Ao fim da empoeirada SC-156, surge um município que impressiona pela simplicidade. Sem prédios, com três ruas asfaltadas e uma economia baseada na agricultura familiar, Entre Rios, no Oeste de Santa Catarina, com pouco mais de 3,2 mil habitantes, aparece como uma resistência em meio ao bolsonarismo catarinense. O município, que fica a 549 km de Florianópolis, foi o que deu a maior votação para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno das eleições em 2022, puxado, principalmente, pelos eleitores mais pobres. Para eles, a preferência está atrelada a dois motivos: os auxílios oferecidos durante os governos petistas e o olhar à população mais carente. 

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O Diário Catarinense visitou as duas cidades que deram a maior votação para Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno das eleições para presidente em Santa Catarina para contextualizar os percentuais do resultado do primeiro turno das eleições. 

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Entre Rios se tornou município em julho de 1995 durante o governo de Paulo Afonso Evangelista Vieira (MDB). Antes, a região pertencia às cidades de Xaxim e Marema. O povo nativo são os índios Tupis Guaranis e Kaigangs que, até hoje, representam boa parte da população local.

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Para chegar até o município, a estrada é de terra. São cerca de 17 quilômetros desde a entrada na SC-156, próximo a Lageado Grande até o Centro da cidade. Antes, o motorista ainda passa pela ponte sob o Rio Chapecozinho, recém-inaugurada na região. 

— A ponte foi inaugurada na festa do município, este ano, em 19 de junho. Antes nós não tínhamos. Foi o governador [Carlos Moisés] que fez e, assim, para nós foi bom — conta a comerciante Cleonice de Silva, que mora há 51 anos no local. 

Depois, a estrada de chão se junta ao paralelepípedo na Aldeia Paiol de Barro, local onde vivem os indígenas da região. Nas casas, adesivos em apoio ao atual prefeito, João Maria Roque (MDB), estampam as janelas, assim como as bandeiras que correspondem às chapas que disputaram a eleição para cacique na região em maio deste ano e que teve como vencedor Osmar Barbosa, o Nego.

Cidade tem pouco mais de 3,2 mil habitantes
Cidade tem pouco mais de 3,2 mil habitantes (Foto: Tiago Ghizoni/DC)

É ali na aldeia que o ex-presidente Lula também tem a maior parte do eleitorado em Entre Rios. Dos 544 eleitores que compareceram às duas seções eleitorais da Escola Índigena de Ensino Fundamental Paiol de Barro, 499 votaram no petista, enquanto Jair Bolsonaro (PL) — que tenta a reeleição — recebeu apenas 45 votos, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

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— Os indígenas, na realidade, sempre votaram no PT. Fora da reserva, já não é tanto [voto para o partido]. Mas dentro da reserva, a maioria é petista. O partido do PT aqui é bem forte. Além disso, a população pobre sempre vota no PT — explica o vice-prefeito de Entre Rios, Joel Pereira (União Brasil). 

Mas, os votos ao Partido dos Trabalhadores não se restringiram apenas à área índigena. De acordo com o TSE, Lula venceu em todas as oito seções eleitorais do município. Ao todo, o petista recebeu 67,14% dos votos no primeiro turno – 1.594 -, enquanto Bolsonaro teve 27,42%, com 651. 

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A votação expressiva, porém não impediu que ao adentrar na área urbana da cidade, fosse possível ver casas com a bandeira do Brasil hasteada, além de carros plotados com o número 22, partido do atual mandatário da república. 

Além de Entre Rios, outros 31 municípios dos 295 catarinenses também deram a vitória a Lula no primeiro turno — o que representa 10,84% do total. Entre elas Ipuaçu, cidade vizinha ao município e que também conta com uma forte presença da população índigena. 

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Nem a onda bolsonarista de 2018 atingiu o pequeno município, que acumula sucessivas vitórias ao PT nos últimos 20 anos. Na época, o então candidato do partido à presidência, Fernando Haddad, recebeu 73,57% dos votos contra 26,43% de Bolsonaro. 

Maria Nogueira conseguiu a casa onde mora durante o governo Lula
Maria Nogueira conseguiu a casa onde mora durante o governo Lula (Foto: Tiago Ghizoni/SC)

Da luz à casa própria 

A aposentada Maria Nogueira está entre aqueles que votaram no primeiro turno para o ex-presidente Lula. Com a voz calma, ela lembra que foi no governo petista que conseguiu a casa em que vive com o filho na Aldeia Paiol de Barro. 

— Antes eu morava numa casinha de madeira. Daí veio esses projetos da minha casa, minha vida, fiz o cadastro e consegui. Paguei né, quatro anos, paguei parceladinho, mas é da gente. Se a gente vai pegar e fazer uma casa, como a gente vai fazer ganhando um salário mínimo? — conta. 

Por outro lado, ela alega que os últimos anos do governo Bolsonaro foram difíceis. Além de perder o benefício que o filho, que é deficiente, recebia, o preço dos alimentos também impactou na renda da casa. 

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— Nós fazíamos um rancho para passar um mês com R$ 500, R$ 600, e agora R$ 1 mil não dá para passar o mês, tudo muito caro — desabafa. 

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A poucos metros dali, Gilberto Vieira — ou Beto como é conhecido — limpa junto com a esposa os resquícios da festa que fez para a comunidade no feriado de Nossa Senhora Aparecida, enquanto o rádio toca uma música sertaneja. A energia, que alimenta o aparelho, inclusive, foi algo que ele elenca como um dos benefícios do governo do PT à comunidade. 

— Desde que comecei a votar sempre votei no PT. Os quatro anos em que ele [Lula] esteve [no governo], para nós aqui, na nossa região, ao meu ver, ele fez coisa boa. Ele trouxe energia elétrica, nós aqui só usávamos vela — explica. 

Osmar acredita que a ajuda para os mais pobres auxiliou na escolha
Osmar acredita que a ajuda para os mais pobres auxiliou na escolha (Foto: Tiago Ghizoni/DC)

Para o diretor de departamento da Prefeitura, Osmar Tomás, o fato da população mais pobre ter recebido uma série de benefícios durante os governos petistas contribuiu diretamente para o eleitorado de Lula em Entre Rios. 

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— Quem vive no interior, quem é mais pobre, tem que pensar mais na parte do Lula. Ele ajudou da outra vez, pela parte pobre ele fez. Até na parte do salário ele igualou para todo mundo. Já pela parte rica, se continuar o Bolsonaro, para eles está bom, porque o valor está lá em cima — pontua. 

A mesma visão é compartilhada pelo atual prefeito da cidade, João Maria Roque (MDB): 

— Como o nosso município é um dos mais pobres de Santa Catarina, a população daqui gosta muito do ex-presidente Lula por conta dos programas sociais — diz. 

Porém, também há aqueles no município que optaram por votar no ex-presidente para mudar o atual cenário, como o técnico agropecuário Evandro Freschi. 

— Eu acho que [os eleitores] querem mudança. Não foram muito com a administração do Bolsonaro, vamos aproveitar para dar mais um voto de confiança para o Lula. Essa é a primeira vez que eu voto nele — diz. 

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Em um bar localizado no Centro da cidade, Giovani Rodrigues senta em uma das cadeiras e aproveita o fim da manhã com alguns conhecidos que escolheram o mesmo local para uma roda de conversa. Entre os assuntos, as eleições deste ano. 

— Conta por que você vai votar no Lula? Eles acreditam muito na conversa — alega o vigilante de 35 anos. 

Eleitor assumido de Bolsonaro, ele atribui a alta votação para o PT no município pela falta de conhecimento da população e a acomodação que os auxílios oferecem aos mais carentes. 

— Na época do Lula, eu tinha 15, 16 anos. Eu trabalhava por dia e ganhava R$ 7,00 por dia. Naquela época, o preço da cerveja era R$ 1,50, então, em um dia de serviço, não dava para você tomar cinco cervejas. E hoje, qualquer um aqui, até eu que pago para os piás fazerem uma diária, pago R$ 100,00, digo: olha quantas cervejas você toma com um dia trabalhando? Compara com gasolina, compara com qualquer outra coisa que tinha na época. Mas o pessoal não faz matemática, não faz o cálculo. Eles acham que se o Lula voltar, ele vai dar as coisas — alega. 

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Giovani e Geocimar alegam que falta de conhecimento induz eleitor
Giovani e Geocimar alegam que falta de conhecimento induz eleitor (Foto: Tiago Ghizoni/DC)

Giovani diz, ainda, que também apoia o atual presidente pelos valores que ele prega e, mesmo sem apresentar um plano de governo, o seu voto continuaria em Bolsonaro. 

Dona de um dos poucos comércios de Entre Rios, Cleonice da Silva, de 51 anos, também alega que votou em Bolsonaro no primeiro turno. Para ela, o presidente fez um bom governo. 

— Olha para mim ele fez um bom trabalho. Apesar de tudo ter ficado fechado, para nós do comércio ele foi muito bom. Já meu marido não votou no Bolsonaro, votou na [Simone] Tebet no primeiro, mas no segundo turno vai de Bolsonaro — conta. 

Já o professor de Geocimar Baggio, de 41 anos, alega que vai se abster no segundo turno. Ele, que voltou em Simone Tebet (MDB) no primeiro, diz que o que faz com que ele não tenha uma escolha é a falta de propostas entre os candidatos. 

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— Tem erros tanto de um lado quanto do outro. Eu votei na Tebet no primeiro turno porque, uma, sou professor e ela é professora. Além de que ela foi a única que expôs plano de governo, os outros só se atacaram e até hoje, tanto o Bolsonaro quanto o Lula, nenhum dos dois apresentaram o plano de governo — justifica. 

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Polarização e entendimento na prefeitura 

Desde 2020, Entre Rios é administrada por João Maria Roque (MDB) — que foi o primeiro vereador índigena do município, eleito em 1995 — e Joel Pereira (União Brasil). Apesar de ambos, no primeiro turno, terem feito campanha para a reeleição do atual governador Carlos Moisés da Silva (Republicanos), do lado presidencial, a escolha diverge. 

— Nós sempre temos um lado para acompanhar. Eu vou acompanhar o Bolsonaro, já o prefeito vai para o PT. Mas nós nos acertamos bem. Ele vai acompanhar o grupo dele e eu vou acompanhar o grupo de fora. Apesar disso nós sempre fomos parceiro, nunca discutimos na parte política — salienta Joel. 

O vice-prefeito explica que tanto durante o governo Bolsonaro quanto no governo Lula, o município recebeu recursos para melhorias. Na administração petista, Entre Rios, por exemplo, ganhou equipamentos como patrola e caminhões por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). 

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Na Prefeitura, prefeito e vice apoiarão lados diferentes
Na Prefeitura, prefeito e vice apoiarão lados diferentes (Foto: Tiago Ghizoni/DC)

Já no atual governo, recursos oriundos de Brasília possibilitaram a construção da ponte que interliga Entre Rios a Marema, além de obras de pavimentação asfáltica em alguns trechos. 

Mas o prefeito João Maria Roque (MDB) alega que com o atual governo de Bolsonaro o repasse dos recursos ficou mais escasso e que, no governo Lula, houve um maior apoio aos pequenos municípios. 

— Não conseguimos nada nesses quatros anos. Eu não tenho motivo nenhum para apoiar o Bolsonaro. Até se eu fizer campanha [para ele], eu perco até os meus eleitores. No governo do PT, os municípios pequenos foram muito beneficiados — explica. 

Ele, inclusive, conta que no primeiro turno votou em Simone Tebet, que é do mesmo partido que do prefeito. Sobre uma possível divergência por conta da escolha por Lula no segundo turno, ele é enfático: 

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— Eu tenho parceiros que são da cidade que são Bolsonaro, mas eles são compreensivos com a minha escolha, eu não vou ter problema com eles.

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No cenário estadual, PT perde força 

Apesar de Lula e, consequentemente o PT, liderar os votos para Presidência em Entre Rios, o mesmo não aconteceu na disputa estadual. Dados do TSE mostram que o candidato do partido ao governo, Décio Lima, recebeu apenas 27,70%, ficando atrás do atual governador Carlos Moisés (Republicanos) na disputa, que concentrou 41,01% do eleitorado na cidade. 

Nem mesmo para os cargos de deputado o PT teve a maior votação na cidade. No caso do estadual, o candidato que teve o maior número de votos foi Marcos Luiz Vieira (PSDB) com 485 votos. O nome petista que teve o melhor desempenho no município foi o Padre Pedro Baldissera, que obteve 63 votos. 

Já em relação ao federal, o candidato petista que recebeu a maior quantidade de votos foi Pedro Uczai, com 267 — 189 a menos que aquele que teve a maior votação no município: Valdir Cobalchini (MDB) com 456. 

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Para o técnico em agropecuária, Evandro Freschi, o motivo para a “disparidade” é que o eleitor na cidade não vota em chapa cheia: 

— Eu vou de Jorginho [no segundo turno]. Voto no Jorginho e voto no Lula, é a minha opinião. Não vou naquele cara do PT, eu vou fugir da raia. Eu disse que não é chapa cheia?

Confira o vídeo sobre Entre Rios e Benedito Novo: 

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