*Por Carl Zimmer e Wes Frazer
Tuscaloosa, Alabama – Em um dia frio e cinzento de inverno, Stephen Secor parou em frente à casa de David e Amber Nelson, que o receberam em seu porão adaptado, cheio de gaiolas com porta de vidro do tamanho de geladeiras. Cada uma delas continha uma serpente enorme. Alguns dos pítons e das jiboias do casal eram adoções recentes do laboratório de Secor, alguns quilômetros a oeste, na Universidade do Alabama.
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Secor e David Nelson, gerente de produto de uma fábrica local de peças de carro, tiraram as serpentes uma de cada vez de suas gaiolas. "Olá, Monty, como está, meu querido? Monty é uma boa serpente, não é?", Secor perguntou a um píton birmanês que deslizava por seus ombros.
Era dia de alimentação. As serpentes não comiam havia duas semanas. Estavam prestes a realizar um dos mais extraordinários atos de metabolismo no reino animal – um feito que Secor vem estudando há um quarto de século.
Ele tem encontrado adaptações em todo o corpo da serpente, como a capacidade de expandir rapidamente os órgãos e depois encolhê-los. Suas descobertas oferecem pistas interessantes que podem um dia ser aplicadas ao nosso próprio corpo como tratamentos médicos.
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Nelson abriu a gaiola onde estava um píton birmanês cinza escuro, uma fêmea chamada Haydee, e soltou um grande rato lá dentro. O rato ficou congelado no canto, mas Haydee ignorou seu novo colega de cela por vários minutos. Ela levantou a cabeça de cor metálica bem devagar, balançando indiferentemente a língua. E, de repente, Haydee se transformou em um foguete.
Ela atravessou a gaiola, pegou o rato com os dentes superiores e enrolou seu corpo grosso em torno da vítima. Lá no meio, o rato ainda era visível, as pernas traseiras e a cauda se debatendo no ar. Ele respirou rapidamente por um tempo, e então parou.
Haydee afrouxou o aperto e levantou a cabeça em direção à porta, como se estivesse se perguntando se mais ratos viriam. Então, voltou-se para sua presa, nariz contra nariz, e abriu a boca. Usou os dentes laterais para abocanhar o roedor morto. Suas mandíbulas se esticaram para abrir caminho, e ela fez o rato passar por sua garganta expandida. Virou a cabeça em direção à porta, como se oferecesse ao seu público humano a chance de dizer adeus ao rato, enquanto as patas traseiras e a cauda do animal deslizavam para seu esôfago.
Pítons e vários outros tipos de serpentes comem regularmente um quarto de seu peso corporal de uma vez. Às vezes, a refeição é maior que elas. Nos dias que se seguem, digerem suas presas e absorvem quase tudo.
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Secor começou a estudar como essas serpentes se alternam entre jejuns e banquetes desde sua pós-graduação e vem desenvolvendo novas formas de estudá-las. Atualmente, está colaborando com especialistas em genoma para investigar os animais em detalhes moleculares. Juntos, os cientistas estão descobrindo que as serpentes realizam uma sinfonia genética, produzindo uma série de novas proteínas que permitem que seu corpo se transforme rapidamente em uma máquina de digestão incomparável.

"Sou um grande fã – eles estão usando genômica de última geração e ultrapassando os limites do que podemos entender. Não é um absurdo imaginar que isso possa ter consequências fantásticas na saúde humana", disse Harry Greene, especialista em serpentes da Universidade Cornell, que não estava envolvido no projeto.
Em sua pós-graduação, Secor estudou como as cascavéis sobreviviam em padrões que iam de longos jejuns a uma refeição com um animal inteiro. Ele se perguntava de quanta energia elas precisavam para a digestão.
Quando veio para a Universidade da Califórnia, em Los Angeles, como pesquisador de pós-doutorado, decidiu descobrir. Ele alimentava suas cascavéis com ratos e depois as colocava em uma caixa fechada. Assim, podia analisar amostras do ar da caixa para monitorar quanto oxigênio elas respiravam para queimar combustível.
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"Em dois dias, obtive números que não faziam sentido", contou ele. Quando os mamíferos se alimentam, sua taxa metabólica sobe entre 25 por cento e 50 por cento. A das cascavéis aumentava cerca de 700 por cento.
Secor mudou para pítons e descobriu que eles chegavam a extremos ainda maiores. Se um píton come um quarto de seu peso corporal, sua taxa metabólica salta mil por cento. Os pítons, porém, podem comer o equivalente a seu peso corporal se Secor tiver ratos suficientes para lhes oferecer. Nesses casos, sua taxa metabólica pode subir 4.400 por cento, a mais alta já registrada para um animal.
Para comparação, um cavalo em galope total aumenta sua taxa metabólica em cerca de 3.500 por cento. Mas, enquanto um cavalo pode galopar por alguns minutos no Kentucky Derby, um píton pode manter sua taxa metabólica em elevação extrema por duas semanas. Secor passou anos investigando o que as serpentes fazem com todo esse combustível extra. Para começar: ácido estomacal.
Adicionamos um pouco de ácido ao nosso estômago algumas vezes ao dia para lidar com nossas refeições regulares. Quando um píton está em jejum, no entanto, seu estômago não contém ácido algum. Seu pH é o mesmo que o da água. Poucas horas depois de engolir um animal, Secor descobriu, uma serpente produz uma torrente de ácido que permanecerá em seu estômago por dias, digerindo a presa.
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Enquanto isso, o intestino da serpente passa por um surto de crescimento notável. As células intestinais têm projeções semelhantes a dedos, que absorvem açúcar e outros nutrientes. Essas células incham, alongando-se até cinco vezes. Um píton pode triplicar a massa de seu intestino delgado durante a noite. De repente, seu trato digestivo consegue lidar com a enorme onda de comida que se aproxima.
Quando todo esse alimento chega à corrente sanguínea da serpente, seus outros órgãos têm de lidar com isso. Secor e seus colegas descobriram que o resto do corpo do animal responde de forma igualmente impressionante. Seu fígado e seu rim dobram de peso, e seu coração aumenta 40 por cento.
Quando o rato no esôfago de Haydee chegar ao fim de seu intestino grosso, haverá apenas uma bola de pelos. Todo o resto estará correndo pelo corpo dela, grande parte disso destinado a acabar em longas tiras de gordura. Então, seu intestino vai encolher, seu estômago vai voltar ao pH da água novamente e seus outros órgãos voltarão ao tamanho anterior.
Do ponto de vista evolutivo, Secor percebeu como essa reversão drástica fazia sentido. "Isso tudo é um tremendo desperdício de energia. Por que manter as coisas funcionando quando você não as usa?" Mas a maneira pela qual as serpentes conseguiram esse feito foi algo mais difícil para Secor explicar. Outros cientistas não conseguiram ajudá-lo.
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Quando mostrou fotos de intestinos de serpentes encolhidos aos patologistas, eles ficaram perplexos. "Disseram: 'Seus animais estão doentes. Estão morrendo. Têm parasitas que estão devastando seu intestino.' Respondi: 'Não, estão saudáveis.' Eles apenas balançaram a cabeça e não puderam me ajudar."
Medir a ingestão de oxigênio e analisar o intestino ao microscópio limitavam o alcance da pesquisa de Secor. Ele perguntou a colegas que estudavam DNA o que seria necessário para descobrir como os genes das serpentes se ligavam e se desligavam durante a digestão. "E eles disseram: 'Não dá para fazer isso.' Levaria anos e anos e anos, porque você teria de pegar um por um e então descobrir o que fazem", lembrou-se Secor.
Então, em 2010, ele conheceu Todd Castoe, especialista em sequenciamento de DNA de répteis, que ficou animado com a chance de ajudar Secor a entender suas serpentes. "O metabolismo é uma loucura – grande parte dele é extremo e inesperado", afirmou Castoe, que leciona na Universidade do Texas, em Arlington.

Castoe e Secor iniciaram uma colaboração para entender as serpentes no nível molecular. Em 2013, eles e seus colegas publicaram o genoma do píton birmanês. Agora, tinham um catálogo de todos os genes que as serpentes poderim usar durante a digestão.
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Desde então, os cientistas descobriram como as serpentes usam esses genes. Secor e seus alunos dissecam serpentes durante o jejum ou depois de uma refeição. Os pesquisadores examinam cada órgão e preservam amostras para estudos posteriores.
"Tudo está conservado ou congelado", disse Secor. Ele envia parte do material para Castoe, no Texas, que analisa as células. Sua equipe então encontra pistas moleculares para quais genes estão ativos em diferentes órgãos.
Os pesquisadores ficaram chocados ao descobrir que, doze horas após engolir sua presa, um grande número de genes se torna ativo em diferentes partes de uma serpente. "Você pode esperar que talvez 20 ou 30 genes mudem. Não dois mil ou três mil", observou Castoe.
Os pesquisadores descobriram que vários dos genes estão envolvidos no crescimento, enquanto outros respondem ao estresse e reparam o DNA danificado. É uma estranha combinação que os cientistas nunca tinham visto em animais. Castoe especula que as serpentes usam seus genes de crescimento muito mais intensamente do que, digamos, uma criança humana em crescimento usaria.
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Isso permite que esses animais dobrem o tamanho dos órgãos em questão de horas e dias. Mas também pode ter um custo: as células estão crescendo e se dividindo tão rápido que não têm tempo para ser cuidadosas. Ao longo do processo, produzem inúmeras proteínas malformadas que danificam as células.
Quando os órgãos inchados voltam ao normal, parece que as serpentes podem simplesmente desligar seus genes de reparação, de modo que suas células não sejam mais protegidas de danos autoinfligidos. "Toda essa coisa de crescimento entra em colapso", especulou Castoe.
Mesmo entre as serpentes, o modo de vida jejum/banquete é incomum, tendo evoluído independentemente apenas algumas vezes. Examinando outras serpentes em jejum, os cientistas encontraram algumas das mesmas mudanças na atividade genética. Eles estão se concentrando nesse pequeno conjunto de genes.
"É como se estivéssemos cortando pedaços da torta, e só queremos a parte mais suculenta", disse Castoe. Se ele e Secor conseguirem descobrir o que acontece nas serpentes, pode ser possível aplicar alguns de seus poderes em nosso próprio corpo, uma vez que compartilhamos muitos genes em comum com os animais.
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Os cientistas suspeitam que as serpentes orquestram sua transformação com alguns gatilhos moleculares. Alguns genes podem fazer com que muitos outros genes sejam ligados em um órgão e o façam crescer. Se os cientistas conseguirem encontrar esses gatilhos, poderão ser capazes de regenerar tecidos danificados em pessoas.

Alternativamente, os médicos podem imitar a maneira como as serpentes rapidamente – mas com segurança – revertem seu crescimento. Pode haver pistas em sua biologia de como parar o crescimento descontrolado de cânceres. "Se você soubesse as respostas para tudo isso, provavelmente teria drogas que poderiam curar dezenas de doenças", observou Castoe.
Mas Castoe vê muito trabalho pela frente antes que tais benefícios surjam. Por enquanto, ele e seus colegas não têm ideia de quais são os gatilhos nas serpentes.
Agora, para descobrir, vão examinar as serpentes apenas algumas horas após a captura de presas. Poderão ver mudanças nas células dos animais. Mas essas mudanças ocorrem muito rapidamente para ser o resultado da ação de genes. É possível que elas estejam redobrando as proteínas que já existem em suas células, para que façam coisas novas.
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"Eu adoraria montar todo o caminho, mas não estamos nem perto de descobrir tudo isso", disse Secor.
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