Mais de quatro décadas após sua morte, Maria Callas ainda enche teatros com plateias buscando um pouco mais sobre os mistérios e as complexidades da cantora greco-americana que colocou a música clássica em evidência no século 20 por seu talento e sua personalidade. É assim com Master Class, espetáculo de teatro protagonizado por Christiane Torloni que, no papel de Maria Callas, assume o desafio de interpretar as diferentes nuances de uma artista genial, mas cheia de traumas e tragédias, nos últimos anos de sua vida. Ela vem neste fim de semana a Joinville, com apresentações de Master Class de sexta a domingo, no Teatro Cnec, dando continuidade a uma turnê iniciada em agosto e que terá passado por 12 cidades brasileiras até o fim deste mês.
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A dramaturgia é do americano Terrence McNally, que baseou o enredo de Master Class nas lendárias aulas magnas promovidas por Callas no início dos anos 1970 na conceituada Juilliard School, em Nova York. Nos Estados Unidos, o musical estreou em 1995 e, desde então, ganhou adaptações em dezenas de outros países. Assim como nos Estados Unidos, onde recebeu três prêmios Tony (considerado uma espécie de Oscar do teatro), a atual versão brasileira, em cartaz desde 2015, já rendeu prêmios de melhor Atriz a Torloni, como o Prêmio Aplauso Brasil e o Prêmio Arte Qualidade Brasil.
Christiane Torloni já era fã de Callas há pelo menos três décadas. Ela recorda de chegar a ficar em prantos ao assistir aos vídeos da cantora com o amigo José Possi Neto que, agora, a dirige em Master Class. Mesmo assim, ao assumir o papel, dedicou-se a conhecer melhor a história da soprano e foi em busca de experiências que a fizessem compreendê-la melhor.
— Com meu professor no Rio de Janeiro, comecei a estudar pela ária de Amina (personagem de Callas na ópera La Sonnambula) para poder entender em mim mesma o que ela faz, o quão difícil é o que ela faz. Você se apropria. Você vai fazer um pianista, você tem que entender o universo, mesmo que não vá tocar. Entender mentalmente, entender emocionalmente, porque isso muda a atitude física completamente — conta a atriz.

No espetáculo, Callas contracena com alunos de música que a tem como exemplo e inspiração. Nestes encontros, os repreende e os encoraja com a mesma força, enquanto deixa escapar as frustrações da própria vida: depois do sucesso nos anos 1950 e 1960, chegava aos 50 anos mais famosa pelo gênio difícil e pelas polêmicas pessoais, como o romance com o bilionário grego Aristóteles Onassis. Ela morreria pouco tempo depois, aos 53 anos.
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Para Torloni, a trajetória de Callas foi de superação. Foi recusada pela mãe na primeira infância, que estimulava os problemas de auto-estima com os quais cresceu — no início da carreira, perdeu quase 40 quilos para atender às exigência estéticas da carreira —, foi cortejada por Onassis a ponto de pedir o divórcio do primeiro marido para ficar com o bilionário que, depois, a afastaria da música e acabaria por abandoná-la para casar com Jacqueline Kennedy. A perda de um filho recém-nascido foi a gota d'água para a artista entrar em depressão e não conseguir mais cumprir sua agenda nos palcos, desperdiçando um talento poucas vezes visto na história recente da música.
— Ela não era só uma intérprete. Era uma grande musicista, tocava piano muito bem. Entendia tanto de música quanto os maestros que a regiam. E por isso ela pôde desfrutar deles e eles dela como ninguém. Ela não era só uma cantora interessada em cantar notas. Acho que Maria Callas colocava a serviço da música, da arte e da beleza toda a experiência que ela teceu na vida, incluindo a pessoal — avalia Torloni.
Assim como a diva nos últimos anos de vida, a atriz não canta em cena. Os tons musicais de Master Class ficam por conta dos "alunos" de Callas. Segundo Torloni, todos os atores tiveram preparadores físicos para garantir a precisão do trabalho. Mas, para além da expressão corporal, ela afirma que este é um daqueles trabalhos para o qual se preparou a vida inteira.
— O texto de Callas é tão atual, ela foi uma mulher tão à frente de seu tempo em alguns aspectos, que precisei de 40 anos de carreira para vivê-la — afirma.
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