Pedalar pode ser considerada uma atividade simples para muitas pessoas, mas para João Paulo Romanini é um exemplo de desafio superado a cada dia. O ciclista de 40 anos, que mora em Joinville há quatro anos, perdeu a perna esquerda por causa de um acidente de carro, mas no esporte encontrou uma forma de bem-estar e de se reintegrar após o acidente. Mesmo sem uma parte importante do corpo, disputa torneios de bike nas estradas de Santa Catarina e surpreende quem o acompanha nos percursos cada vez maiores. 

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Além de praticar o ciclismo, João trabalha há 20 anos como pizzaiolo — um trabalho que exige alto empenho das condições físicas, pois entre preparar as pizzas e assar a massa, ele precisa dar pequenos pulos na cozinha, o que machuca a região da perna e da cintura e causa dor. Para o joinvilense, a caminhada se tornou a impulsão do salto de um espaço para o outro. Quando não está de muletas, é nítido o esforço que João faz para se locomover. Nada disso, no entanto, limita a dedicação no dia a dia e quando sobe em cima da bicicleta.

Em 2015, João sofreu um acidente de carro e fraturou o fêmur da perna esquerda. A lesão deixou o ciclista internado por 10 meses e 20 dias. Durante o período, ele contraiu duas infecções hospitalares, uma delas foi a osteomielite. João relembra que a dor era “terrível”, e a amputação, feita em 2016, era a única saída para diminuir o sofrimento.

Assim que teve a perna amputada, João considerou a atividade física como forma de integração, então começou a praticar esportes como atletismo e basquete de cadeira de rodas. Duas modalidades que ajudaram a formar a mobilidade necessária para o ciclismo, que viria em seguida. Ele conta que sempre foi apaixonado por bicicleta, contudo, a relação com as duas rodas se aprofundou após a amputação:

– É uma forma de bem-estar físico e mental. Sempre gostei de um esporte, a bike entrou e fechou uma sincronia bacana. 

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Outros fatores que facilitaram a prática do pedal foi o apoio moral e financeiro recebido de ciclistas, além do custo-benefício da atividade.

– Faço 5 km de muleta em cinco horas [de locomoção], já 5 km de bike faço em dez minutos. Então se tornou mais prático o custo-benefício. Fui pegando gosto e vi que tinha um bom desempenho – explica.

A bicicleta atual foi um presente recebido por grupos de pedal de Joinville que, segundo ele, acreditaram e incentivaram a nova fase da vida do pizzaiolo.

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João Paulo Romanini
João Paulo Romanini (Foto: Tiago Ghizoni / A Notícia)

Preconceito com a amputação

João comenta que alguns abalos psicológicos surgiram no pós-operatório. Um deles é a sobrevivência no cotidiano, de que forma ele seria independente com as adversidades da amputação: 

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– Alguém vai ter que pegar isso pra mim, fazer o almoço e tudo mais. Você tem que quebrar essa barreira, a partir do momento que você quebra, a tua vida começa a fluir naturalmente.

Outro obstáculo que enfrentou é o relacionamento com as pessoas e a maneira como enxergam a deficiência física. 

– Ninguém mais vai te querer, isso já vem na tua cabeça – desabafa.

Uma das situações que sensibilizao ciclista é quando conhece alguém por aplicativo, e fora da internet, a pessoa se surpreende com as condições físicas dele. Segundo João, o preconceito também afastou conhecidos do convívio.

– Já teve pessoas que falaram meia dúzia de palavras para fingir não ter preconceito, mas tiveram e deixaram de falar. Para mim é indiferente, a vida segue – diz.

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Mountain bike leva o atleta aos limites

Engana-se quem pensa que João sobe na bike apenas para gastar o tempo livre e se exercitar, pelo contrário, as pedaladas estão cada vez mais competitivas. Em 2022, o pizzaiolo se destacou nos primeiros campeonatos que disputou no ciclismo: em Tijucas, conquistou o terceiro lugar no pódio, e em Nova Trento e Apiúna ficou em segundo. 

Nas provas, João compete no Cross Country Maratona, conhecido como XCM, uma modalidade de Mountain Bike que tem percursos longos (com variação de 50 a 120 km). 

– Os trajetos têm elevação altíssima, sempre tem subida. Por isso que o treino tem que ser intenso – afirma.

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O ciclista explica que o XCM impõe características desafiadoras aos participantes, como a presença de barro e pedra brita nos percursos, fatores que atrapalham a performance na hora de pedalar. 

Desde a amputação, João explica que a dor é constante em qualquer atividade física. Portanto, a dificuldade é ainda maior ao pedalar, principalmente quando ocorrem mudanças nos trajetos das corridas.

– A partir do momento que tu eleva [o caminho], a dor volta de novo. Porque tu vai ter que forçar mais ainda para chegar naquele novo trajeto.

Ciclista João Paulo Romanini
João compete em provas de mountain bike (Foto: Tiago Ghizoni / A Notícia)

Desafio para igualar as competições

Mesmo se esforçando para concorrer de igual para igual com os adversários, existem algumas diferenças que João precisa enfrentar. Ele explica que as provas disputadas por ele são adaptadas para pessoas com deficiência (PCDs), envolvendo características físicas e mentais. Por causa dessa inclusão, João alega que a competitividade é mais acirrada, pois precisa se nivelar ao ritmo dos outros participantes. 

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– Por isso meus treinos são sempre pancada, com montanha e morro. Se eu quiser acompanhar esses caras que têm as duas pernas com dificuldades menores que as minhas, eu terei que treinar o dobro – conta. 

Já no equipamento utilizado não existem tantas distinções. Segundo João, o que muda para ele é o uso de apenas um pedal, para facilitar a adaptação do pé direito.

O pizzaiolo pontua que um dos recursos que gostaria de adotar na bike seria um “canote retrátil”, peça responsável por regular a descida e a subida do banco. Um acessório que teria vital importância para quem sofre problemas musculares durante as pedaladas. 

Sempre que eu volto de um treino a dor nas costas é intensa. [O movimento] é sempre remando, empurro com a perna e puxo com o ombro. Sempre nessa movimentação, principalmente na subida. Então isso me arrebenta – desabafa. 

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Atualmente, João participa apenas de provas regionais e extraoficiais. Contudo, o ciclista afirma que é só começo, pois está em busca de voos ainda maiores. Superando as dores e mostrando que não há limites para a sua dedicação, ele espera chegar no campeonato catarinense e fazer bonito, para ser visto no cenário nacional e até internacional.

João trabalha como pizzaiolo
Dedicado aos treinos durante o dia, João trabalha como pizzaiolo à noite (Foto: Reprodução / Instagram)

*Sob supervisão de Lucas Paraizo

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