A 14ª edição do Cidade Revelada começa hoje em Itajaí com uma missão: fazer com que o patrimônio histórico e cultural ultrapasse a barreira da memória e torne-se um propulsor de desenvolvimento. Os convidados vão debater pelos próximos dois dias o futuro da cidade e maneiras de inserir o patrimônio no cenário urbano – uma realidade que ainda não ocorre em Itajaí.

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O evento inicia menos de uma semana após a Casa Mello, um dos mais antigos casarões do Centro da cidade, ter sido demolido com autorização da Justiça. A estrutura, do início do século 19, não resistiu à falta de manutenção.

O casarão era um dos 23 bens tombados pelo patrimônio histórico de Itajaí, mas, já em ruínas, chegou a ter o tombamento cancelado pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural no início de 2012.

Apesar de ter ido ao chão na sexta-feira, até a tarde de ontem o nome da Casa Mello ainda fazia parte da lista de bens protegidos na cidade, no site da Fundação Genésio Miranda Lins, como a lembrança de um exemplo que não deve ser seguido.

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– O Cidade Revelada deste ano trará uma reflexão sobre tudo isto. A preservação do patrimônio cria uma marca, e esperamos ampliar o debate para a cidade que queremos para viver – diz Antônio Carlos Floriano, superintendente da Fundação Genésio Miranda Lins e organizador do evento.

Discussão

Entre os convidados estão especialistas como a arquiteta dinamarquesa Lin Christina Skaufel, que falará sobre mobilidade e qualidade de vida urbana, e a colombiana Marta Lucía Bustos Gómez, que relatará a experiência de Bogotá em cultura e desenvolvimento urbano.

A programação inclui desde discussões sobre meios de preservação de patrimônio até formas contemporâneas de arte, como o grafite. A curadoria é do superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Santa Catarina (Iphan), Dalmo Vieira Filho.

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– Acho interessante inovar e ampliar a discussão. Precisamos rever algumas coisas, como projetos de restauro para imóveis tombados, condições para o município auxiliar os proprietários e qualificação das empresas que trabalham com isto. Caso contrário, o patrimônio acaba se perdendo – avalia José Amadio Russi, presidente da Fundação Cultural de Itajaí. ???

Fundo promete garantir a preservação do patrimônio

A impossibilidade de o município financiar o restauro de imóveis particulares, mesmo que tombados pelo patrimônio, está entre os principais entraves apontados por especialistas para que a cidade possa encarar com mais seriedade os imóveis de valor histórico e cultural. Hoje, se o dono não tiver interesse ou condições financeiras de restaurar ou manter o imóvel, o destino do prédio é a ruína – como ocorreu com a Casa Mello.

A situação pode ser contornada com a instituição de um Fundo de Proteção ao Patrimônio em Itajaí. A medida é parte da lista de compensações impostas pelo Ministério Público para compensar a demolição da Casa Mello. O restauro do Palácio Marcos Konder e a confecção de cartilhas educativas também fazem parte do acordo.

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– O que falta é conscientização sobre a importância de preservar o imóvel e das vantagens que o proprietário tem em mantê-lo – diz a arquiteta Luciana Coelho de Souza Ferreira, membro do Conselho de Patrimônio e fundadora do Instituto Preservar, que nasceu com a missão de educar e dar aos proprietários subsídios para que mantenham os imóveis em pé.

Hoje, três imóveis públicos e um privado estão em fase de restauro em Itajaí: a Casa da Cultura Dide Brandão, o Palácio Marcos Konder, o Mercado Público e a Cia Bauer. Entre os que ainda aguardam obras está o antigo prédio da Fiscalização dos Portos, que pertence ao Porto de Itajaí.

Entrevista

“Percebo um momento muito favorável” ?

Arquiteto e superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Santa Catarina (Iphan), Dalmo Vieira Filho é o curador da 14ª edição do Cidade Revelada. Nesta entrevista para O Sol Diário ele fala sobre a necessidade de uma mudança de valores para entender o patrimônio como parte essencial da vida nas cidades.

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Qual a importância do Cidade Revelada para Itajaí?

Dalmo Vieira Filho – O tema do evento, num ano em que se inicia um período de gestão, fica com a importância amplificada. A cidade vive um momento decisivo e essa troca de ideias pode contribuir muito. Deve-se entender o patrimônio como um fator essencial de qualidade de vida e importante para ser considerado neste processo, que são as cidades no século 21.

Como fazer com que as discussões vão além do âmbito das ideias?

Vieira Filho – Vejo disposição para uma gestão que se preocupe com inovação, uma visão sobre o significado das cidades e medidas que são necessárias tomar hoje. Percebo um momento muito favorável, em que as ideias repercutirão fortemente.

Qual o principal entrave para a preservação do patrimônio?

Vieira Filho – Os valores que temos priorizado. Precisamos questioná-los, aprofundar o que significa qualidade de vida, o quanto a cidade pode contribuir para isto, e como o patrimônio se insere no processo de modernidade e desenvolvimento.

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Que mecanismos podem ser adotados para que a memória seja preservada?

Vieira Filho – Discutir, buscando atualizar o que entendemos por qualidade de vida numa cidade como Itajaí. ?

Opinião: Representação de identidade

Por Francisco Braun Neto, historiador e professor da Univali

Numa cidade que se pretende turística, manter a memória é poder contar como tudo começou, como as coisas aconteceram, quais influências recebeu. Para o morador, é uma representação de identidade. Falta para Itajaí um plano diretor que preserve não só o estilo arquitetônico mas também a memória, além de critérios e procedimentos de tombamento. Hoje o proprietário arca com todos os custos de restauro e preservação, e não há uma política para quem tem que manter um imóvel. A cidade precisa de uma lei de incentivo, um auxílio do poder público para o restauro principalmente na área das ruas Pedro Ferreira e Lauro Müller, onde a cidade começou e onde ficam as casas mais antigas, que serviam ao comércio portuário e aduaneiro. O Cidade Revelada é importante porque traz visibilidade pública para esta discussão, mas não se pode deixar o debate somente para o evento. É preciso que o assunto seja ampliado e recorrente. Embora não se perceba a aplicação do que se discute, através de políticas públicas, percebe-se que há gente se articulando para pensar o patrimônio. E isto já é um começo.