Em condições normais, o eleitor já está acostumado a escolher a cada quatro anos quem serão os governantes do local em que vive. Com a possibilidade de reeleição, instituída em 1998, não é raro que a população tenha um mesmo nome ou grupo político por até oito anos no poder. Mas em uma cidade de Santa Catarina, a rotatividade no principal cargo local tem sido bem maior na última década.
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Brusque, no Vale do Itajaí, teve dois prefeitos cassados em pouco mais de 10 anos, entre o início de 2013 e 2023. As posses de prefeitos interinos e as novas eleições necessárias para preencher os cargos vagos já fizeram com que a cidade tivesse seis nomes diferentes à frente da prefeitura neste período.
A mudança mais recente ocorreu na segunda-feira (8). O então presidente da Câmara de Vereadores, André Vechi (DC), tomou posse como prefeito interino depois de a Justiça Eleitoral comunicar oficialmente a cassação do prefeito Ari Vequi (MDB) e do vice Gilmar Doerner (Republicanos).
Os dois tiveram os mandatos cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por acusação de abuso de poder econômico nas eleições de 2020. A investigação resultou também na inelegibilidade da dupla e também do empresário Luciano Hang, das lojas Havan. Vequi e Doerner ainda tentam reverter a decisão por meio de recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF).
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Esta foi a segunda cassação de prefeito registrada em Brusque na última década. Em 2015, o então prefeito Paulo Eccel (PT) também foi retirado do cargo após decisão da Justiça Eleitoral (veja mais abaixo).
Número de prefeitos pode aumentar
Mas o número de prefeitos na história recente de Brusque ainda pode aumentar. Embora tenha assumido o cargo nesta semana, André Vechi permanece como prefeito apenas até a realização de uma nova eleição. Quem vencer a disputa completa o mandato, ficando no cargo até dezembro de 2024.
O novo pleito ainda não tem data confirmada, mas segundo a colunista da NSC, Dagmara Spautz, poderia ocorrer na primeira semana de agosto. Segundo advogados ouvidos pela reportagem, a legislação eleitoral prevê que a nova eleição ocorra em até 40 dias, mas o prazo pode ser modificado.
Caso o prefeito eleito não seja o atual interino ou algum dos políticos que recentemente exerceram o cargo de prefeito, Brusque terá o sétimo nome diferente à frente da prefeitura em pouco mais de uma década.
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Descontinuidade é consequência, diz professor
O professor universitário e analista político Clóvis Reis explica que a descontinuidade registrada em casos como o de Brusque é na verdade consequência de processos eleitorais que acabam desrespeitando a legislação. Segundo ele, essa preocupação deve ocorrer ainda durante o processo de escolha dos eleitores, para evitar condutas que venham a exigir ações da Justiça.
— A descontinuidade administrativa, a insegurança, todos os impactos nas políticas públicas de educação, saúde, em todos os âmbitos, esse prejuízo é fruto dessa condução do processo eleitoral que não segue as regras do jogo — pontua.
Na visão do professor, a rotatividade no poder registrada em Brusque expõe uma deterioração de lideranças políticas.
— Em vez de esse tipo de situação afastar as pessoas, ele deveria ser estímulo para que pessoas comprometidas com processo democrático participem mais. Quando eu não participo, permito que outros que não tenham o mesmo compromisso que eu exerçam liderança e acabem sendo responsáveis pela condução do processo — avalia.
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Relembre a cronologia e os prefeitos de Brusque ao longo dos últimos 10 anos
Paulo Eccel (PT) — 2013-2015

O advogado Paulo Eccel foi eleito prefeito de Brusque em 2009 e reeleito na disputa de 2012. Ao longo do segundo mandato, no entanto, enfrentou um processo de cassação na Justiça Eleitoral. Em março de 2015, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou a perda do mandato e dos direitos políticos dele e do vice. A acusação era de gastos desproporcionais com publicidade institucional no primeiro semestre de 2012, período que antecedeu a eleição municipal. O valor teria sido equivalente à média de todo o ano nos períodos anteriores, de 2009 a 2011. Eccel conseguiu anular a decisão no STF em 2017. Como o mandato já havia terminado, o efeito prático foi apenas a devolução dos direitos políticos ao ex-prefeito.
Roberto Prudêncio Neto (PSD) — 2015-2016

Após a cassação de Eccel, o então presidente da Câmara de Vereadores de Brusque assumiu o cargo de prefeito de forma interina. Roberto Prudêncio Neto (PSD) ficou no cargo por pouco mais de dois meses, até a realização de nova eleição. Na época, a legislação previa que houvesse eleição indireta (quando os vereadores escolhem o novo prefeito) se o cargo de prefeito ficasse vago nos dois últimos anos do mandato. O caso atual, de 2023, já acompanha a nova legislação eleitoral, que determina eleição indireta apenas nos seis últimos meses de gestão. Por isso, desta vez Brusque terá eleição direta para escolher o novo prefeito.
José Luiz Cunha (PP) — 2016

Em eleição indireta em 5 de junho de 2016, os vereadores escolheram o empresário José Luiz Cunha (PP), conhecido como Bóca, como prefeito para os sete meses restantes do mandato. Ele venceu a chapa encabeçada justamente por Roberto Prudêncio Neto, o vereador e prefeito interino que tentava seguir no comando da prefeitura.
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Jonas Paegle (PSB) — 2017-2020

O médico Jonas Paegle (PSB) foi o único prefeito deste período de 10 anos que cumpriu um mandato na íntegra. Eleito em outubro de 2016 com apoio do ex-prefeito e influência local Ciro Roza, Jonas concluiu o mandato, mas não concorreu à reeleição
Ari Vequi (MDB) — 2021-2023

Vice-prefeito na gestão de Jonas Paegle, o emedebista Ari Vequi foi eleito prefeito em novembro de 2020. Conduziu a prefeitura até a segunda-feira desta semana (8), quando foi notificado da decisão de cassação do mandato dele e do vice em ação no TSE. A acusação é de abuso de poder econômico e utilização de estruturas e recursos de empresas como a loja Havan, do empresário Luciano Hang, na campanha eleitoral de 2020.
André Vechi (DC) — 2023-

Com a cassação de Ari Vequi, a cidade novamente assistiu ao presidente da Câmara de Vereadores tendo que assumir a cadeira de prefeito de forma interino. Desta vez, a tarefa coube a André Vechi (DC). Aliado do prefeito cassado e do vice, Vechi divulgou uma nota de apoio a Ari Vequi e falou em um “sentimento de injustiça”, mas se comprometeu a conduzir o município até as novas eleições diretas, ainda sem data marcada.
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