Uma estrutura imponente na região central da cidade vem se deteriorando à espera de uma solução que parece estar longe de ser alcançada. Desde que deixou de ser um complexo cervejeiro e foi comprada pela Prefeitura de Joinville em 2000, a Cidadela Cultural Antarctica sofre com a falta de preservação e revitalização.
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Atualmente, metade do prédio está interditado e a outra abriga a Secretaria de Proteção Civil e Segurança Pública (Seprot), além da Associação Joinvilense de Teatro (Ajote), Associação dos Artistas Plásticos de Joinville (Aaplaj) e espaços expositivos do Museu de Arte de Joinville (MAJ). No entanto, ainda está longe de ser o grande espaço reservado para cultura, lazer e turismo como foi prometido há quase duas décadas pelo então prefeito Luiz Henrique da Silveira e garantido por lei no Plano Municipal de Cultura, de 2012.
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O grande empecilho para revitalizar e reformar o prédio é a Cidadela Cultural ser tombada como patrimônio histórico pelo município desde 2010, levando a um investimento ainda mais alto nas obras. Isso porque, mais do que uma reforma, seria necessário um projeto de restauro do complexo _ alguns prédios datados do início do século 20 _ com a substituição dos materiais avariados pelos mesmos modelos usados na construção do complexo.
Só depois seria possível fazer o projeto de ocupação do local. A estimativa, feita no ano passado, era de que, para funcionar, fosse necessário o investimento de R$ 20 milhões, segundo informações do então presidente da Fundação Cultural, Guilherme Gassenferth, em entrevista ao “AN”.
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A classe artística e cultural critica a administração municipal pelo descaso com o local, como a falta de iluminação, segurança e reparo de dois banheiros interditados. A reportagem de “AN” solicitou a entrevista com um representante da Secretaria de Cultura e Turismo (Secult) para falar sobre a Cidadela Cultural, mas a Prefeitura afirmou, por meio da Secretaria de Comunicação, que se pronunciaria apenas por meio de nota.
O município afirmou que a segurança é realizada 24 horas por dia, durante os sete dias da semana, e que a empresa de segurança possui uma base instalada na unidade, além da Guarda Municipal que também realiza rondas no local. A assessoria também informou que a Seprot não tem previsão para a liberação dos banheiros e que a iluminação será reforçada, dentro das condições técnicas da estrutura.
Há a expectativa de que a Seprot, atual responsável pela Cidadela, seja transferida para a Expoville até o final do ano juntamente com a Defesa Civil, Departamento de Trânsito e Guarda Municipal, apesar da Prefeitura afirmar que ainda não há previsão. Isso preocupa as associações pela possibilidade de crescer a insegurança e a falta de manutenção da Cidadela.
No entanto, também surge a esperança de que o local comece a se transformar em um espaço verdadeiramente cultural. Segundo a Prefeitura, por enquanto está previsto que as associações permaneçam no complexo caso a Seprot mude de sede, mas o município vai avaliar se continuará sendo realizada a segurança.
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Como é ocupado o espaço
A estrutura da frente, próxima a rua 15 de Novembro, é ocupada pela Seprot, que inclui a Defesa Civil e a Guarda Municipal. Anexo, fica um galpão usado pela Ajote e outros dois que são utilizados pelo Museu de Arte de Joinville (MAJ) e estão fechados para obras de revitalização. Segundo a Prefeitura, os trabalhos nos anexos do MAJ têm previsão para serem concluídos este mês.
Cada entidade realiza a manutenção do espaço interno e apesar de terem instalado a iluminação no exterior dos galpões para garantir a segurança do local eles não podem fazer reformas do lado de fora.
Nos fundos, à esquerda, há mais uma estrutura usada pela Seprot e, à direita do complexo, um pouco mais afastada do prédio central, um espaço é destinado à Aaplaj. O prédio maior aos fundos era onde ficava o depósito, câmara frigorífica, casa de bombas, central de energia, tanques de fermentação e os escritórios da antiga cervejaria e onde seria instalado o Museu de Arte Contemporânea Luiz Henrique Schwanke. Esta área está interditada e circundada por tapumes.
Sentimento de instabilidade com saída de órgãos públicos
O presidente do Conselho Municipal de Política Cultural, Cássio Correia, diz que existe um sentimento de instabilidade com a possível saída dos órgãos públicos das dependências da Cidadela. Segundo ele, também há conversas de que será transferida a responsabilidade pela estrutura, saindo da Seprot e indo para a Secretaria de Cultura e Turismo.
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Na visão do artista, isso é positivo porque abriria espaço para os coletivos ocuparem os lugares hoje usados e a Secult poderia implantar uma gerência dentro da Cidadela que administrasse todo o espaço.
Enquanto nada é definido, um grupo de trabalho está sendo formado dentro do conselho para pensar possibilidades e soluções para o prédio da antiga cervejaria joinvilense. Paralelamente, a classe artística e cultural começa a desenvolver a ideia de criar uma organização social para buscar recursos federais e de editais para a Cidadela.
— A ideia é tentarmos arregaçar as mangas junto com o poder público para que a Cidadela possa virar um grande centro cultural. O lugar é lindo, maravilhoso e central, acho que tem que estar disponível para o joinvilense usufruir — defende.
No entanto, Cássio acredita que a estrutura precisará ser reformada antes de ser dividida para os coletivos usarem os espaços disponíveis. Segundo ele, será necessária a participação do poder público ou de alguma entidade privada para conseguir recursos e deixar a Cidadela minimamente utilizável para as associações de artistas.
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O presidente do conselho tem a consciência de que o País passa por uma crise econômica e não será fácil encontrar recursos para um restauro completo do espaço. Por isso, a ideia é de que as intervenções sejam pontuais e divididas.
— Emergencialmente, o que a gente precisa? São os banheiros e a iluminação? Então, vamos fazer projetos pequenos que incluam essas duas demandas agora. Acho que tem que ir por partes daqui para frente. Vamos levar cerca de dez a 15 anos, senão mais, para que possamos ter exatamente o que queremos — afirma.
Presidente da Ajote defende criação de condomínio
A Associação Joinvilense de Teatro (Ajote) tem um galpão dentro da Cidadela Cultural Antarctica com capacidade para cem pessoas usado para as apresentações de espetáculos, que acontecem semanalmente e movimentam cerca de 400 pessoas por mês. Além disso, há exibição de documentários, filmes e oficinas em uma programação totalmente gratuita.
De acordo com a presidente da entidade, Samira Sinara Souza, o galpão da Ajote tem uma diversificação de formatos de espetáculos porque permite que o espaço da plateia seja deslocado de maneira a montar um palco diferente do tradicional. Por isso, há uma programação com variedade de peças, incluindo companhias de outras regiões do Brasil.
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— É um espaço que já possui uma demanda de produção, formação e até de zelo pelo patrimônio porque nós mesmos fazemos um trabalho de revitalização daquele espaço todo ano, seja no camarim, na plateia ou no hall. Tudo para atender a cidade _ explica.
Samira diz que há um descaso do poder público com a valorização e o zelo de um patrimônio cultural municipal como a Cidadela. Ela defende que haja mais diálogo da Prefeitura com as associações, já que elas contribuem para a programação cultural da cidade. Segundo a presidente da Ajote, o espaço também poderia ser considerado para se tornar mais uma opção de ponto turístico para Joinville.
A artista acredita que uma das soluções para a Cidadela seria transformá-la em uma espécie de condomínio cultural, que fosse ocupado pelos coletivos e associações e utilizado para fomentar a programação cultural, além de gerar economia. Dessa forma, todos os “inquilinos” seriam divididos em espaços dentro do complexo e realizariam eventos para reverter dinheiro para o próprio espaço.
— Isso não é utopia porque países de primeiro mundo fazem muito isso. Eu vejo que as pessoas ainda têm um pensamento muito pequeno de como desenvolver economia e como manter um espaço ativo. Você tem várias possibilidades, é só ter diálogo — defende.
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Aaplaj sofre com insegurança
A Associação dos Artistas Plásticos de Joinville (Aaplaj) conta com 70 associados e realiza exposições todos os meses no espaço reservado à entidade dentro da Cidadela Cultural. O problema recente tem sido os atos de vandalismo contra o prédio.
Segundo a presidente Regina Marcis, foram três arrombamentos apenas neste mês e apesar de não levarem nada, os vândalos chegaram a subir até no telhado. A associação já colocou cadeados na porta, solicitou orçamento para a instalação de grades e instalou pontos de iluminação em frente ao local. A Prefeitura afirmou que a Seprot deve ser comunicada em casos de vandalismo como estes.
— Todas as pequenas reformas fizemos por nossa conta, mas só podemos fazer para o lado de dentro por conta do tombamento. Agora está ficando tudo muito escuro e abandonado — diz Regina.
A presidente diz que as instalações da Aaplaj são muito boas para as exposições e trabalhos dos artistas, porém, associação está receosa com o futuro do espaço. Ela ainda não sabe o que será feito com a estrutura caso a Seprot seja transferida e afirma que o poder público não tem olhos, planejamento e nem metas para recuperar a Cidadela Cultural.
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— Eu acho que seria bom se a Secretaria de Cultura e Turismo fosse para ali, mas deixando algumas salas para outras associações. Deixar sem nada vai ser um caos e não quero pensar que as pessoas queiram isso — sugere.
Para ela, ainda há como recuperar a estrutura atual da Cidadela apenas com vontade política, já que será uma obra muito cara. A presidente da Aaplaj não acredita que as associações culturais tenham recursos para manter a estrutura sozinhas. Seria necessário a Prefeitura reformar o prédio e ser a responsável pela administração, cedendo o espaço para os coletivos.
Instituto desiste de museu
Logo após a venda da Cidadela Cultural Antarctica para a Prefeitura, em 2006, um projeto começou a ser produzido para a construção do Museu de Arte Contemporânea Luiz Henrique Schwanke _ que nunca saiu do papel. Ele seria instalado no maior prédio do complexo, de 6 mil m², onde ficavam o depósito, os tanques de fermentação e os escritórios da antiga cervejaria.
A estrutura seria restaurada e ainda ganharia uma construção anexa. Nesse espaço, dividido em três andares, ficariam um auditório, uma biblioteca, salas para residência artística, bistrô, acervo para as obras do artista plástico joinvilense, além de um espaço para exposições. O investimento total seria de aproximadamente R$ 30 milhões.
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Hoje, o prédio que comportaria o museu está interditado e cercado por tapumes. O maior problema aconteceu em 2008, quando fortes chuvas fizeram um morro desabar nos fundos do imóvel e atingir a estrutura. Segundo Maria Regina Schwanke, irmã do artista e presidente do instituto que leva o nome dele, o deslizamento atingiu o telhado e encostou no prédio, levando à interdição.
— Nós já estávamos usando um espaço, inclusive uma parte havia sido liberada, limpa e reformada pelo instituto. Foi ali que impediu o projeto de continuidade do museu, uma vez que o morro deveria ter sido reparado — explica.
De acordo com Maria Regina, a responsabilidade de consertar a estrutura é da Prefeitura, o que não aconteceu durante as últimas três gestões municipais. Além disso, o instituto afirma que recebeu o prédio em deterioração, o que continuou ao longo dos anos, levando a entidade à rescindir a permissão de uso do espaço no ano passado. Foi o fim do sonho de construir um grande museu de arte contemporânea na cidade.
—Ficou inviável esse projeto que seria uma grande obra para a cidade. Também não tivemos apoiadores e, infelizmente, abdicamos desse sonho — conta.
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A presidente do Instituto Schwanke se mostra decepcionada com a inviabilidade de continuar com o projeto e também critica os investidores, que não se interessam pelo setor cultural. Para Maria Regina, a Cidadela conseguirá ter nova vida apenas se a cidade se interessar pelo local e unir forças, além de contar com o apoio do empresariado para investir na estrutura.