Há exatos quatro meses desde que a primeira morte por coronavírus ocorreu em Santa Catarina, apenas cinco cidades continuam sem nenhum caso confirmado, segundo dados do governo estadual. Painel, Urupema e Capão Alto, na Serra Catarinense; Matos Costa, no Meio-Oeste; e Barra Bonita, no Oeste, são os últimos refúgios catarinenses livres da covid-19.
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O levantamento da NSC é baseado em dados oficiais divulgados diariamente pelo governo do Estado, via Secretaria de Estado de Saúde. Os números são os mesmos encaminhados diariamente ao Ministério da Saúde. A prefeitura de Capão Alto, no entanto, sinalouzou ter um caso confirmado.
E não é por acaso que o contágio ainda não chegou a esses municípios, que compartilham de características sociais e geográficas, além de medidas de enfrentamento mais rígidas, que chegaram a ser criticadas no início da pandemia.
A pedido da reportagem, o geógrafo Eduardo Werneck Ribeiro, professor do Instituto Federal Catarinense e integrante da Rede Nacional de Geógrafos para Saúde, levantou os aspectos em comum nessas cidades que ajudam a explicar por que a pandemia nelas através dos noticiários. Além dele, gestores públicos e representantes reliososos também foram ouvidos.
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Cidades pequenas, isolamento social natural
Todas as cidades têm entre 1,6 mil e 2,5 mil moradores. Como os territórios da maioria delas são extensos para os padrões de SC, a população fica mais dispersa. Só o tamanho de Capão Alto equivale a 29 vezes a área de Balneário Camboriú, por exemplo, a terceira cidade com mais casos confirmados de coronavírus (3.374), segundo o governo do Estado.
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Outra característica em comum em todas elas é o fato de serem predominantemente rurais, o que também contribui para o distanciamento natural da população. Por isso, no jargão da geografia, essas cidades apresentam pouco “movimento pendular”, não há fluxo intenso de moradores trabalhando, estudando ou exercendo atividades nas cidades vizinhas no cotidiano e voltando à noite para casa. É exatamente o oposto do Litoral catarinense, o primeiro epicentro da pandemia em SC, onde as cidades estão interligadas e as pessoas moram e trabalham em municípios diferentes, movimentando-se pela BR-101.
Cidades se comunicam pouco com os pólos regionais
Com base nos dados da pesquisa Regiões de Influência das Cidades, do IBGE, o professor Werneck explica que moradores de quase todas as seis cidades utilizam os serviços de outros municípios pequenos do entorno, e não dos pólos regionais. Isso serve também na hora de buscar serviços de saúde de média complexidade. Dessa forma, a população não entra em contato direto com os moradores das cidades grandes, onde a velocidade do contágio pelo novo coronavírus é alta.
– Praticamente todas essas cidades têm como referência cidades menores que as cidades pólo regionais. Por exemplo, Barra Bonita tem como referência São Miguel do Oeste, e não Chapecó. Para Matos Costa, é Porto União. As referências médicas são cidades próximas ou de menores complexidades de serviços urbanos.
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A exceção é na Serra. Cerro Negro, Capão Alto e Urupema ainda têm como referência Lages. Mas a região foi a última a registrar avanço de novos casos do coronavírus e detém uma característica importante: a baixa densidade demográfica. Capão Alto e Painel são o primeiro e segundo municípios com menor índice de habitantes por quilômetro quadrado no Estado.
Cidades se conectam a outras menores
A linha azul do mapa abaixo mostra as conexões entre as cidades de SC na busca por serviços de referência, como a saúde. Enquanto na maioria dos municípios menores a referência são as cidades polo das regiões (onde os nós são mais visíveis), Em três das seis cidades sem casos de coronavírus os habitantes buscam atendimento em outras cidades pequenas. Apenas na Serra Lages continua a ser a referência.

Embora o Índice de Desenvolvimento Humano das seis cidades esteja no patamar médio (entre 0,65 e 0,69 numa escala de 0 a 1) – apenas em Barra Bonita é considerado alto (0,701) –, no indicador de longevidade, que compõe o índice, todas apresentam valores altos, próximos ou acima de 0,8. Segundo Werneck, longevidade é um indicador de que a atenção básica de saúde apresenta bom desempenho nessas cidades.
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– Minha tese para esse quadro é que temos uma combinação de fatores: pouca mobilidade das pessoas e isolamento social “natural”. Não podemos descartar o bom serviço da atenção básica desses municípios. É difícil um município sem serviço de saúde ter boa longevidade – considera.
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Serra de SC
Três, dos seis municípios que ainda não confirmaram casos de coronavírus até essa quinta-feira (23) são da Serra Catarinense, região turística onde algumas cidades decretaram lockdown, pela rápida disseminação do vírus.
Mais próximas uma da outra, Urupema e Painel trabalham com medidias individuais de combate à pandemia. Urupema, por exemplo, adotou barreiras sanitárias desde que o Estado confirmou os primeiros casos.

Secretária de Saúde do município, Tânia Guglielmi, explica uma única entrada continua aberta na cidade, local onde a barreira funciona todos os dias da semana com medição de temperatura e orientações sobre o uso de máscaras.
– A população ajudou muito. Sempre tem os mais resistentes, mas a maioria contribuiu bastante, não aglomerando. Também fechamos, algumas vezes, os pontos turísticos. A primeira vez, foi quanto baixou a temperatura mais e cresceu turismo. Nós quermos muito que as pessoas nos visitem, mas agora não é o momento – pondera.
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Além disso, a cidade trabalha com desinfecção de ruas e de espaços públicos movimentados, como os postos de saúde, parou com a circulação de transporte público e organizou uma estratégia de isolamento no transporte de pacientes que precisam de atendimento fora de domicílio e multa o pedestre, se for flagrado sem uso de máscara.
Capão Alto
O uso das máscaras também é o ponto forte de Capão Alto, segundo o pastor Roberto Olegario, cidade que não adotou as barreiras sanitárias como em Urupema, mas qie segue sem casos confirmados. Por lá, a população reconheceu a importância do utensílio e do distanciamento social:
– É uma cidade pequena, mas a gente vê nos comércios e nas ruas, as pessoas seguindo as orientações. São raras aquelas que não usam máscaras. Desde que o prefeito lançou o decreto, com as reaberturas de comércios e igrejas, o povo abraçou esse cuidado de máscara.
O município confirmou um caso de infecção por covid-19, segundo atualização feita no dia 22 de julho, mas o paciente ainda não foi considerado na conta do governo catarinense.
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Cidades que zeraram casos
Além das cidades que nunca tiveram casos confirmados de coronavírus, Santa Catarina tem ainda 36 que já tiveram pacientes diagnosticados com covid-19, mas superaram a pandemia (cidades em cinza no mapa acima). Em 31 delas, todos os doentes se curaram. Em 5 (Arvoredo, Irani, Pinheiro Preto, Rio das Antas e Santa Terezinha), um paciente morreu, e os demais já estão recuperados.
Conforme o boletim do governo estadual divulgado nesta quinta-feira, há 10.138 pessoas em tratamento contra a covid-19. Elas estão espalhadas entre 254 cidades do Estado.