Tudo começa como tantas outras festividades natalinas. Sentado em um trono, São Nicolau – o santo que inspirou a criação de Papai Noel – recebe cada visitante com um sorriso afetuoso sob a densa barba branca. Mais adiante, um presépio evoca o local de nascimento de Jesus Cristo. É quando se começa a ouvir os grunhidos, o arrastar de correntes e o som de pancadas que assustam não só crianças, mas também os adultos mais distraídos.

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A algazarra vem da Casa do Pelznickel, uma lenda de origem germânica que a comunidade de Guabiruba preservou com dedicação ao longo do tempo. Vestindo máscaras sinistras, quase sempre com grandes chifres, e cobertos por trapos, barba de velho e folhas de árvores, as criaturas saem das matas todo mês de dezembro para cobrar bom comportamento de meninos e meninas. Desde 2011 elas têm um cantinho especial em Guabiruba, no Vale do Itajaí: a Pelznickelplatz, que nos últimos anos atraiu cerca de 14 mil visitantes.

Dentro da casa, maltrapilhos barbudos verificam se o nome de cada criança que chega está anotado em um quadro. Há dezenas de Felipes e Lucas, Sofias e Cecílias. Segue o interrogatório: “Obedeceu os pais? Comeu legumes? Recolheu os brinquedos? Escovou os dentes?”.

Nos fundos da casa é que a coisa complica: vários Pelznickel de todos os tamanhos e humores aguardam os visitantes em um corredor escuro no meio da floresta. Com bastões de madeira e correntes nas mãos, eles fazem barulho, pregam peças e cutucam quem passa. E voltam a questionar, um por um: quem não se comportou em 2019?

Depois de entregar a chupeta no ano passado para o Pelznickel, o pequeno Miguel Ramos Marques, três anos, estava ansioso para rever as criaturas. Ele fez o pai chegar ao local uma hora antes da abertura da Pelznickelplatz, no último dia 6.

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— Vou ser o primeiro a ver ele. Quero dar um beijo e um abraço, pois não tenho medo, não — garantiu o bravo menino, que mais tarde quase não conseguiu segurar o choro, mas cumpriu a promessa de falar com o “piciniquel”, como as crianças do município passaram a chamar as criaturas.

(Foto: Patrick Rodrigues/Santa)

Resgate da tradição

A Pelznickelplatz foi idealizada pela Sociedade do Pelznickel. Criada para reunir os últimos praticantes da tradição no município e organizar os desfiles de Natal – quando as criaturas vão de porta em porta para descobrir quem se comportou ou não –, a associação tem como um dos fundadores Ivan Elias Fischer. Foi ele quem convenceu a sogra a ceder o terreno da chácara que hoje serve de lar para mais de 40 Pelznickel.

— Aqui foi sempre o ponto de reunião da sociedade. Até que um dia alguém questionou: se existe a Casa do Papai Noel, por que não temos a Casa do Papai Noel do mato? Então, no primeiro ano, montamos tudo esperando cem pessoas. Vieram 500. No ano seguinte, tivemos 9 mil visitantes. E hoje estamos mantendo aquilo que vivemos na nossa infância, ano após ano — conta Ivan.

A lenda do Pelznickel

O Pelznickel faz parte da infância de muitas gerações em Guabiruba. Marcelo Carminatti, integrante da sociedade, ressalta que o avô de 85 anos já corria apavorado dos Pelznickel quando era criança. A tradição veio com os imigrantes que colonizaram a região onde está situado o município, a partir da década de 1860. Grande parte vivia na região de Baden, no sudoeste da Alemanha, onde teria surgido a lenda.

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Exclusividade de Guabiruba em solo brasileiro, a tradição se adaptou aos novos tempos da educação:

– A gente evangeliza. Falamos de amor, de paz, alegria, de um Natal diferente. O Pelznickel cobra obediência da criança, se obedece o pai e a mãe. Antigamente, a gente se escondia embaixo da cama e os pais deixavam até bater (na criança) se não tinha sido obediente. Hoje a gente só conversa – avisa Ivan.

(Foto: Patrick Rodrigues/Santa)

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