelo de ação de emergência para o País.
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“Aquela enchente me arrepiou”
Da janela da casa que foi inundada em 2008, o operador de máquinas Juscelino Reinert não se cansa de repetir que vive num dos melhores lugares de Joinville.
– É sossegado. É seguro. Os vizinhos se ajudam. Só que enche – diz, sobre a rua Santa Marta, no loteamento Jativoca, na zona Oeste da cidade.
Ele e a mulher perderam todos os móveis e eletrodomésticos. A lembrança do roupeiro é a mais marcante. Mesmo depois de perder o móvel, continuou pagando dez prestações de R$ 120. Ficaram mais de uma semana de um lado para o outro e em um abrigo montado no bairro Nova Brasília.
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Hoje, quem entra nos dois cômodos que foram inundados só encontra os móveis de menor valor ou que podem ser rapidamente levantados. Geladeira, cozinha nova e eletrodomésticos ficam em uma casa nova que ele ergueu e sustentou sobre imensos pilares com quase 30 centímetros de diâmetro, como as palafitas da Amazônia ou do Pantanal. A palafita é um tipo de habitação comum em áreas alagadiças, construída geralmente a uma altura que a água não alcance.
– Aquela enchente me arrepiou. Agora, estamos melhor preparados – diz, mostrando a casa da filha, nos fundos, também suspensa em pilares de concreto.
Agora, só o medo do vento
O eletrotécnico Claudio Medeiros tem uma vista privilegiada da zona Sul de Joinville. Ele mora no alto da rua Adelaide Roza da Luz, a última via paralela à Estrada Rio do Morro, no Paranaguamirim.
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Desde a década de 1990, já enfrentou de tudo por lá. Ventanias, temporais, raios e, claro, a devastadora enchente de 2008. Não foi a água que subiu, mas a terra encharcada por quase 15 dias de chuva que desceu e derrubou o que havia pela frente. Um enorme muro de tijolos caiu sobre a casa de madeira. Claudio retirou pela janela a sogra, a mulher e a filha. O teto teve de ser sustentado por escoras de madeira.
A quase-tragédia motivou o morador a reforçar toda a base do muro e das duas casas novas que foram construídas nos últimos cinco anos.
– A gente conseguiu se recuperar, foi melhorando aos poucos. Construí de novo com muito mais reforço – diz.
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Olhando para a foto do muro destruído, ele lembra o trabalho que deu retirar o entulho em carrinhos de mão do terreno. E ri ao ver que a lixeira ainda é a mesma.
Agora, a chuva não assusta mais a família de Claudio.
– Aqui é muito bonito, mas sempre deu muito vento. Vento forte mesmo. Sempre que dá um temporal, voam algumas telhas. Mas a gente já está reforçando essa parte também.
Rampa de emergência
A dona de casa Bernardete Delgado ainda não testou a rampa de concreto que a família construiu e que dá acesso ao segundo andar da casa de madeira nos fundos do terreno. Mas já sabe que é por ali que todos devem levar os móveis e os animais domésticos caso a enchente volte a atormentar a região.
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A casa onde ela morava de aluguel, na esquina das ruas São Lourenço e São João Clímaco, no bairro Nova Brasília, já não existe mais. Na época, ela morava com a filha Celma, então com 18 anos, e outras seis pessoas. Tudo o que tinham se perdeu na enchente. O lugar foi abaixo com a força das águas. O material de construção – areia, cimento, cal e tijolos – comprados para construir a casa própria, também foi embora.
Hoje, dona Bernardete faz fisioterapia para amenizar as dores nas costas, principal sintoma de décadas de trabalho como diarista. As dores e a dificuldade para andar, porém, não a impedem de subir a rampa e se abrigar confortavelmente no andar superior do imóvel onde Celma mora, agora com 24 anos.
Agora, na casa própria, construída no mesmo bairro, eles esperam nunca mais passar pelo drama da enchente. Mas garantem: estão preparados se ela voltar.
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Misael está sempre alerta
O barco de madeira que o pedreiro Misael de Oliveira usou para retirar dezenas de famílias de suas casas, no bairro Jativoca, um dos mais atingidos pela enchente de 2008 em Joinville, não existe mais. Ele carregou pessoas, animais, móveis e até motocicletas durante dez dias. As madeiras começaram a se desprender.
– Ajudei muita gente a sair de casa. Tinha uma área isolada. A água subiu muito – diz, mostrando as marcas que até hoje dividem a parede de uma das casas vizinhas.
A casa em que Misael mora com a mulher e cinco filhos – na época eram três e a mulher estava grávida – foi tomada pela água. Não sobrou quase nada da estrutura de madeira, que hoje abriga uma nova embarcação nos fundos da casa que ele construiu e levantou mais de um metro do nível da rua.
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Mas, além de estar prevenido e pronto para colocar o barco na água para ajudar os vizinhos, ele também planeja construir um segundo andar sobre a garagem da casa. A armação de concreto já está quase pronta.
– A gente nunca sabe o quanto a água vai subir. Quero que meus filhos não passem por isso de novo. Por isso, penso em levantar tudo – diz.
Sem um trabalho fixo, o pedreiro aproveita os dias de folga para trabalhar na casa. A primeira parte foi um aterro que deixou a porta uns 60 centímetros abaixo do nível da garagem. Agora, ele vai aterrar dentro de casa e, depois, terminar a construção.
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Um exército de voluntários
A inspiração no trabalho voluntário dos pais e a experiência como bombeiro voluntário levaram o empresário Adriano Silva a ousar em meio à crise. Ele estava no Sul do Estado quando recebeu o chamado para atuar em meio ao caos que se transformavam alguns bairros de Joinville.
Demorou quase dois dias para chegar porque teve de fazer uma volta gigante pelo Vale do Itajaí e o Planalto Norte, em meio a estradas bloqueadas pelas barreiras que caíam. Ao chegar em Joinville e começar a trabalhar na central do Corpo de Bombeiros Voluntários, percebeu que a maioria das ligações era de pessoas querendo ajudar e não pedir ajuda.
– Aquilo me chamou a atenção. Pedi autorização para montar uma central – diz Silva.
Não havia um local apropriado, equipe montada, lista de tarefas ou pessoas especializadas. Mesmo assim, aos poucos, o grupo liderado por ele, com o apoio do Rotary Club, Ajos, Exército e Defesa Civil, transformou o Expocentro numa imensa fábrica de solidariedade.
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Hoje, a experiência que mobilizou mais de cinco mil voluntários está formalizada O Instituto Força Empresarial para Emergências tem capacidade de mobilizar e organizar uma central solidária como a de 2008 em menos de 24 horas.