A geladeira quase vazia e os armários pouco abastecidos sinalizam que os próximos dias serão incertos para a família Rosa. Sem mantimentos garantidos para os meses seguintes, Júnior e a esposa, Eliane Vitória, se desdobram para colocar comida na mesa para alimentar os nove filhos do casal.
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A situação, que já não era fácil, se complicou ainda mais quando Júnior perdeu o emprego, no início da pandemia da Covid-19. Atualmente, a família sobrevive com R$ 700 por mês, originários dos bicos que fazem com a venda de recicláveis. Mas a renda não é suficiente para manter a casa.

O pai de família tem buscado, diariamente, reverter a situação. Mas a garganta chega a dar nó quando os filhos pedem por algo que não pode ser comprado.
– Às vezes dá uma sensação de desespero, né, porque a gente não tem mais o que recorrer. A gente olha pra frente e não tem pra onde tentar se agarrar. Eles pedem um doce, a gente não tem. A gente frita um ovo, faz uma coisinha diferente com açúcar pra ver se entrete, pra não deixar também a vontade do doce – desabafa o pai.
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Por causa da situação, Eliane também tem saído às ruas atrás de matar a fome dos filhos, às vezes, com estômago roncando. A filha menor tem menos de um ano e, para a mãe, nada é mais doloroso do que não poder comprar o leite para as crianças.
– Chegou a faltar comida, sim. De nós ter que catar latinha na rua, revirar o saco do lixo, porque muita gente não deixa separadinho, né? Pra poder vender e comprar leite e pão para as crianças. Porque é triste a gente ser adulto e não conseguir – lamenta a dona de casa.
Mais de 20 mil pessoas na mesma situação
A família mora em uma casa de madeira de quatro cômodos no loteamento Juquiá, zona Sul da cidade. As estradas esburacadas e o esgoto a céu aberto em parte da região contrastam com a alegria das crianças, que brincam inocentemente pelas ruas.

Assim como o casal, outras famílias de Joinville sobrevivem nas mesmas condições, com menos de um salário mínimo por mês. De acordo com dados do Ministério da Cidadania, em março do ano passado, quando iniciou a pandemia, pouco mais de 17 mil joinvilenses viviam em situação de extrema pobreza, ou seja, com menos de R$ 89 por mês. No início deste ano, o número saltou para mais de 20 mil moradores e, em junho, já estava em 22 mil.
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Além disso, quase 10 mil moradores vivem na pobreza no município, com uma renda menor que R$ 178 por mês. Na baixa renda, com até R$ 550 mensais, são mais de 29 mil pessoas. Diante deste cenário, de acordo com Fabiana Cardozo, secretária de Assistência Social de Joinville, houve aumento de registros no Cadastro Único – foram mais de 3 mil inscrições somente neste 2021.

Fabiana explica que, só neste ano, os dados mostram que mais de 1.900 migrantes e imigrantes chegaram à cidade. Ela aponta ser preciso levar em conta este fator e garante que a assistência social tem trabalhado junto à coordenação de mulheres de direitos humanos para entender as demandas e buscar a inclusão dessas pessoas, tanto no mercado de trabalho quanto no Cadastro Único.
Neste meio tempo, por meio do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), a população vem sendo atendida, com medidas mais urgentes.
– Ofertamos neste período quase oito mil cestas básicas, em forma de benefício eventual, auxílio natalidade para as mulheres que ganharam bebê, também auxílio funeral, entre outros – destaca Fabiana.
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Para Cynthia Pinto da Luz, advogada do Centro de Direitos Humanos (CDH) de Joinville, esta condição é reflexo da visão que se tem da agricultura alimentar, que é de investimento no agronegócio em detrimento do bem estar da população brasileira e das políticas dirigidas à agricultura familiar.
– Nós exportamos, mas não conseguimos colocar a comida no prato na mesa dos brasileiros. Inclusive, aqui em Joinville – analisa Cynthia.
Crianças em desnutrição
Entre os mais de 22 mil joinvilenses em situação de extrema pobreza, 10,1 mil são crianças e adolescentes. Na última semana, um caso de desnutrição de um menino de dez anos repercutiu em Joinville, após relato de uma nutricionista em suas redes sociais.
Na mensagem, a profissional contou que, após uma consulta gratuita que prestou à família, descobriu que o menino só comia arroz e feijão para economizar o salário da mãe, já que tinha conhecimento sobre os preços dos alimentos.
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– Ele percebia que se ele comesse, estava comendo um dinheiro, então decidiu não comer porque, na cabeça dele, estava economizando – contou Verônica Petry Nunes, a nutricionista.
Segundo a prefeitura, neste ano, a Secretaria da Saúde atendeu 48 crianças de zero a cinco anos com magreza acentuada e 86 com magreza. Fora desta faixa etária, no entanto, o município não possui dados.
Simone Aparecida de Souza, diretora de assistência à saúde da prefeitura, explica que toda criança que nasce em Joinville é notificada para a Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF) da região em que a família vive. Por meio do Programa Pequeno Príncipe, a unidade faz a busca ativa dessa criança, acompanhando seu crescimento.
– O programa é responsável, atualmente, pelo tratamento de 12 crianças abaixo de cinco anos com desnutrição grave. Elas recebem da prefeitura uma fórmula alimentar adequada para a idade – diz a secretária, que indica que casos de desnutrição devem ser encaminhados para as unidades de saúde.
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Assim como a nutricionista Verônica, que recebeu auxílio de pessoas que se sensibilizaram com a situação e fizeram a doação de alimentos para ajudar famílias e crianças que vivem a mesma situação do garoto de dez anos, Júnior e a esposa Eliane também contam com a solidariedade da comunidade. Apesar da ajuda, a família vive um dia de cada vez. Júnior busca forças de onde não tem, afinal a fome não espera.
– A gente tem que lutar, lutar porque tem eles. Não pode desistir.
*Com informações da NSC TV
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